Questão 67: Da duração das
virtudes depois desta vida.
(IIª. lIae, q. 4, a. 4, ad 1 ,
III Sent., dist.. XXXI. q. 2, a. 1, qª 1: De Virtut., q. 5.
a. 4, ad 10).
O
terceiro discute-se assim. — Parece que a fé perdura depois desta vida.
1.
— Pois, a fé é mais nobre que a ciência. Ora, esta perdura depois da vida
presente, como já se disse. Logo, também a fé.
2.
Demais. — A Escritura diz (1 Cor 3, 2): ninguém pode pôr outro fundamento senão
o que foi posto, que é Jesus Cristo, i. é, a fé de Jesus Cristo. Ora, tirados
os fundamentos, não permanece o que sobre ele assentava. Logo, se a fé não
perdurasse depois desta vida, nenhuma outra virtude poderia perdurar.
3.
Demais. — O conhecimento da fé difere do da glória como o perfeito, do
imperfeito. Ora, estes dois últimos podem coexistir, assim, no anjo, pode
coexistir o conhecimento vespertino com o matutino, e nós podemos ter
simultaneamente, em relação à mesma conclusão, a ciência, por meio de um
silogismo demonstrativo, e a opinião, por meio de um silogismo dialéctico.
Logo, também a fé pode coexistir, depois desta vida, com o conhecimento da
glória.
Mas,
em contrário, diz o Apóstolo (2 Cor 5, 6): enquanto estamos no corpo, vivemos
ausentes do Senhor, (porque andamos por fé e não por visão). Ora, os que estão
na glória não vivem ausentes do Senhor, mas lhe estão presentes. Logo, na
glória, depois desta vida, a fé não perdura.
Por si e na sua própria causa a oposição implica em que um oposto exclua o
outro, enquanto todos os opostos incluem a oposição entre a afirmação e a
negação. Noutros casos, porém, a oposição funda-se em formas contrárias, como,
entre as cores, o branco e o preto, em outros ainda, ela se funda na perfeição
e na imperfeição, sendo por isso que consideramos como contrários o mais e o
menos alterado, assim, quando do menos cálido procede o mais cálido, segundo já
se disse 1. Ora, como o perfeito e o imperfeito se opõem, é
impossível à perfeição e a imperfeição recaírem simultaneamente sobre o mesmo
sujeito.
Devemos,
porém, considerar que às vezes a imperfeição é da essência específica da coisa,
assim, a falta da razão é da essência específica do cavalo ou do boi. E como o
que permanece na sua identidade numérica não pode transferir-se de uma espécie
para outra, com a desaparição dessa imperfeição desaparece a espécie do ser,
assim, o boi ou o cavalo deixariam de existir se fossem racionais. Outras vezes
porém a imperfeição não pertence à essência específica, mas tem qualquer
fundamento acidental no indivíduo, assim pode às vezes faltar à razão a alguém,
cujo uso está impedido pelo sono, pela embriaguez ou por uma causa análoga. É
claro porém, que, removida essa imperfeição, a substância do ser continua a
existir do mesmo modo.
Ora,
é manifesto que a imperfeição do conhecimento é da essência da fé, pois, na sua
definição se diz (Heb 11, 1): a fé é a substância das coisas que se devem
esperar, um argumento das coisas que não aparecem. E Agostinho diz: Em que
consiste a fé? Em crer o que não vês 2. Ora, conhecer o que não se
manifesta nem é visto implica imperfeição do conhecimento, a qual portanto é da
essência da fé. Donde é manifesto que a fé, permanecendo numericamente a mesma,
não pode ser um conhecimento perfeito.
Mas
devemos além disso considerar se ela pode coexistir com o conhecimento
perfeito, pois nada impede que coexista às vezes, um conhecimento imperfeito
com o perfeito. Ora, devemos notar que um conhecimento pode ser imperfeito de
três modos: quanto ao objecto cognoscível, quanto ao meio e quanto ao sujeito.
— Quanto ao objecto cognoscível, o conhecimento angélico matutino difere do
vespertino, assim como o perfeito, do imperfeito, pois, o conhecimento matutino
tem por objecto os seres enquanto existentes no verbo, ao passo que o
vespertino os tem por objecto enquanto existentes na própria natureza, e esta,
em relação à primeira, é uma existência imperfeita. — Quanto ao meio, o
conhecimento de uma conclusão, por um meio demonstrativo, difere do que temos
por um meio provável, assim como o perfeito difere do imperfeito. — Por fim,
quanto ao sujeito, a opinião, a fé e a ciência diferem entre si como o
perfeito, do imperfeito. Pois, a opinião, na sua essência, admite uma hipótese,
mas, com receio de ser outra a verdadeira e portanto não tem a adesão firme. Ao
passo que a ciência implica essencialmente a adesão firme, com a visão
intelectiva, pois tem a certeza procedente do intelecto dos princípios. A fé,
por fim, ocupa uma posição média: excede a opinião, por implicar a adesão
firme, e é inferior à ciência, por não ter a visão. Ora, como é manifesto, o
perfeito e o imperfeito não podem coexistir num mesmo ponto de vista, mas as
diferenças fundadas num e noutro podem existir simultaneamente, num mesmo ponto
de vista, em algum outro objecto. — Assim, pois, o conhecimento perfeito e o
imperfeito, quanto ao objecto, de nenhum modo podem referir-se ao mesmo objecto.
Podem contudo convir no mesmo meio e no mesmo sujeito, pois, nada impede que alguém
tenha, uma vez e simultaneamente, por um mesmo meio, um conhecimento de dois objectos,
um perfeito e o outro, imperfeito, como, p. ex., da saúde e da doença, do bem e
do mal. — Semelhantemente, é impossível o conhecimento perfeito e o imperfeito,
quanto ao meio, convirem num mesmo meio. Mas nada impede que não convenham num
mesmo objecto e num mesmo sujeito, pois, pode alguém conhecer a mesma conclusão
pelo meio provável e pelo demonstrativo. — E semelhantemente, é impossível o
conhecimento perfeito e o imperfeito, quanto ao sujeito, existirem
simultaneamente num mesmo sujeito. Ora, a fé, por essência, tem uma imperfeição
proveniente do sujeito, pois o crente não vê aquilo que crê. A bem-aventurança,
por seu lado, tem essencialmente uma perfeição fundada no sujeito e consistente
em o feliz ver o que o felicita, como já dissemos 3. Donde é
manifesta a impossibilidade de a fé coexistir com a bem-aventurança, no mesmo
sujeito.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A fé é mais nobre que a ciência, quanto ao
seu objecto, que é a Verdade primeira. Mas, a ciência tem um modo mais perfeito
de conhecer, não repugnante à perfeição da bem-aventurança i. é, à visão, como
lhe repugna o modo da fé.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A fé é um fundamento, pelo que tem de conhecimento, e portanto,
quando o conhecimento for perfeito, mais perfeito será o fundamento.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A SOLUÇÃO consta com evidência do dito antes
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. V Phys., lect. IV.
2. Tract. XL in Ioan.
3. Q. 3, a. 8.
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