19/12/2013

Tratado das virtudes em geral 19


Questão 59: Das relações entre as virtudes morais e a paixão.
Art. 1 — Se a virtude moral é uma paixão.

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 3, qª 2, II Ethic., lect V).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a virtude moral é uma paixão.

1. — Pois, o meio é do mesmo género que os extremos. Ora, a virtude moral é um meio entre as paixões. Logo, é paixão.

2. Demais. — O vício e a virtude, sendo contrários, pertencem ao mesmo género. Ora, certas paixões, como a inveja e a ira são consideradas vício. Logo, certas paixões são virtudes.

3. Demais. — A misericórdia é uma paixão, pois consiste na tristeza causada pelos males alheios, como já se disse 1. Ora, Cícero, orador egrégio, não duvidou chamar-lhe virtude, como refere Agostinho 2. Logo, a paixão pode ser uma virtude moral.

Mas em contrário, já se disse, que as paixões não são virtudes nem malícias 3.

Por tríplice razão a virtude moral não pode ser paixão. — Primeiro, porque a paixão é um movimento do apetite sensitivo, como já se disse 4. Ora, a virtude moral, sendo um hábito, não é movimento, mas antes, princípio do movimento apetitivo. — Segundo, porque as paixões em si mesmas não implicam bondade nem maldade. Pois, o bem ou o mal humanos dependem da razão, donde, as paixões, em si mesmas consideradas, implicam o bem e o mal, segundo convém ou não com a razão. Ora, nada disto pode dar-se com a virtude, que só diz respeito ao bem, como já dissemos 5. — Terceiro, dado que, de algum modo, uma paixão diga respeito só ao bem ou só ao mal, contudo o movimento da paixão, enquanto paixão, tem o seu princípio no apetite, e o termo, na razão, para conformidade com a qual tende o apetite. Ao contrário, o movimento da virtude tem o seu princípio na razão, e o termo, no apetite, enquanto movido pela razão. E por isso, na definição da virtude moral, diz-se que é um hábito electivo, consistente num meio-termo, determinado pela razão, como o sábio o determinaria 6.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A virtude, por essência, não é um meio entre as paixões, mas sim, pelo seu efeito, porque constitui um meio entre as paixões.

RESPOSTA À SEGUNDA — Se tomarmos o vício como um hábito pelo qual obramos mal, é claro que nenhuma paixão é vício. Se porém o considerarmos como pecado, que é um acto vicioso, nada impede a paixão de ser um vício, e também contrariamente, de concorrer para o acto de virtude, segundo o qual a paixão contraria a razão ou lhe segue o acto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Consideramos a misericórdia uma virtude, i. é, um acto de virtude na medida em que esse movimento da alma obedece à razão, isto é, quando a misericórdia é feita de modo a observarmos a justiça, quer quando fazemos esmola ao indigente ou perdoamos ao arrependido. Se porém a tomarmos como um hábito, que aperfeiçoa o homem a se compadecer racionalmente, nada impede então de a considerarmos uma virtude, e o mesmo se pode dizer das paixões semelhantes.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 35, a. 8.
2. IX De civ. Dei, cap. V.
3. II Ethic., lect. V.
4. Q. 22, a. 3.
5. Q. 55, a. 3.
6. II Ethic. (lect. VII).


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