Páscoa
Evangelho:
Jo 14, 27-31
27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha
paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se
assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me
amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior
do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando
acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe
deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça
que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.
Comentário:
Jesus Cristo
frisa muitas vezes a razão pela qual revela aos discípulos certas coisas que
acontecerão no futuro:
«disse-vo-lo agora,
antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis».
Ninguém
pode dizer tal coisa a não ser o próprio Deus que é o Senhor do passado, do
presente e do futuro.
Noutro
local já se abordou a questão dos que procuram “adivinhos” ou “pessoas de
virtude” numa vã tentativa de saber o que se irá passar num futuro próximo ou
longínquo.
Que
fique claro:
A
Igreja proíbe essas práticas que além de inúteis são um desrespeito grave para
com Deus.
(ama, comentário sobre Jo 14, 27-31, 2015.05.05)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
CAPÍTULO
XIV
A
profundidade das Escrituras
Admirável profundidade das
tuas palavras! A sua aparência nos acaricia, como se acariciam as crianças!
Sim, admirável profundidade, meu Deus, admirável profundidade! O meditá-las
causa um arrepio sagrado, tremor de respeito, estremecimento de amor. Odeio com
veemência os seus inimigos. Oh! Se pudesses fazê-los morrer sob o teu gládio de
dois gumes, para que não tivessem mais inimigos! Desejaria que eles morressem
para si mesmos, e que vivessem só para ti.
Mas há outros que não
censuram mas, pelo contrário, exaltam o livro do Génesis, e que dizem: “Não é
isto que quis dizer com essas palavras o Espírito de Deus, que as inspirou a
teu servo Moisés. Não, o que ele quis dizer não é o que dizes, mas o que nós
dizemos” – Eis, ó Deus de todos nós, o que eu lhes respondo: sê nosso árbitro.
CAPÍTULO
XV
O
que dizem os teus inimigos
Ousareis apontar como
falso o que, com voz clara, a Verdade disse ao ouvido da minha alma sobre a
verdadeira eternidade do Criador: ou seja, que a sua substância não varia no
tempo, e que a sua vontade se confunde com a sua substância? E que por isso ele
não quer ora isto, ora aquilo, mas quer o que sempre quis, simultaneamente e
para sempre. A sua vontade não se exerce repetidas vezes, não se propõe ora
esta, ora aquela finalidade, não quer o que antes não queria, nem deixa de
querer o que antes queria, uma vez que tal vontade seria mutável, e o que é mutável
não é eterno; ora, o nosso Deus é eterno.
Tereis por falazes as
palavras da Verdade faladas ao ouvido da minha alma: que a espera das coisas
futuras se torna contemplação, quando presentes, e que depois se transforma em memória,
quando passadas? Que todo o pensamento que varia assim é mutável, e que nada do
que é mutável é eterno? Ora, o nosso Deus é eterno. E, reunindo e condensando
estas verdades, deduzo que o meu Deus, o Deus eterno, não criou o mundo por um
novo acto de volição, e que a sua ciência não admite nada que seja transitório.
Que respondeis, então,
meus contraditores? Será isso falso? – Não, dizem eles. – Mas então? Será que
erro afirmar que toda a criatura que tem forma, que toda a matéria susceptível
de a ter recebe o seu ser somente daquele que é Bondade soberana, porque ele é
Ente supremo? – Também não o negamos. – Então, que negais? Negais talvez que
haja uma criatura sublime, unida por um casto amor ao Deus verdadeiro e eterno,
sem lhe ser co-eterna, que dele não se separa nem se desvia para as várias
vicissitudes do tempo, mas, pelo contrário, repousa apenas na sua contemplação?
Com efeito, ama-te tanto quanto pedes, ó Deus, e mostras-lhe a tua face e a
sacias, e ela jamais se afasta de ti, nem ruma a si mesma. Ela é a morada de
Deus, não terrena, e nem formada de substância do céu material, habitáculo
espiritual que participa da tua eternidade, imaculada por toda a eternidade. Tu
a fundaste pelos séculos dos séculos; estabeleceste uma ordem, que não passará
jamais. Contudo, essa lei não é co-eterna, porque teve princípio, foi criada.
Não encontramos o tempo
antes dessa criação, porque a sabedoria foi a primeira de todas as tuas
criações. E é claro que não me refiro à Sabedoria da qual és Pai, ó nosso Deus,
e que te é perfeitamente igual e co-eterna, por quem todas as coisas foram
criadas, e que é o princípio em que criaste o céu e a terra; refiro-me à sabedoria
criada, dessa essência intelectual que, pela contemplação da luz, também é luz;
a esta, embora criada, também a chamamos sabedoria. E assim como a luz que
ilumina difere da luz reflectida, a sabedoria criada difere da sabedoria incriada;
e a justiça justificante difere da justiça nascida da justificação. Nós fomos
também chamados pela tua justiça. Porque um dos teus servos disse: “Para que,
em Cristo, nos tornemos a justiça de Deus”. – Há portanto, uma sabedoria criada
antes de todas as coisas, e ela foi criada como espírito racional e inteligente,
que habita a tua cidade santa, nossa mãe, que está no alto, livre e eterna nos
céus – e em que céus, senão aos céus dos céus, que te louvam, esse céu que pertence
ao Senhor? – Se não encontramos o tempo antes dessa sabedoria, é porque ela precede
a criação do tempo, tendo sido criada primeiro, mas antes dela há a eternidade do
seu Criador, de quem recebeu a sua origem, e não do tempo, pois este ainda não
existia, mas pela sua condição de criatura criada.
Ela procede pois, de ti,
nosso Deus, embora seja de essência absolutamente diversa da tua. Não
encontramos nenhum tempo, não apenas antes dela, mas nela própria, porque ela é
capaz de contemplar sempre a tua face sem jamais se apartar de ti, sendo
incólume às mudanças e às variações. Contudo, há nela certa mutabilidade que
poderia torná-la tenebrosa e gélida, não fosse o grande amor que a une a ti e
que brilha como meridiana luz e calor.
Ó morada luminosa e pura!
Amei a tua beleza e o lugar onde mora a glória do meu Senhor, teu criador e
possuidor. Por ti eu suspiro durante o meu exílio! Peço àquele que te criou que
me possua também em ti, pois também me criou. Errei como ovelha desgarrada, mas
espero ser reconduzido a ti nos ombros do meu pastor, teu arquitecto.
Que me respondeis a isto,
meus contraditores, vós que, também considerais Moisés um servo piedoso de
Deus, e os seus livros como oráculos do Espírito Santo? Não será esta a casa de
Deus que, sem lhe ser co-eterna, é contudo, á sua maneira, eterna nos céus? Em
vão buscais aí as vicissitudes do tempo, pois não as encontrareis, uma vez que
ela transcende toda extensão, toda volubilidade do tempo, e a sua felicidade é
estar intimamente unida a Deus para sempre.
– Assim é – dizem eles.
Mas então, qual das
verdades que o meu coração proclamou diante de Deus, quando escutava no meu
íntimo a voz que canta só glória, podeis apontar como falsa? O que disse sobre matéria
informe, na qual não podia haver ordem por carecer de forma? Mas onde não havia
ordem não podia haver vicissitude de tempo; mas esse quase nada, enquanto não
era o nada absoluto, provinha certamente daquele de onde nasce tudo o que, de
algum modo, existe.
– Tampouco negamos isto –
dizem eles.
CAPÍTULO
XVI
Outros
adversários das Escrituras
Quero discutir diante de
ti apenas com os que reconhecem como verdadeiras as afirmações que a tua
verdade revelou à minha inteligência. Os que o negam, que ladrem quanto
quiserem, até ficar roucos. Tentarei persuadi-los a que se acalmem, e deem acesso
nos seus corações à tua palavra. Se não o quiserem e me repelirem, peço-te, meu
Deus, que não te cales, não te afastes de mim. Fala com verdade no meu coração,
porque só tu podes falar assim. E eu os deixarei fora, soprando o pó e
levantando terra contra os próprios olhos. Retirar-me-ei em mim mesmo, levantando-te
cânticos de amor, soluçando altos gemidos durante o meu exílio, lembrando-me de
Jerusalém, voltando para ela o meu coração – Jerusalém, minha pátria e minha
mãe – e para ti, que reinas sobre ela, seu pai, sua luz, seu tutor, seu esposo,
suas castas e grandes delícias, sua firme alegria, enfim, todos seus bens
inefáveis, porque és o único, soberano e verdadeiro Bem. Não me apartarei de ti
até que reúnas todas as partes dispersas e deformadas do meu ser na paz dessa mãe
muito amada, onde estão as primícias do meu espírito, e de onde me vêm todas as
certezas, e nela me reformes e confirmes por toda a eternidade, ó meu Deus,
minha misericórdia.
Àqueles que, sem negar
essas verdades, respeitando a tua Escritura Sagrada, obra do piedoso Moisés, e
reconhecendo nela, connosco, a mais alta autoridade a seguir, e contudo nos opõem
salguma objecções, dirijo estas palavras: “Tu, que és nosso Deus, serás árbitro
entre as minhas confissões e suas objecções”.
CAPÍTULO
XVII
Opiniões
diversas sobre o céu e a terra
Eles dizem: “Sem dúvida,
isso é verdade, mas não era isso que Moisés queria exprimir quando, inspirado
pelo Espírito Santo, escreveu: “No princípio criou Deus e céu e a terra” – Pela
palavra céu, não quis significar essa criatura espiritual ou intelectual, que
contempla eternamente a face de Deus; e pela palavra terra, uma matéria
informe.
– Que quis dizer então? –
O que nós afirmamos –
respondem – isso é o que Moisés quis dizer, e o que expressou naquelas palavras.
– E que é que afirmais? – Pelas palavras céu e terra quis significar, em
primeiro lugar, globalmente e de forma concisa, todo o mundo visível, para em
seguida pormenorizar, enumerando os dias, ponto por ponto, esse conjunto que
aprouve ao Espírito Santo designar com uma expressão global. O povo rude e
carnal ao qual falava era constituído de homens tais que julgou conveniente
dar-lhes a conhecer apenas as obras visíveis de Deus”.
Quanto a esta terra
invisível e informe, a este abismo de trevas, com que, durante seis dias, foram
sucessivamente criadas e ordenadas todas as coisas visíveis que são conhecidas
de todos, eles concordam comigo em que se pode entender com isso, sem erro,
essa matéria informe de que falei.
Algum outro dirá, talvez,
que a realidade invisível e visível não foi chamada impropriamente céu e terra,
e portanto, que o universo criado por Deus na sabedoria, isto é, no princípio,
está compreendido sob esses dois termos. Porém as coisas não foram feitas da
substância de Deus, mas do nada, e não se confundem com Deus, e nelas existe o
princípio da mutabilidade, quer permaneçam como morada eterna de Deus, quer
mudando-se como a alma e o corpo do homem.
Por isso a matéria comum a
todas as coisas invisíveis e visíveis, matéria ainda informe, mas susceptível
de forma, e de onde se fariam o céu e a terra – noutras palavras, a criação
invisível e visível – mas uma e outra tendo recebido forma, foi designada por
essas expressões de terra invisível e informe, e de trevas reinando sobre o
abismo. Com a seguinte distinção: por terra invisível e informe deve-se
entender a matéria corpórea antes de ser qualificada pela forma; e por trevas
reinando sobre o abismo, a matéria espiritual antes da restrição da sua,
digamos, imoderada fluidez, e antes de ser iluminada pela sabedoria.
Poderia alguém afirmar, se
quisesse: Esses termos céu e terra não significam realidades perfeitas e
acabadas, lá onde lemos: No princípio Deus criou o céu e a terra – mas um
esboço ainda informe, uma matéria passível de receber forma e servir para a
criação; nela já existiam, como que um embrião, sem distinção de formas e de
qualidades, essas criaturas, uma espiritual, e outra material que, ordenadas
como estão agora, são chamadas céu e terra.
(Revisão de versão
portuguesa por ama)
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