07/02/2014

Tratado dos vícios e pecados 04


Questão 71: Dos vícios e dos pecados em si mesmos.


Art. 4 ― Se o acto vicioso ou pecado pode coexistir com a virtude.


(Supra, q. 63, a. 2, ad 2 ; infra, q. 73, a. 1, ad 2 ; IIª-IIªª, q. 24, a. 12; De Virtur., q. q, 1, ad 5).

O quarto discute-se assim. ― Parece que o acto vicioso ou pecado não pode coexistir com a virtude.

1. ― Pois, os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito. Ora, o pecado é de certo modo contrário à virtude, como já se disse 1. Logo, não pode coexistir com ela.

2. Demais. ― O pecado é pior que o vício, i. é, o acto mau é pior que o hábito mau. Ora, o vício não pode coexistir com a virtude, no mesmo sujeito. Logo, nem o pecado.

3. Demais. ― Assim como o pecado se manifesta acidentalmente na actividade voluntária, assim também, nos fenómenos naturais, conforme diz Aristóteles 2. Ora, nestes ele nunca se manifesta acidentalmente senão por alguma corrupção da virtude natural, assim, os monstros procedem da corrupção de algum princípio seminal, como diz o Filósofo 3. Logo, também na actividade voluntária, o pecado não se manifesta acidentalmente senão como corrupção de alguma virtude da alma, e portanto, pecado e virtude não podem coexistir no mesmo sujeito.

Mas, em contrário, diz o Filósofo 4, que pelos contrários é a virtude gerada corrompida. Ora, um só acto virtuoso não causa a virtude, como já estabelecemos 5. Logo, também não a elimina um só acto pecaminoso. Portanto, uma e outro podem coexistir no mesmo sujeito.

O pecado está para a virtude como o acto mau para o hábito bom. Ora, o hábito da alma não se comporta do mesmo modo que a forma do ser natural. Pois, a forma natural produz necessariamente a sua operação própria. Por isso com uma forma natural não pode coexistir o acto da forma contrária, assim, o acto de resfriar não pode coexistir com o calor, nem, com a leveza, o acto do descenso, salvo por violência de um motor externo. O hábito da alma ao contrário, não opera necessariamente, antes, usamos dele quanto queremos. Donde, podemos simultaneamente ter um hábito e dele não usarmos, ou praticarmos o acto contrário, e, assim, podemos possuir a virtude e inclinarmos para o acto do pecado.

Ora, este acto, comparado com a virtude, enquanto hábito, não pode corrompê-la, se for um único. Pois, assim como não gera o hábito um único acto, assim também por este não se corrompe, como já dissemos 6. Comparado porém o acto do pecado com a causa das virtudes, um só acto pode corromper várias virtudes. Pois, todo pecado mortal é contrário à caridade, raiz de todas as virtudes infusas, como tais. E portanto, um único acto de pecado mortal, excluindo a caridade, exclui consequentemente todas as virtudes infusas, enquanto virtudes. E digo isto por causa da fé e da esperança, cujos hábitos ficam informes, depois do pecado mortal, e assim não são virtudes. Mas o pecado venial, não contrário à caridade, não a excluindo, também não exclui, por consequência, as outras virtudes. As virtudes adquiridas, porém, não as exclui um único acto de qualquer pecado.

Assim, portanto, o pecado mortal não pode coexistir com as virtudes infusas, mas o pode com as adquiridas. Ao passo que o pecado venial pode coexistir tanto com estas como com aquelas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O pecado não é contrário à virtude considerada em si mesma, senão quanto ao seu acto. E, portanto, o pecado, que não pode coexistir com o acto da virtude, pode-o com o hábito da mesma.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O vício é directamente contrário à virtude, assim como o pecado o é ao acto virtuoso. E portanto, o vício exclui a virtude, como o pecado, o acto da mesma.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― As virtudes naturais agem necessariamente, e portanto, existindo íntegra a virtude, o pecado nunca poderá coexistir com o acto. As virtudes da alma porém, não produzem os seus actos necessariamente. E portanto o símile não colhe.

Revisão da tradução portuguesa por ama

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Notas:
1. Q. 71, a. 1.
2. II Physic. (lect. XIV).
3. Physic. (ibid).
4. II Ethic. (lect. III).
5. Q. 51, a. 3.
6. Q. 63, a. 2, ad 2.




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