Art.
8 — Se a alma de Cristo, durante o tempo da sua paixão, fruía totalmente o gozo
da bem-aventurança.
O oitavo discute-se assim. — Parece que a alma
de Cristo, durante o tempo da sua paixão, não fruía totalmente o gozo da
bem-aventurança.
1. — Pois, é impossível sofrer e gozar
simultaneamente, por a dor e o prazer serem contrários. Ora, a alma de Cristo
sofria totalmente a dor no tempo da paixão, como se estabeleceu. Logo, não
podia fruir na sua totalidade.
2. Demais. — O Filósofo diz que a tristeza, sendo veemente, não só impede o
prazer contrário, mas qualquer prazer; e inversamente. Ora, a dor da paixão
de Cristo foi a dor máxima, como se demonstrou; e semelhantemente, o deleite do
gozo é o máximo, como se estabeleceu na Segunda Parte. Logo, não era possível a
alma de Cristo na sua totalidade, simultaneamente sofrer e gozar.
3. Demais. — O gozo da bem-aventurança funda-se no conhecimento e no amor divinos,
como está claro em Agostinho. Ora, nem todas as potências da alma são capazes
de conhecer e amar a Deus. Logo, Cristo não gozava com toda a sua alma.
Mas, em contrário, diz Damasceno, que a divindade de Cristo permitia à carne agir
e sofrer como lhe era próprio. Logo, pela mesma razão, sendo próprio à alma
de Cristo, enquanto bem-aventurada, gozar a sua paixão não lhe impedia o gozo.
Como dissemos antes, a alma
na sua totalidade, podemos entendê-la, tanto na sua essência como em todas as
suas potências. — Se, pois, a considerarmos na sua essência então toda a alma
de Cristo gozava, enquanto o sujeito da sua parte superior, a que cabe gozar da
divindade. De modo que, assim como a paixão, em razão da essência, se atribui à
parte superior da alma, assim também e ao inverso, o gozo, em razão da parte
superior da alma, há-de atribuir-se à essência. — Se, porém considerarmos toda
a alma, em razão de todas as suas potências, então não era a alma na sua
totalidade a que fruía. Nem directamente porque a fruição não pode ser acto de
nenhuma parte da alma. Nem pela redundância da glória, pois enquanto Cristo era
viandante, não havia nenhuma redundância de glória da parte superior para a
inferior, nem da alma para o corpo. Mas porque, do inverso também a parte
superior da alma não ficava impedida na sua acção própria pela parte inferior,
resulta que a parte superior da alma de Cristo fruía perfeitamente, durante a
sua paixão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O gáudio da fruição não contraria a dor
da paixão directamente porque um e outra não recaem sobre o mesmo objecto.
Pois, nada impede os contrários existirem num mesmo sujeito, mas não sob o
mesmo aspecto. E assim, o gáudio da fruição pode pertencer à parte superior da
razão, pelo seu acto próprio: e a dor da paixão, pelo seu sujeito. Ora, à essência
da alma concerne a dor da paixão, quanto ao corpo, de que ela é a forma e o
gáudio da fruição, quanto à potência, de que depende.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras
citadas do Filósofo são verdadeiras em razão da redundância, naturalmente
resultante de uma potência da alma para outra. Mas isso não se deu com Cristo,
como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção
colhe no concernente à totalidade da alma, quanto às suas potências.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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