Art.
3 — Se foram escolhidas testemunhas convenientes da transfiguração.
O terceiro discute-se assim. — Parece
que não foram escolhidas testemunhas convenientes da transfiguração.
1. — Pois, cada um só pode testemunhar
o que conhece. Ora, no tempo da transfiguração de Cristo, ninguém, a não ser os
anjos, conhecia por experiência o que fosse a glória futura. Logo, testemunhas
da transfiguração deviam ter sido antes os anjos que os homens.
2. Demais. — Testemunhas da verdade só
podem ser pessoas reais e não fictícias. Ora, na transfiguração Moisés e Elias
não estiveram presentes senão ficticiamente. Assim, do Evangelho — Eis que ali estavam Moisés e Elias — diz
uma Glosa: Devemos saber que Moisés e
Elias não apareceram, nessa ocasião, em corpo e alma, mas com corpos formados
numa criatura ocasional. E podemos crer também que isso foi feito por
ministério angélico, de modo que os anjos lhes assumissem as pessoas. Logo,
não foram testemunhas convenientes.
3. Demais. — A Escritura diz, que
todos os profetas dão testemunho de Cristo. Logo, não somente Moisés e Elias
deviam ter estado presentes como testemunhas, mas também todos os profetas.
4. Demais. — A glória de Cristo era
prometida a todos os seus fiéis, nos quais quis acender, pela sua
transfiguração, o desejo dessa glória. Logo, não devia ter assumido só Pedro,
Tiago e João como testemunhas da sua transfiguração, mas todos os discípulos.
Mas, em contrário, a autoridade da
Escritura Evangélica.
SOLUÇÃO. — Cristo quis
transfigurar-se, para mostrar a sua glória aos homens e para despertar-lhes o
desejo dela, como dissemos. Ora, os homens são levados por Cristo à glória da
eterna beatitude, não só os que existiram antes, como também depois dele. Por
isso, quando caminhava para a sua paixão, tanto as gentes que iam adiante, como
as que iam atrás, gritavam dizendo — Hossana, como esperando dele a salvação.
Por isso era conveniente que, dentre os que o precederam, estivessem como
testemunhas Moisés e Elias; e dos que existiram depois, Pedro, Tiago e João,
para que por boca de duas ou três testemunhas ficasse confirmada essa palavra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Isto, pela sua transfiguração, manifestou aos discípulos a glória do seu
corpo, que só aos homens respeita. Por isso e convenientemente, foram trazidos
como testemunhas dela, não anjos, mas homens.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa glosa
considera-se como extraída do livro intitulado - Dos milagres da Sagrada
Escritura, que não é um livro autêntico, mas falsamente atribuído o Agostinho.
Por isso não devemos apoiar-nos nela. Pois, Jerónimo diz expressamente: Devemos notar que aos escribas e aos
fariseus, que lhe pediam um sinal do céu, Cristo não lhes quis dar; mas, na sua
transfiguração, para aumentar a fé dos discípulos, dá-lhes um sinal do céu, a
saber, o descida de Elias, do lugar para onde ascendera; e a ressurreição de
Moisés, dos mortos. Mas não o devemos
entender como significando que a alma de Moisés retomasse o seu corpo; mas que
a sua alma se manifestou, como o fazem os anjos, por um corpo assumido. Mas
Elias apareceu com o seu próprio corpo, não vindo do céu empíreo, mas de um
lugar elevado, para o qual foi arrebatado num carro de fogo.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Crisóstomo, Moisés e Elias foram trazidos
como testemunhas, por muitas razões. — A
primeira é a seguinte: Porque como as turbas consideravam-no como Elias ou
Jeremias, ou um dos profetas, fez aparecerem os principais dos profetas, para
ao menos assim manifestar a diferença entre os servos e o Senhor. — A segunda
razão é, porque Moisés deu a lei e Elias foi o zelador da glória do Senhor.
Assim, aparecendo simultaneamente com Cristo, ficava aniquilada a calúnia dos
judeus, que acusavam a Cristo de transgressor da lei, e de blasfemo por usurpar
para si a glória de Deus. — A terceira razão é: mostrar que tinha poder sobre a
vida e a morte, que era o juiz dos mortos e dos vivos, por ter tido ao seu lado
Moisés, que já morrera, e Elias, ainda vivo. — A quarta razão é que: como diz o
Evangelho falavam da sua saída deste mundo que havia de cumprir em Jerusalém,
isto é, da sua paixão e da sua morte. E assim, para fortalecer, nesse ponto, a
alma dos discípulos, fá-los apresentarem-se em sua companhia os que se
expuseram à morte por Deus; pois, Moisés, com perigo de morte, apresentou-se
perante o Faraó e Elias, perante Acab. — A quinta razão é porque queria que os
seus discípulos fossem imitadores da mansidão de Moisés e do zelo de Elias. — A
sexta razão, acrescentada por Hilário, era
mostrar que foi anunciado pela lei de Moisés e pelos profetas, entre os quais
era Elias o principal.
RESPOSTA À QUARTA. — Os mistérios
sublimes não devem ser revelados a todos imediatamente mas devem oportunamente
chegar aos outros homens por meio dos chefes. Por isso, como diz Crisóstomo, Cristo
levou consigo os três discípulos mais principais: Pois, Pedro foi executado
pelo amor, que teve para com Cristo e também pelo poder que lhe foi cometido;
João, pelo privilégio do amor com que, por causa da sua virgindade, era amado
de Cristo, e também pela prerrogativa de ter pregado a doutrina Evangélica: e
Tiago enfim, pela prerrogativa do martírio. E contudo Cristo não quis que
esses mesmos anunciassem, o que viram antes da sua ressurreição. A fim de como
explica Jerónimo o facto de tão grande
magnitude não ser tido como incrível; nem viesse, depois de tão grande glória,
a causar escândalo, entre almas rudes, a cruz, que lhe havia de suceder; ou
também a fim de o povo não se lhe opor invencivelmente; e para que, quando
estivessem cheios do Espírito Santo, então fossem testemunhas desses factos
espirituais.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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