26/04/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Páscoa

Evangelho: Jo 14, 27-31

27 «Deixo-vos a paz, dou-vos a Minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe o vosso coração, nem se assuste. 28 Ouvistes que Eu vos disse: Vou e voltarei a vós. Se vós Me amásseis, certamente vos alegraríeis de Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. 29 Eu vo-lo disse agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis. 30 Já não falarei muito convosco, porque vem o príncipe deste mundo. Ele não pode nada contra Mim, 31 mas é preciso que o mundo conheça que amo o Pai e que faço como Ele Me ordenou. Levantai-vos, vamo-nos daqui.

Comentário:

Jesus Cristo frisa muitas vezes a razão pela qual revela aos discípulos certas coisas que acontecerão no futuro:

«disse-vo-lo agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis».

Ninguém pode dizer tal coisa a não ser o próprio Deus que é o Senhor do passado, do presente e do futuro.

Noutro local já se abordou a questão dos que procuram “adivinhos” ou “pessoas de virtude” numa vã tentativa de saber o que se irá passar num futuro próximo ou longínquo.

Que fique claro:

A Igreja proíbe essas práticas que além de inúteis são um desrespeito grave para com Deus.


(ama, comentário sobre Jo 14, 27-31, 2015.05.05)


Leitura espiritual



SANTO AGOSTINHO – CONFISSÕES

CAPÍTULO XIV

A profundidade das Escrituras

Admirável profundidade das tuas palavras! A sua aparência nos acaricia, como se acariciam as crianças! Sim, admirável profundidade, meu Deus, admirável profundidade! O meditá-las causa um arrepio sagrado, tremor de respeito, estremecimento de amor. Odeio com veemência os seus inimigos. Oh! Se pudesses fazê-los morrer sob o teu gládio de dois gumes, para que não tivessem mais inimigos! Desejaria que eles morressem para si mesmos, e que vivessem só para ti.

Mas há outros que não censuram mas, pelo contrário, exaltam o livro do Génesis, e que dizem: “Não é isto que quis dizer com essas palavras o Espírito de Deus, que as inspirou a teu servo Moisés. Não, o que ele quis dizer não é o que dizes, mas o que nós dizemos” – Eis, ó Deus de todos nós, o que eu lhes respondo: sê nosso árbitro.

CAPÍTULO XV

O que dizem os teus inimigos

Ousareis apontar como falso o que, com voz clara, a Verdade disse ao ouvido da minha alma sobre a verdadeira eternidade do Criador: ou seja, que a sua substância não varia no tempo, e que a sua vontade se confunde com a sua substância? E que por isso ele não quer ora isto, ora aquilo, mas quer o que sempre quis, simultaneamente e para sempre. A sua vontade não se exerce repetidas vezes, não se propõe ora esta, ora aquela finalidade, não quer o que antes não queria, nem deixa de querer o que antes queria, uma vez que tal vontade seria mutável, e o que é mutável não é eterno; ora, o nosso Deus é eterno.

Tereis por falazes as palavras da Verdade faladas ao ouvido da minha alma: que a espera das coisas futuras se torna contemplação, quando presentes, e que depois se transforma em memória, quando passadas? Que todo o pensamento que varia assim é mutável, e que nada do que é mutável é eterno? Ora, o nosso Deus é eterno. E, reunindo e condensando estas verdades, deduzo que o meu Deus, o Deus eterno, não criou o mundo por um novo acto de volição, e que a sua ciência não admite nada que seja transitório.

Que respondeis, então, meus contraditores? Será isso falso? – Não, dizem eles. – Mas então? Será que erro afirmar que toda a criatura que tem forma, que toda a matéria susceptível de a ter recebe o seu ser somente daquele que é Bondade soberana, porque ele é Ente supremo? – Também não o negamos. – Então, que negais? Negais talvez que haja uma criatura sublime, unida por um casto amor ao Deus verdadeiro e eterno, sem lhe ser co-eterna, que dele não se separa nem se desvia para as várias vicissitudes do tempo, mas, pelo contrário, repousa apenas na sua contemplação? Com efeito, ama-te tanto quanto pedes, ó Deus, e mostras-lhe a tua face e a sacias, e ela jamais se afasta de ti, nem ruma a si mesma. Ela é a morada de Deus, não terrena, e nem formada de substância do céu material, habitáculo espiritual que participa da tua eternidade, imaculada por toda a eternidade. Tu a fundaste pelos séculos dos séculos; estabeleceste uma ordem, que não passará jamais. Contudo, essa lei não é co-eterna, porque teve princípio, foi criada.

Não encontramos o tempo antes dessa criação, porque a sabedoria foi a primeira de todas as tuas criações. E é claro que não me refiro à Sabedoria da qual és Pai, ó nosso Deus, e que te é perfeitamente igual e co-eterna, por quem todas as coisas foram criadas, e que é o princípio em que criaste o céu e a terra; refiro-me à sabedoria criada, dessa essência intelectual que, pela contemplação da luz, também é luz; a esta, embora criada, também a chamamos sabedoria. E assim como a luz que ilumina difere da luz reflectida, a sabedoria criada difere da sabedoria incriada; e a justiça justificante difere da justiça nascida da justificação. Nós fomos também chamados pela tua justiça. Porque um dos teus servos disse: “Para que, em Cristo, nos tornemos a justiça de Deus”. – Há portanto, uma sabedoria criada antes de todas as coisas, e ela foi criada como espírito racional e inteligente, que habita a tua cidade santa, nossa mãe, que está no alto, livre e eterna nos céus – e em que céus, senão aos céus dos céus, que te louvam, esse céu que pertence ao Senhor? – Se não encontramos o tempo antes dessa sabedoria, é porque ela precede a criação do tempo, tendo sido criada primeiro, mas antes dela há a eternidade do seu Criador, de quem recebeu a sua origem, e não do tempo, pois este ainda não existia, mas pela sua condição de criatura criada.

Ela procede pois, de ti, nosso Deus, embora seja de essência absolutamente diversa da tua. Não encontramos nenhum tempo, não apenas antes dela, mas nela própria, porque ela é capaz de contemplar sempre a tua face sem jamais se apartar de ti, sendo incólume às mudanças e às variações. Contudo, há nela certa mutabilidade que poderia torná-la tenebrosa e gélida, não fosse o grande amor que a une a ti e que brilha como meridiana luz e calor.

Ó morada luminosa e pura! Amei a tua beleza e o lugar onde mora a glória do meu Senhor, teu criador e possuidor. Por ti eu suspiro durante o meu exílio! Peço àquele que te criou que me possua também em ti, pois também me criou. Errei como ovelha desgarrada, mas espero ser reconduzido a ti nos ombros do meu pastor, teu arquitecto.

Que me respondeis a isto, meus contraditores, vós que, também considerais Moisés um servo piedoso de Deus, e os seus livros como oráculos do Espírito Santo? Não será esta a casa de Deus que, sem lhe ser co-eterna, é contudo, á sua maneira, eterna nos céus? Em vão buscais aí as vicissitudes do tempo, pois não as encontrareis, uma vez que ela transcende toda extensão, toda volubilidade do tempo, e a sua felicidade é estar intimamente unida a Deus para sempre.

– Assim é – dizem eles.

Mas então, qual das verdades que o meu coração proclamou diante de Deus, quando escutava no meu íntimo a voz que canta só glória, podeis apontar como falsa? O que disse sobre matéria informe, na qual não podia haver ordem por carecer de forma? Mas onde não havia ordem não podia haver vicissitude de tempo; mas esse quase nada, enquanto não era o nada absoluto, provinha certamente daquele de onde nasce tudo o que, de algum modo, existe.

– Tampouco negamos isto – dizem eles.

CAPÍTULO XVI

Outros adversários das Escrituras

Quero discutir diante de ti apenas com os que reconhecem como verdadeiras as afirmações que a tua verdade revelou à minha inteligência. Os que o negam, que ladrem quanto quiserem, até ficar roucos. Tentarei persuadi-los a que se acalmem, e deem acesso nos seus corações à tua palavra. Se não o quiserem e me repelirem, peço-te, meu Deus, que não te cales, não te afastes de mim. Fala com verdade no meu coração, porque só tu podes falar assim. E eu os deixarei fora, soprando o pó e levantando terra contra os próprios olhos. Retirar-me-ei em mim mesmo, levantando-te cânticos de amor, soluçando altos gemidos durante o meu exílio, lembrando-me de Jerusalém, voltando para ela o meu coração – Jerusalém, minha pátria e minha mãe – e para ti, que reinas sobre ela, seu pai, sua luz, seu tutor, seu esposo, suas castas e grandes delícias, sua firme alegria, enfim, todos seus bens inefáveis, porque és o único, soberano e verdadeiro Bem. Não me apartarei de ti até que reúnas todas as partes dispersas e deformadas do meu ser na paz dessa mãe muito amada, onde estão as primícias do meu espírito, e de onde me vêm todas as certezas, e nela me reformes e confirmes por toda a eternidade, ó meu Deus, minha misericórdia.

Àqueles que, sem negar essas verdades, respeitando a tua Escritura Sagrada, obra do piedoso Moisés, e reconhecendo nela, connosco, a mais alta autoridade a seguir, e contudo nos opõem salguma objecções, dirijo estas palavras: “Tu, que és nosso Deus, serás árbitro entre as minhas confissões e suas objecções”.

CAPÍTULO XVII

Opiniões diversas sobre o céu e a terra

Eles dizem: “Sem dúvida, isso é verdade, mas não era isso que Moisés queria exprimir quando, inspirado pelo Espírito Santo, escreveu: “No princípio criou Deus e céu e a terra” – Pela palavra céu, não quis significar essa criatura espiritual ou intelectual, que contempla eternamente a face de Deus; e pela palavra terra, uma matéria informe.

 – Que quis dizer então? –

O que nós afirmamos – respondem – isso é o que Moisés quis dizer, e o que expressou naquelas palavras. – E que é que afirmais? – Pelas palavras céu e terra quis significar, em primeiro lugar, globalmente e de forma concisa, todo o mundo visível, para em seguida pormenorizar, enumerando os dias, ponto por ponto, esse conjunto que aprouve ao Espírito Santo designar com uma expressão global. O povo rude e carnal ao qual falava era constituído de homens tais que julgou conveniente dar-lhes a conhecer apenas as obras visíveis de Deus”.

Quanto a esta terra invisível e informe, a este abismo de trevas, com que, durante seis dias, foram sucessivamente criadas e ordenadas todas as coisas visíveis que são conhecidas de todos, eles concordam comigo em que se pode entender com isso, sem erro, essa matéria informe de que falei.

Algum outro dirá, talvez, que a realidade invisível e visível não foi chamada impropriamente céu e terra, e portanto, que o universo criado por Deus na sabedoria, isto é, no princípio, está compreendido sob esses dois termos. Porém as coisas não foram feitas da substância de Deus, mas do nada, e não se confundem com Deus, e nelas existe o princípio da mutabilidade, quer permaneçam como morada eterna de Deus, quer mudando-se como a alma e o corpo do homem.

Por isso a matéria comum a todas as coisas invisíveis e visíveis, matéria ainda informe, mas susceptível de forma, e de onde se fariam o céu e a terra – noutras palavras, a criação invisível e visível – mas uma e outra tendo recebido forma, foi designada por essas expressões de terra invisível e informe, e de trevas reinando sobre o abismo. Com a seguinte distinção: por terra invisível e informe deve-se entender a matéria corpórea antes de ser qualificada pela forma; e por trevas reinando sobre o abismo, a matéria espiritual antes da restrição da sua, digamos, imoderada fluidez, e antes de ser iluminada pela sabedoria.

Poderia alguém afirmar, se quisesse: Esses termos céu e terra não significam realidades perfeitas e acabadas, lá onde lemos: No princípio Deus criou o céu e a terra – mas um esboço ainda informe, uma matéria passível de receber forma e servir para a criação; nela já existiam, como que um embrião, sem distinção de formas e de qualidades, essas criaturas, uma espiritual, e outra material que, ordenadas como estão agora, são chamadas céu e terra.

(Revisão de versão portuguesa por ama)


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