Tempo Comum
Semana II
Evangelho:
Mc 3, 7-12
7 Jesus retirou-Se
com Seus discípulos para o mar, e segiu-O uma grande multidão do povo da
Galileia; também da Judeia, 8 de Jerusalém, da Idumeia, da
Transjordânia e das vizinhanças de Tiro e de Sidónia, tendo ouvido as coisas
que fazia, foram em grande multidão ter com Ele. 9 Mandou aos Seus
discípulos que Lhe aprontassem uma barca para que a multidão não O apertasse. 10
Porque, como curava muitos, todos os que padeciam algum mal lançavam-se sobre
Ele para O tocarem. 11 E os espíritos imundos, quando O viam, prostravam-se
diante d'Ele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus». 12 Mas Ele
ordenava-lhes com severidade que não O manifestassem.
Comentário:
Jesus aparece-nos sempre rodeado de multidões.
As únicas vezes que O vemos sozinho são quando Se
retira para orar.
Qual é o fascínio que a Sua figura exerce sobre as
pessoas que as levam a segui-lo, a perguntarem-lhe, a querem tocar ao menos a orla
dos Seus vestidos?
Intimamente sabem que, Ele, é o Caminho que vale a pena
andar, a Verdade que interessa conhecer e a Vida que convém viver.
(ama, comentário sobre Mc 3, 7-12, 2010.12008)
Leitura espiritual
Vida Cristã
O verdadeiro amor de si
mesmo
Vós
sabeis que não é por bens perecíveis, como a prata e o ouro (…) que tendes sido
resgatados (…) mas pelo precioso sangue de Cristo [i].
S. Pedro recorda aos primeiros cristãos que a sua existência tem um valor
imenso, porque foram objeto do grande amor do Senhor, que os redimiu. Cristo,
com o dom da filiação divina, enche de segurança os nossos passos pelo mundo.
Assim
o manifestava espontaneamente um rapaz a S. Josemaria: 'Padre' - dizia-me
aquele rapaz (que será feito dele?), bom estudante da Universidade − , pensava
no que me disse... que sou filho de Deus! E surpreendi-me, pela rua, de corpo
'emproado' e soberbo por dentro...filho de Deus! Aconselhei-o, com segura
consciência, a fomentar a "soberba" [ii].
Conhecer a grandeza da
nossa condição
Como
entender esse fomentar a "soberba"?
Certamente,
não se trata de imaginar virtudes que se não têm, nem de viver com um sentido
de autossuficiência que cedo ou tarde atraiçoa. Consiste antes em conhecer a
grandeza da nossa condição: «o ser humano é a única criatura sobre a terra a
ser querida por Deus por si mesma» [iii];
criado à Sua imagem e semelhança, é chamado a levar à plenitude esta imagem ao
identificar-se cada vez mais com Cristo pela ação da graça.
Esta
vocação sublime fundamenta o verdadeiro amor de si mesmo que está presente na
fé cristã.
À
luz desta fé, podemos julgar os nossos êxitos e fracassos.
A
aceitação serena da própria identidade condiciona a nossa maneira de estar no
mundo e de agir sobre ele.
Contribui,
além disso, para a confiança pessoal que reduz os medos, precipitações e
inibições, facilita a abertura aos outros e às novas situações, e fomenta o
optimismo e a alegria.
A
ideia positiva ou negativa que temos de nós mesmos depende do auto-conhecimento
e do cumprimento das metas que cada um se propõe. Estas partem, em boa medida,
dos modelos de homem ou mulher que desejamos alcançar e que se nos apresentam
de modos muito diversos, por exemplo, através da educação recebida no lar, dos
comentários de amigos ou conhecidos e das ideias predominantes numa determinada
sociedade.
Por
isso, é importante definir quais são os nossos pontos de referência, já que se
são, altos e nobres, contribuirão para uma adequada auto-estima.
E
convém identificar quais são os modelos que circulam na nossa cultura porque,
mais ou menos conscientemente, influem na forma como nos valorizamos.
Interrogar-se sobre os
modelos
Sucede,
por vezes, que fazemos uma apreciação distorcida sobre nós ao ter admitido uns
critérios de sucesso que, na verdade, podem ser pouco realistas e até nocivos:
a eficácia profissional a todo o custo, relações afetivas egocêntricos, estilos
de vida marcados pelo hedonismo.
Podemos
super-valorizar-nos depois de alguns êxitos, que nos parecem reconhecidos pelos
demais; também nos pode ocorrer o contrário: desvalorizar-nos, por não haver
atingido determinados objectivos ou por não nos sentirmos considerados em
certos ambientes.
Estas
avaliações erradas são, em grande parte, o resultado de olhar demasiado para
quem qualifica a trajectória pessoal exclusivamente em função do que se
consegue, tem ou possui.
Para
evitar os riscos anteriores, vale a pena perguntar-se sobre quais são os nossos
pontos de referência na vida profissional, familiar, social e se estes são
compatíveis com uma perspetiva cristã da existência.
Sabemos,
além disso, que, em última análise o modelo mais perfeito, completo e
inteiramente coerente é Jesus Cristo.
Ver
a nossa vida à luz da Sua é o melhor modo de nos valorizarmos, pois sabemos que
Jesus é um exemplo próximo, com Quem temos uma relação pessoal − de um eu com
um Tu − através do amor.
Autoconhecimento: com a
luz de Deus
Para
avaliar-se verdadeiramente, é fundamental conhecer-se.
Esta
tarefa é complexa e requer uma aprendizagem que, em certo sentido, nunca
termina.
Começa
por superar uma perspectiva exclusivamente subjectiva − "a meu ver",
"na minha opinião", "parece-me" ... − para ter em conta outros
pontos de vista.
Se
nem sequer sabemos com exactidão como é a nossa voz e aparência física, e temos
que recorrer a ferramentas, como um gravador ou um espelho, quanto mais será
indispensável admitir que não somos os melhores juízes para avaliar a nossa
própria personalidade!
Além
da reflexão pessoal, conhecer-se a si mesmo é fruto do que nos ensinam os
outros sobre nós.
Isto
consegue-se quando sabemos abrir-nos a quem nos pode ajudar − temos um grande
recurso na direção espiritual pessoal − aceitando as suas opiniões e
considerando-as em relação a um bom ideal de vida.
Neste
âmbito também influem a interação com quem nos rodeia, as modas e os costumes
da sociedade.
Um
ambiente que promove a reflexão, favorece o desenvolvimento dos recursos de
introspeção; enquanto um ambiente com um estilo de vida superficial, limita
esse desenvolvimento.
Convém,
pois, fomentar hábitos de reflexão e perguntar-nos como Deus nos vê.
A
oração é o momento oportuno, porque ao mesmo tempo que conhecemos o Senhor, nos
conhecemos com a Sua luz.
Entre
outras coisas, procuraremos compreender os comentários e conselhos que podemos
receber dos outros.
Nalgum
caso, saberemos distanciar-nos dos juízos de outras pessoas, quando notamos que
os fazem com fundamentos pouco objectivos, ou talvez de um modo pouco reflexivo,
especialmente se julgam segundo critérios que não são compatíveis com a vontade
de Deus.
É
preciso saber escolher a quem prestar mais atenção, porque, como diz a
Escritura: É melhor ouvir a reprimenda de um sábio que o louvor de um louco [iv].
Por
outro lado, como todos somos em parte responsáveis pela autoestima daqueles que
nos rodeiam, havemos de esmerar-nos para que nas nossas palavras se reflicta a
consideração por cada um, que é filho de Deus.
Especialmente
se temos uma posição de autoridade ou de orientação (na relação pai-filho,
professor-aluno, etc.) os conselhos e indicações contribuirão a reafirmar nos
outros a convicção do próprio valor, mesmo quando se vê que é necessário
corrigir.
Este
é o ponto de partida, o oxigénio para que a pessoa cresça respirando por si
mesma, com esperança.
Aceitação pessoal: assim
nos quer o Senhor
Ao
considerar o próprio modo de ser à luz de Deus, estamos em condições de nos
aceitarmos tal como somos: com talentos e virtudes, mas também com defeitos que
admitimos humildemente.
A
verdadeira auto-estima implica reconhecer que nem todos somos iguais e aceitar
que outras pessoas podem ser mais inteligente, tocar melhor um instrumento
musical, ser mais desportistas...
Todos
temos boas qualidades que podemos desenvolver e, mais importante, todos somos
filhos de Deus.
Nisto
reside a verdadeira auto-aceitação, o sentido positivo do amor-próprio cristão
que quer servir a Deus e aos demais, rejeitando as comparações excessivas que
poderiam levar à tristeza.
Em
última análise, aceitar-nos-emos como somos, se não perdemos de vista que Deus
nos ama com as nossas limitações, que fazem parte do nosso caminho de
santificação e são matéria da nossa luta.
O
Senhor escolhe-nos, como aos primeiros Doze: homens correntes, com defeitos,
com debilidades, com palavras maiores do que as suas obras.
E,
contudo, Jesus chama-os para fazer deles pescadores de homens [v],
corredentores, administradores da graça de Deus. [vi]
Perante o êxito e os
fracassos
A
partir desta abordagem sobrenatural, contemplam-se mais profundamente a nossa
forma de ser e a trajectória biográfica, compreendendo o seu sentido pleno.
Relativizam-se,
com uma visão de eternidade, os sucessos e as realizações temporais. Então, se
nos alegramos com o sucesso na nossa actividade, sabemos também que o mais
importante é que esta tenha servido para crescer em santidade.
É
o realismo cristão, a maturidade humana e sobrenatural, que do mesmo modo que
não se deixa levar pela exaltação que pode provocar o triunfo ou o louvor,
também não se deixa arrastar pelo pessimismo perante a derrota.
Ajuda
muito dizer, como São Pedro, que o bem, fizemo-lo em nome de Jesus Cristo
Nazareno! [vii]
Ao
mesmo tempo, admitir que as dificuldades externas e as próprias imperfeições
limitam as nossas realizações é um dos aspectos que dá forma à autoestima,
fundamenta a maturidade pessoal e abre as portas da aprendizagem.
Só
podemos aprender a partir do reconhecimento das nossas faltas e com a atitude
de retirar experiências positivas do que aconteceu: Fracassaste! - Nós não
fracassamos nunca. - Puseste por completo a tua confiança em Deus. Não
omitiste, depois, nenhum meio humano. Convence-te desta verdade: o êxito -
agora e nisto - era fracassar. - Dá graças ao Senhor e... torna a começar![viii]
Está-se
em condições de empreender o caminho da Cruz, que mostra o paradoxo da
fortaleza, da debilidade, a grandeza da miséria e o crescimento na humilhação,
e ensina a sua extraordinária eficácia.
Trabalhar com segurança e
saber rectificar
A
segurança pessoal é mais forte quando se apoia no saber-se filhos amados de
Deus, e não na certeza de obter o sucesso, que muitas vezes nos foge.
Esta
convicção permite tolerar o risco que acompanha qualquer decisão, superar a
paralisia da insegurança e manter uma atitude razoável de abertura à novidade.
Não
é prudente quem nunca se engana, mas quem sabe rectificar os seus erros.
É
prudente, porque prefere não acertar vinte vezes a deixar-se ficar num cómodo
abstencionismo.
Não
age com precipitação desenfreada ou com absurda temeridade, mas assume o risco
das suas decisões e não renuncia a conseguir o bem com medo de não acertar [ix].
Partindo
das limitações pessoais e da capacidade de aprender do ser humano, rectificar
pressupõe uma melhoria, um enriquecimento pessoal que, por sua vez, reverte no
que o rodeia e em quem o rodeia, contribuindo simultaneamente para incrementar
a confiança em si mesmo e no meio ambiente.
Quem
se põe nas mãos do Pai celeste está seguro, porque todas as coisas concorrem
para o bem daqueles que amam a Deus [x],
até as quedas, quando pedimos perdão ao Senhor e, com a sua graça, nos
levantamos havendo crescido em humildade.
Deste
modo, saber rectificar faz parte do processo de conversão:
Se
dizemos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está
em nós. Se reconhecemos os nossos pecados, (Deus aí está) fiel e justo para nos
perdoar os pecados e para nos purificar de toda a iniquidade. [xi]
Uma virtude indispensável
A
autoestima cresce, em síntese, com a ajuda da humildade, porque esta é a
virtude que nos ajuda a conhecer simultaneamente a nossa miséria e a nossa
grandeza [xii].
Se
falta esta atitude da alma, não é raro que cheguem problemas de estima pessoal.
Mas
quando se cultiva, a pessoa enche-se de realismo, e avalia-se correctamente:
não somos homens nem mulheres impecáveis, mas também não somos seres
corrompidos!
Somos
filhos de Deus, e sobre as nossas limitações alicerça-se uma dignidade
surpreendente.
A
humildade gera o ambiente interno que permite conhecer-nos como somos e nos
impulsiona a procurar sinceramente o apoio dos outros, ao mesmo tempo que lhe
damos o nosso.
Em
última análise, todos e cada um necessitamos de Deus, porque é nele que temos a
vida, o movimento e o ser [xiii],
que é Pai misericordioso e vela continuamente por nós.
Quanta
segurança e confiança houve na vida de Santa Maria!
Poder
dizer-se que realizou em mim maravilhas
Aquele que é Poderoso e cujo nome é Santo [xiv]
é porque se vive muito consciente da humildade da sua serva [xv].
Nela,
humildade e consciência da grandeza da própria vocação, combinam-se
maravilhosamente.
j. cavanyes
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[i] 1
Pe 1, 18-19.
[ii] S.
Josemaria, Caminho, n. 274.
[iii] Concílio
Vaticano II, Const. past. Gaudium et spes,
n. 24.
[iv] Ecl
7, 5.
[v] cfr. Mt 4, 19
[vi] S.
Josemaria, Cristo que passa, n. 2.
[vii] Act
3, 6.
[viii] S.
Josemaria, Caminho, n. 404.
[ix] S.
Josemaria, Amigos de Deus, n. 88.
[x] Rm
8, 28.
[xi] 1
Jo 1, 8-9.
[xii] S.
Josemaria, Amigos de Deus, n. 94.
[xiii] Act
17, 28.
[xiv] Lc
1, 49.
[xv] Lc
1, 48.
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