Páscoa
Evangelho:
Jo 10, 22-30
22 Celebrava-se em
Jerusalém a festa da Dedicação. Era Inverno. 23 Jesus andava a passear no
templo, no pórtico de Salomão. 24 Rodearam-n'O os judeus e disseram-Lhe: «Até
quando nos manterás em suspenso? Se és o Messias, di-no-lo claramente». 25
Jesus respondeu-lhes: «Já vo-lo disse, e vós não Me credes. As obras que faço
em nome de Meu Pai, essas dão testemunho de Mim; 26 porém vós não credes,
porque não sois das Minhas ovelhas. 27 As Minhas ovelhas ouvem a Minha voz, e Eu
conheço-as, e elas seguem-Me. 28 Eu dou-lhes a vida eterna; elas jamais hão-de
perecer, e ninguém as arrebatará da Minha mão. 29 Meu Pai, que Mas deu, é maior
que todas as coisas; e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu Pai. 30 Eu e o
Pai somos um».
Comentário:
Ut omnes unum sint!
Seria assim a
sociedade humana como Deus a desejou desde o primeiro momento.
Infelizmente
estamos bem longe dessa unidade.
Diz-se
correntemente: ''cada um é como cada qual'', como se fosse algo bom e natural.
Não é!
Demo-nos conta
deste facto simples e evidente: todos nós nascemos nus, sem nada; apenas nos marca
o sinal de Deus em nós, a Sua imagem que, mais não é que a nossa alma.
E, aqui, sim,
somos iguais, cada um com o mesmo valor perante o Criador que nos ama a todos
por igual desde o princípio.
(ama, comentário
sobre Jo 10, 22-30, 2010.04.07)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
DÉCIMO
CAPÍTULO
III
O
que disse Moisés
Concede-me, Senhor, que eu
ouça e compreenda como no princípio criaste o céu e a terra. Moisés assim o
escreveu. Escreveu e partiu deste mundo, para onde lhe falaste, para junto de
ti, e já não está presente para nós. Se estivesse aqui, detê-lo-ia, e dele
indagaria, no teu nome, o sentido de tais palavras, e absorveria com atenção as
palavras que brotassem da sua boca. Se me falasse em hebraico, em vão sua voz
bateria nos meus ouvidos, e nenhuma ideia chegaria à minha mente; mas se me
falasse em latim, eu compreenderia as suas palavras.
Mas, como saberia eu se
ele dizia a verdade? E, posto que o soubesse, sabê-lo-ia por seu intermédio?
Não, mas seria dentro de mim, no íntimo recesso do pensamento que a Verdade,
que nem é hebraica, nem grega, nem latina, nem bárbara, sem auxílio de lábios
ou de língua, sem ruído de sílabas, me diria: “Ele fala a verdade”. – e eu,
imediatamente, com a certeza da fé, diria àquele teu servo: “Tu dizes a
verdade!”.
Mas, como não posso
consultar a Moisés, é a ti, ó Verdade, cuja plenitude ele possuía quando
enunciou tais palavras, é a ti, meu Deus, que dirijo minha súplica, perdoa os meus
pecados.
Concedeste que um tem
servo dissesse essas coisas: faz agora com que eu as compreenda.
CAPÍTULO
IV
O
céu e a terra
Existem pois o céu e a
terra, e clamam que foram criados, mediante das suas transformações e mudanças.
Mas o que não foi criado na sua forma definitiva, e todavia existe, nada pode
conter que antes já não existisse na sua forma potencial, e nisso consiste a
mudança e a variação. Proclamam também, os seres, que não foram criados por si
mesmos: “Existimos porque fomos criados. Não existíamos antes, de modo que nos pudéssemos
criar a nós mesmos.” – E essa voz é a voz da própria evidência. És tu, Senhor,
quem os criaste. E porque és belo, eles são belos; porque és bom, eles são
bons; porque existes, eles existem. Mas as tuas obras não são belas, não são
boas, não existem de modo perfeito como tu, seu Criador. Comparados contigo, os
seres nem são bons, nem belos, nem existem. Sabemos isso, e por isso te
rendemos graças; mas o nosso saber, comparado com tua ciência, é ignorância.
CAPÍTULO
V
A
palavra e a criação
De que modo criaste o céu
e a terra, e de que instrumento te serviste para levar a cabo tão grandiosa
obra? Pois não procedeste como artesão, que forma um corpo de outro, conforme a
concepção do seu espírito, que tem o poder de exteriorizar a forma que vê em si
mesmo com o olhar do espírito. De onde lhe vem esse poder do espírito, senão de
ti, que o criaste? E essa forma, ele impõe-na a uma matéria que preexistia,
apta para ser transformada, como a terra, a pedra, a madeira, o outro e tantas
outras substâncias.
Mas de onde proviriam
essas coisas se não as tivesses criado? Criaste o corpo do artista, a alma que
governa os seus membros, a matéria que ele plasma, a inspiração que concebe e
vê interiormente o que executará exteriormente. Deste-lhe os órgãos dos
sentidos, intérpretes pelos quais materializa as intenções da sua alma;
informam o espírito do que fizeram, para que este consulte a verdade, o juiz
interior, para saber se a obra é boa. Tudo isso te louva como criador de todas
as coisas.
Mas como os fizeste? Como
criaste, meu Deus, o céu e a terra? Por certo não criaste o céu e a terra no
céu e na terra. Nem tampouco os criaste no ar, nem sob as águas que pertencem ao
céu e à terra. Não criaste o universo no universo, porque não havia espaço onde
pudesse existir. Não tinhas à mão a matéria com que modelar o céu e a terra. E
de onde viria essa matéria que não tinhas ainda feito para dela fazer alguma
coisa? Que criatura pode existir que não exija a tua existência? Contudo,
falaste e o mundo foi feito. A tua palavra o criou.
CAPÍTULO
VI
Como
falou Deus?
Mas, como falaste?
Porventura do mesmo modo como aquela voz que, saindo da nuvem, disse: Este é
meu Filho bem-amado? – Essa voz fez-se ouvir, e passou; teve começo e fim; as
suas sílabas ressoaram, depois passaram, em sucessão ordenada até a última, que
vem depois de todas as outras – e depois foi o silêncio. Donde se vê claramente
que essa voz foi gerada por órgão temporal de uma criatura a serviço da tua
vontade eterna. E essas palavras, pronunciadas no tempo, foram comunicadas pelo
ouvido material à inteligência, cujo ouvido interior está atento à tua palavra
eterna. E a razão comparou essas palavras, proferidas no tempo, com o silêncio
do teu Verbo eterno, e disse: “È diferente, muito diferente. Tais palavras
estão bem abaixo de mim, nem sequer existem, pois fogem e passam; mas o Verbo
de Deus permanece sobre mim eternamente”.
Se foi portanto com estas
palavras sonoras e passageiras que ordenaste: Que se façam o céu e a terra! –
se foi assim que os criaste, conclui-se que já havia, antes do céu e da terra,
uma criatura temporal, cujos movimentos puderam fazer vibrar essa voz no tempo.
Ora, não havia corpo algum antes do céu e da terra; ou se algum existia, tu
certamente já o tinhas criado não por meio de uma voz passageira, justamente
para que pudesse soar essa voz passageira para dizer:
“Façam-se o céu e a
terra!” E fosse o que fosse o ser de onde saísse tal voz, não teria existido se
não o tivesses criado. Mas para criar esse corpo, necessário à emissão destas
palavras, de que palavra te serviste?
CAPÍTULO
VII
A
palavra coeterna
É assim que nos convidas a
compreender o Verbo, que é Deus junto de ti, que também és Deus, Verbo
pronunciado eternamente e pelo qual tudo é pronunciado eternamente. O que é
dito, não é uma sequência de palavras, ou uma palavra que é seguida por outra,
como que a concluir uma frase; mas tudo é dito simultânea e eternamente. De
contrário, já haveria tempo e mudança, e não a verdadeira eternidade nem a
verdadeira imortalidade.
Isto eu sei-o, meu Deus, e
por isso te dou graças. Eu o sei, e eu to confesso, Senhor; e também o sabe
todo aquele que não é ingrato à infalível verdade. Sabemos, Senhor, sabemos que
não ser mais depois de ter existido, ou passar a ser quando ainda não se
existia é o morrer e o nascer. Mas no teu Verbo, por ser verdadeiramente
imortal e eterno, nada desaparece nem tem sucessão. Com o teu Verbo que é
coeterno, enuncias eternamente e a um só tempo tudo o que dizes. E o que se
realiza é o que dizes que se faça. Não é de outro modo, senão pelo Verbo, que crias.
Todavia os seres criados pela tua palavra não chegam à existência
simultaneamente, desde toda a eternidade.
CAPÍTULO
VIII
A
verdadeira luz
Imploro-te, Senhor meu
Deus, qual o porquê disso tudo? De certo modo eu compreendo-o, mas não sei como
exprimi-lo. Poderei dizer que tudo o que tem começo e fim, começa e acaba quando
a razão eterna, que não tem começo nem fim, sabe que deve começar ou acabar?
Essa inteligência é o teu Verbo, que é o princípio, porque também nos fala.
Assim nos falou no Evangelho com voz humana, e a palavra ecoou exteriormente
nos ouvidos dos homens, para que cressem nele, e o buscassem no seu íntimo, e o
encontrassem na eterna Verdade, onde um bom e único mestre instrui todos os
seus discípulos.
Aí, Senhor, ouço tua voz a
dizer-me que só nos fala verdadeiramente quem nos ensina, e quem não nos
instrui, mesmo que fale, não nos diz nada. Mas quem nos ensina, senão a Verdade
imutável? As lições da criatura mutável têm o único valor de nos conduzir à
Verdade, que é imutável. Nela, verdadeiramente aprendemos quando, de pé, a
ouvimos, alegrando-nos por cauda da voz do Esposo, que nos reconduz àquele de
quem viemos. Por isso, ele é o princípio, pois se ele não permanecesse, não
teríamos para onde voltar dos nossos erros. Quando voltamos de um erro, temos
plena consciência dessa volta; e é para que tomemos consciência dos nossos
erros que ele nos instrui, porque ele é o princípio, e a sua palavra é para
nós.
CAPÍTULO
IX
A
voz do Verbo
É nesse princípio, ó Deus,
que criaste o céu e a terra; no teu Verbo, no teu Filho, na tua virtude, na tua
sabedoria, na tua verdade, falando e agindo de modo admirável. Quem o poderá compreender
ou explicar? Que luz é essa que por vezes me ilumina, e que fere o meu coração
sem o lesar? Atemorizo-me e inflamo-me: tremo porque, de certo modo, sou tão
diferente dela; e inflamo-me, porque também sou semelhante a ela. A Sabedoria é
a mesma sabedoria que brilha em mim de vez em quando: rasga as nuvens da minha
alma, que novamente me encobrem quando dela me afasto, pelas trevas e pelo peso
das minhas memórias. Na indigência, o meu vigor enfraqueceu de tal modo, que
nem posso mais suportar o meu bem, até que tu, Senhor que te mostraste
compassivo com todas as minhas iniquidades, cures também todas as minhas fraquezas.
Redimirás a minha vida da corrupção; hás de me coroar na piedade e na
misericórdia, e saciarás com os teus bens os meus desejos, porque a minha
juventude será renovada com a da águia.
Pela esperança formos
salvos, e aguardamos com paciência o cumprimento das tuas promessas.
Ouça, pois, a Tua voz no
seu interior, quem puder, e eu quero clamar, cheio de fé no teu oráculo: “Como
são magníficas as tuas obras, Senhor, que tudo criaste na tua Sabedoria! Ela é
o princípio e nesse princípio criaste o céu e a terra”.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)
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