Tempo Comum III Semana
Evangelho: Mc 4 26-34
26 Dizia também:
«O reino de Deus é como um homem que lança a semente à terra. 27
Dorme e se levanta, noite e dia, e a semente germina e cresce sem ele saber
como. 28 Porque a terra por si mesma produz, primeiramente a haste,
depois a espiga, e por último a espiga cheia de grãos. 29 E, quando
o fruto está maduro, mete logo a foice, porque chegou o tempo da ceifa». 30
Dizia mais: «A que coisa compararemos nós o reino de Deus? Com que parábola o
representaremos? 31 É como um grão de mostarda que, quando se semeia
no campo, é a menor de todas as sementes que há na terra; 32 mas,
depois que é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e cria
ramos tão grandes que “as aves do céu podem vir abrigar-se à sua sombra”». 33
Assim lhes propunha a palavra com muitas parábolas como estas, conforme eram
capazes de compreender. 34 Não lhes falava sem parábolas; porém, em
particular explicava tudo aos Seus discípulos.
Comentário:
O Reino de Deus existe quer o homem queira ou não,
deseje ou não fazer parte dele.
O Senhor explica abundantemente e com paciência
amorosa o que é esse Reino e as vantagens – reais – de participar no seu
anúncio a todos os homens sem distinção ou acepção.
Os trabalhadores do Reino, que devemos ser todos os
cristãos, têm uma garantia de “sucesso” que é dada pelo próprio Rei: mesmo que
a sua acção seja como um grão de mostarda, aparentemente insignificante, o
resultado ultrapassa em tudo o que possamos imaginar.
Grandes e pequenas sementeiras, todas darão fruto
porque é O Senhor Quem os faz surgir para os santificar e distribuir por todos.
(ama, comentário sobre Mc 4, 26-34, 2014.01.31)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Temas actuais do
cristianismo [i]
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Monsenhor,
gostaríamos que nos dissesse quais são, no seu entender, os fins essenciais da
Universidade e como deve situar-se o ensino da religião dentro dos estudos
universitários.
A
Universidade - como sabeis, porque o viveis ou o desejais viver - deve prestar
uma contribuição de primeira importância para o progresso humano. Como os
problemas que se apresentam na vida dos povos são múltiplos e complexos -
espirituais, culturais, sociais, económicos, etc. - a formação que a
Universidade deve proporcionar há-de abranger todos esses aspectos.
O
desejo de TRABALHAR pelo bem comum não basta; o caminho para que este desejo se
torne realidade é preparar homens e mulheres capazes de adquirirem uma boa
preparação e capazes de darem aos outros o fruto dessa plenitude que
adquiriram.
A
religião é a maior rebelião do homem que não quer viver como um animal, que não
se conforma, que não sossega, se não conhece e priva com o Criador; o estudo da
religião é portanto uma necessidade fundamental. Um homem que careça de
formação religiosa não está completamente formado. Por isso a religião deve
estar presente na Universidade e deve ensinar-se a nível superior, científico,
de boa teologia. Uma Universidade da qual a religião esteja ausente é uma
Universidade incompleta, porque ignora uma dimensão fundamental da pessoa
humana, que não exclui - antes exige - as outras dimensões.
Por
outro lado, ninguém pode violar a liberdade das consciências: o ensino da
religião deve ser livre, ainda que o cristão saiba que, se quer ser coerente
com a sua fé, tem obrigação grave de se formar bem nesse terreno, de possuir,
portanto, uma cultura religiosa, isto é, de adquirir doutrina, para poder viver
dela e para poder dar testemunho de Cristo com o exemplo e com a palavra.
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No
período da história que vivemos há uma preocupação singular pela democratização
do ensino, pela sua acessibilidade a todas as classes sociais e não se pode
conceber a instituição universitária sem uma projecção ou função social. Em que
sentido entende esta democratização e de que modo pode a Universidade cumprir a
sua função social?
É
necessário que a Universidade incuta nos estudantes uma mentalidade de serviço:
serviço à sociedade, promovendo o bem comum através do TRABALHO profissional e
da actuação pública. Os universitários devem ser responsáveis, sentir uma sã
inquietação pelos problemas dos outros e um espírito generoso que os leve a
enfrentar estes problemas e a procurar encontrar-lhes a melhor solução. É missão
da Universidade dar tudo isto aos estudantes.
Todos
aqueles que reunirem condições devem ter acesso aos estudos superiores, sejam
quais forem a sua origem social, os seus meios económicos, a sua raça ou
religião. Enquanto existirem barreiras desta natureza, a democratização do
ensino será apenas uma frase oca.
Em
resumo: a Universidade deve estar aberta a todos e, por outro lado, deve formar
os estudantes para que o seu futuro trabalho profissional venha a estar ao
serviço de todos.
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Muitos
estudantes desejam adoptar uma atitude activa ante o panorama que observam em
todo o mundo e sentem-se solidários de tantas pessoas que sofrem física e
moralmente ou que vivem na indigência. Que ideias sociais proporia o senhor a
esta juventude intelectual de hoje?
O
ideal é, sobretudo, a realidade de um trabalho bem feito, a adequada preparação
científica durante os anos da Universidade. A partir desta base, há milhares de
lugares no mundo que precisam de braços, que esperam por um trabalho pessoal,
duro e sacrificado. A Universidade não deve formar homens que consumam
egoisticamente as vantagens alcançadas com os seus estudos; deve prepará-los
para uma tarefa de generosa ajuda ao próximo, de fraternidade cristã.
Muitas
vezes esta solidariedade esgota-se em manifestações orais ou escritas, quando
não em algazarras estéreis ou prejudiciais. A solidariedade, meço-a eu por
obras de serviço: conheço milhares de casos de estudantes, de muitos países,
que renunciaram ao seu pequeno mundo privado, dando-se aos outros mediante um
trabalho profissional que procuram fazer com perfeição humana, em obras de
ensino, de assistência, sociais, etc., com espírito sempre jovem e cheio de
alegria.
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Perante
a actualidade sócio-política do nosso e dos restantes países, perante a guerra,
a injustiça ou a opressão, que responsabilidade atribui à Universidade como
corporação, aos professores e aos alunos? Pode a Universidade, seja como for,
admitir dentro do seu âmbito o desenvolvimento de actividades políticas por
parte de estudantes e professores?
Antes
de mais nada quero dizer que nesta conversa estou exprimindo uma opinião, a
minha, a de uma pessoa que desde os dezasseis anos - agora tenho sessenta e
cinco - não perdeu o contacto com a Universidade. Exponho o meu modo pessoal de
ver esta questão, não o modo de ver do Opus Dei, que em todas as coisas
temporais e discutíveis não quer nem pode ter opção nenhuma - cada sócio da
Obra tem e exprime livremente o seu próprio parecer pessoal, pelo qual é também
pessoalmente responsável - já que o fim do Opus Dei é exclusivamente
espiritual.
Voltando
à sua pergunta, parece-me que seria preciso, em primeiro lugar, chegar a um
acordo sobre o que significa política. Se por política se entende interessar-se
e trabalhar em favor da paz, da justiça social, da liberdade de todos - então,
todos na Universidade, e a Universidade como corporação, têm obrigação de
sentir esses ideais e de fomentar a preocupação de resolver os grandes
problemas da vida humana.
Se,
em vez disso, se entende por política a solução concreta de um determinado
problema, a par de outras soluções possíveis e legítimas, em confronto com os
que sustentam o contrário, penso que não é a Universidade a instância que tem
de pronunciar-se a esse respeito.
A
Universidade é o lugar onde as pessoas se preparam para dar soluções a esses
problemas; é a casa comum, lugar de estudo e de amizade; lugar onde devem
conviver em paz pessoas de diversas tendências que, em cada momento, sejam
expressão do legítimo pluralismo que existe na sociedade.
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Se
o condicionalismo político de determinado país chegasse a tal situação que um
universitário - professor ou aluno - considerasse preferível, em consciência,
politizar a Universidade, por carecer de meios lícitos para evitar o mal geral
da nação, poderia, no uso da sua liberdade, fazê-lo?
Se
num país não existisse a mínima liberdade política talvez se produzisse uma
desnaturalização tal da Universidade, que, deixando de ser a casa comum, se
viesse a converter em campo de batalha de facções opostas.
Penso,
não obstante, que seria preferível dedicar esses anos a uma preparação séria, a
formar uma mentalidade social, para que aqueles que mais tarde houvessem de
mandar - os que agora estudam - não caíssem nessa aversão à liberdade pessoal
que é verdadeiramente patológica. Se a Universidade se converte no lugar onde
se debatem e se decidem problemas políticos concretos, é fácil que se perca a
serenidade académica e que os estudantes se formem num espírito de
partidarismo; e assim, a Universidade e o país arrastarão sempre esse mal
crónico que é o totalitarismo, seja qual for o seu sinal.
Quero,
no entanto, esclarecer, ao afirmar que a Universidade não é lugar para a
política, que não excluo, antes desejo, um estatuto político normal para todos
os cidadãos. E se bem que a minha opinião sobre este ponto seja muito concreta,
não quero acrescentar mais nada, porque a minha missão não é política, mas
sacerdotal. Tenho direito a dizer o que disse, porque me considero
universitário e tudo aquilo que se refere à Universidade me apaixona. Não faço,
nem quero, nem posso fazer política. Mas a minha mentalidade de jurista e de
teólogo - e a minha fé cristã também - levam-me a estar sempre ao lado da
legítima liberdade de todos os homens.
Ninguém
pode pretender, em questões temporais, impor dogmas que não existem. Ante um
problema concreto, qualquer que ele seja, a solução deve ser estudá-lo bem e,
depois, actuar em consciência, com liberdade e com responsabilidade também
pessoal.
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Quais
são, em sua opinião, as funções que competem às associações ou sindicatos de
estudantes? Como devem ser as suas relações com as autoridades académicas?
Pede-se-me
um juízo sobre uma questão muito ampla. Não vou, por isso, descer a pormenores;
só algumas ideias gerais. Penso que as associações de estudantes devem intervir
nas tarefas universitárias específicas. Há-de haver representantes - eleitos
livremente pelos seus colegas - que entrem em relação com as autoridades académicas,
conscientes de que têm de trabalhar em uníssono, numa actividade comum. É outra
boa oportunidade de prestar um verdadeiro serviço.
É
necessário um estudo que estabeleça as regras a seguir para que esta actividade
se realize com eficácia, com justiça e de forma racional. Os assuntos devem ser
bem trabalhados, bem pensados; se as soluções que se propõem forem bem
estudadas, nascidas do desejo de construir e não do afã de criar conflitos,
adquirem uma autoridade interna que faz com que se imponham por si sós.
Para
tudo isto é preciso que os representantes das associações tenham uma formação
séria: que amem a liberdade dos outros em primeiro lugar e a sua própria
liberdade, com a consequente responsabilidade; que não desejem o brilho pessoal
nem se atribuam faculdades que não têm, mas busquem o bem da Universidade, que
é o bem dos seus companheiros de estudo. E que os eleitores escolham os seus
representantes por essas qualidades e não por razões alheias à eficácia da sua
Alma Mater: só assim a Universidade será o lugar de paz, remanso de serena e
nobre inquietação, que facilita o estudo e a formação de todos.
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Em
que sentido entende o senhor a liberdade de ensino e em que condições a
considera necessária? Neste sentido, que atribuições se devem reservar ao
Estado em matéria de ensino superior? Considera que a autonomia é um princípio
básico para a organização da Universidade? Poder-nos-ia indicar as linhas
mestras nas quais se deve fundar o sistema de autonomia?
A
liberdade de ensino é apenas um aspecto da liberdade em geral. Considero a
liberdade pessoal necessária para todos e em tudo o que é moralmente lícito.
Liberdade de ensino, portanto, em todos os níveis e para todas as pessoas! Quer
isto dizer que toda a pessoa ou associação com capacidade para tal deve ter a
possibilidade de fundar centros de ensino em igualdade de condições e sem
impedimentos desnecessários.
A
função do Estado depende da situação social: é diferente na Alemanha ou na
Inglaterra, no Japão ou nos Estados Unidos, para citar países com estruturas
educacionais muito diversas. O Estado tem evidentemente funções de promoção, de
controle, de vigilância. E isso exige igualdade de oportunidades entre a
iniciativa privada e a do Estado: vigiar não é pôr obstáculos, nem impedir ou
coarctar a liberdade.
Por
isso considero necessária a autonomia docente: autonomia é outra forma de dizer
liberdade de ensino. A Universidade como corporação deve ter a independência
dum órgão num corpo vivo, liberdade na sua tarefa específica em favor do bem
comum.
Alguns
passos a dar para a efectiva realização desta autonomia podem ser: liberdade de
escolha do professorado e dos administradores; liberdade para o estabelecimento
dos planos de estudo; possibilidade de constituir o seu património e de o
administrar. Enfim, todas as condições necessárias para que a Universidade goze
de vida própria. Tendo esta vida própria, saberá dá-la, para bem de toda a
sociedade.
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Descobre-se
na opinião estudantil uma crítica cada vez mais intensa ao sistema de cátedra
universitária vitalícia. Parece-lhe acertada esta corrente de opinião?
Parece.
Se bem que reconheça o alto nível científico e humano do professorado espanhol,
prefiro o sistema de contratar livremente os professores. Penso que este
sistema não prejudica economicamente o professor e constitui um incentivo para
que o catedrático não deixe nunca de investigar e de progredir na sua
especialidade. Evita também que as cátedras sejam tidas como feudos em vez de
lugares de serviço.
Não
excluo que o sistema de cátedra vitalícia possa dar bons resultados nalgum
país, nem que com esse sistema se verifiquem casos de catedráticos muito
competentes, que fazem da sua cátedra um verdadeiro serviço à Universidade. Mas
parece-me que o sistema de contratação livre permite que estes casos sejam em
maior número, até conseguir o ideal de que o sejam praticamente todos.
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Não
é de opinião que, depois do Vaticano II, ficaram antiquados os conceitos de
"colégios da Igreja", "colégios católicos",
"Universidades da igreja", etc.? Não lhe parece que tais conceitos
comprometem indevidamente a Igreja ou soam a privilégio?
Não,
não me parece, se por colégios da Igreja, colégios católicos, etc., se entender
o resultado do direito que a Igreja e as Ordens e Congregações religiosas têm
de criar centros de ensino. Montar um colégio ou uma universidade não é um
privilégio, mas um encargo, quando se procura que seja um centro para todos, e
não apenas para os que dispõem de recursos económicos.
O
Concílio não pretendeu declarar superadas as instituições docentes
confessionais: só quis fazer ver que há outra forma - inclusivamente mais
necessária e universal, vivida há tantos anos pelos sócios do Opus Dei - de
presença cristã no ensino, que é a livre iniciativa dos cidadãos católicos que
têm profissões ligadas à educação, dentro e fora dos centros criados pelo
Estado. É mais uma manifestação da plena consciência que a Igreja tem, nestes
tempos, da fecundidade do apostolado dos leigos.
Tenho
de confessar, por outro lado, que não simpatizo com as expressões escola
católica, colégios da Igreja, etc., ainda que respeite todos aqueles que pensam
o contrário. Prefiro que as realidades se distingam pelos seus frutos, não
pelos seus nomes. Um colégio será efectivamente cristão quando, sendo como os
restantes e esmerando-se por progredir, realizar um trabalho de formação
completa - também cristã - respeitando a liberdade pessoal e promovendo a
urgente justiça social. Se faz isto realmente, o nome é de somenos.
Pessoalmente, repito, prefiro evitar esses adjectivos.
(cont)
[i]
Entrevista
realizada por Andrés Garrigó, publicada em "Gaceta Universitaria"
(Madrid, 5 de Outubro de 1967).