Questão 68: Dos dons.
Art. 6 — Se os dons do Espírito Santo permanecem na pátria.
(III Sent., dist. XXXIV. a. 3).
O sexto discute-se assim. — Parece que
os dons do Espírito Santo não permanecem na pátria.
1. — Pois como diz Gregório, o Espírito Santo inspira a mente com os sete dons, contra todas as tentações 1. Ora, na pátria não haverá tentações, conforme a Escritura (Is 11, 9): Eles não farão dano algum, nem matarão em todo o meu santo monte. Logo, na pátria não haverá dons do Espírito Santo.
2. Demais. — Os dons do Espírito Santo
são hábitos, como já se disse 2. Ora, os hábitos seriam vãos sem a
existência dos actos, pois, diz Gregório: o intelecto faz-nos penetrar o que
ouvimos, o conselho impede a precipitação, a fortaleza faz-nos não temer a
adversidade, e a piedade enche até as vísceras do coração com obras de misericórdia
3. Ora, tudo isto não convém ao estado da pátria. Logo, no estado da
glória não existirão tais dons.
3. Demais. — Certos dons, como a
sabedoria e o intelecto, aperfeiçoam o homem, na vida contemplativa, outros,
como a piedade e a fortaleza, na vida activa. Ora, esta última acaba com esta
vida, como diz Gregório 4. Logo, no estado da glória, não existirão
todos os dons do Espírito Santo.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: A
cidade de Deus ou a Jerusalém celeste não será banhada pelo percurso de nenhum
rio terrestre, mas, o Espírito Santo, procedente da fonte da vida, de que nós
nos saciamos com um breve hausto, afluirá mais abundante aos espíritos
celestes, com uma correnteza plena e intumescida pelas sete virtudes
espirituais 5.
Podemos considerar os dons a
dupla luz. — Quanto à essência, e então existirão perfeitissimamente na pátria,
como está claro no lugar aduzido de Ambrósio. E a razão é que os dons do Espírito
Santo aperfeiçoam a mente humana para lhe seguir a moção, o que se dará
principalmente na pátria, quando Deus for tudo em todos, como diz a Escritura
(1 Cor 15, 28), e quando o homem estiver totalmente sujeito a Deus. — De outro
modo, quanto à matéria sobre a qual operam, e então, na vida actual, operam
sobre uma matéria sobre a qual não operarão, no estado da glória. E portanto
não permanecerão na pátria, como já dissemos a propósito das virtudes cardeais 6.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— No lugar aduzido, Gregório refere-se aos dons próprios do estado presente,
que nos protegem contra o ataque dos males. Mas, no estado da glória, cessados
os males, seremos aperfeiçoados no bem pelos dons do Espírito Santo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Gregório
atribui, a cada um dos dons algo que passa com o estado presente, e algo que
permanece na vida futura. Pois, diz, que a sabedoria fortifica a mente na
esperança e na certeza das coisas eternas, e desses dois, a esperança passa,
mas a certeza permanece. Do intelecto diz que, penetrando as coisas ouvidas, e
fortificando o coração ilumina-lhe as trevas, ora, o que é ouvido passa porque,
no dizer da Escritura (Jr 31, 34), não ensinará varão ao seu irmão, mas, a
iluminação da mente permanecerá. Do conselho diz, que impede a precipitação, o
que é necessário à vida presente, e, demais, que faz a alma abundar na razão, o
que é necessário também na vida futura. Da fortaleza, que não teme as
adversidades, o que é necessário na vida presente, e, demais, que alimenta a
confiança, que permanece na vida futura. Da ciência só diz que elimina o jejum
da ignorância, o que pertence ao estado presente, mas, o que acrescenta — no
ventre da mente — pode-se entender, figuradamente, da plenitude do
conhecimento, pertencente também ao estado futuro. Da piedade, que enche as
vísceras do coração com as obras de misericórdia, o que, literalmente
entendido, pertence só ao estado da vida presente, mas o mesmo afecto íntimo
dos próximos, designado pela expressão — vísceras, pertence também ao estado
futuro, em que a piedade não exibirá as obras de misericórdia, mas o afecto
congratulatório. Do temor, que reprime a mente para que não se ensoberbeça com
as coisas presentes, o que pertence ao estado actual, e que conforta com o
alimento da esperança, para as coisas futuras, o que pertence, quanto à
esperança, ao estado presente, mas pode também pertencer ao estado futuro,
quanto ao conforto relativo ao que aqui esperamos e lá obteremos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção
colhe quanto à matéria dos dons. Pois as obras da vida activa não constituirão
a matéria deles. Mas os actos de todas versarão sobre a vida contemplativa, que
é a vida feliz.
(Revisão
da tradução portuguesa por ama)
___________________________
Notas:
1.
II Moral. (cap. XLIX).
2.
Q. 68, a. 3.
3.
I Moral. (cap. XXXII).
4.
VI Moral. (cap. XXXVI).
5.
I De Spiritu Sancto (cap. XVI).
6.
Q. 67, a. 1.
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