Em
seguida devemos tratar da causa dos hábitos. E, primeiro, quanto à geração
deles. Segundo, quanto ao aumento. Terceiro, quanto à diminuição e à corrupção.
Sobre
a primeira questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 — Se há hábitos procedentes da natureza.
Art.
2 — Se certos hábitos podem ser causados por algum acto.
Art.
3 — Se o hábito pode ser gerado por um só acto.
Art.
4 — Se o homem tem hábitos infundidos por Deus.
Art. 1 — Se há hábitos
procedentes da natureza.
(Infra,
q. 63, a. 1)
O
primeiro discute-se assim. — Parece que nenhum hábito é procedente da natureza.
1.
— Pois, o uso do que procede da natureza não depende da nossa vontade. Ora, o
hábito é aquilo de que usamos quando quisermos 1, como diz o
Comentador. Logo, o hábito não procede da natureza.
2.
Demais — O que a natureza pode fazer por um meio não o faz por dois. Ora, as
potências da alma procedem da natureza. Se, pois, os hábitos das potências
também dela procedessem, o hábito e a potência seriam idênticos.
3.
Demais — A natureza não falha no necessário. Ora, os hábitos são necessários
para operarmos bem, como já se disse 2. Se pois houvesse hábitos
procedentes da natureza, esta não falharia e portanto causaria necessariamente
todos os hábitos. Ora, isto é claramente falso. Logo, o hábito não procede da
natureza.
Mas,
em contrário, Aristóteles coloca, entre os hábitos, o intelecto dos princípios,
que procede da natureza, sendo por isso que os primeiros princípios se
consideram naturalmente conhecidos 3.
Uma coisa pode ser natural de dois modos. Pela natureza da espécie, assim, é
natural ao homem o riso e ao fogo o ser levado para cima. Ou pela natureza do
indivíduo, assim é natural para Sócrates ou a Platão ser doentio ou sadio,
segundo a própria compleição. Além disso, relativamente a uma e outra natureza,
uma coisa pode chamar-se natural de dois modos. Ou por proceder totalmente da
natureza, ou por dela proceder em parte e, em parte, de um princípio exterior.
Assim, quando alguém sara por si, toda a saúde procede da natureza, e quando
sara com o auxílio de um remédio, a saúde provém, parte da natureza e, parte,
de um princípio exterior.
Se
considerarmos, pois, o hábito como disposição do sujeito em relação à forma ou
à natureza, ele é natural de qualquer dos dois modos supra-referidos. Assim, há
uma disposição natural, própria à espécie humana, que abrange todos os homens,
e essa é natural pela natureza da espécie. Mas como essa disposição implica uma
certa amplitude, os seus diversos graus podem convir aos diversos homens segundo
a natureza do indivíduo, e tal disposição pode provir totalmente da natureza
ou, em parte apenas, provindo então, por outra parte, de um princípio exterior,
como já dissemos referindo-nos aos que saram por meio da arte médica.
O
hábito porém, que é disposição para a operação cujo sujeito é alguma potência
da alma, como já dissemos 4, pode, certo, ser natural, tanto pela
natureza da espécie, como pela do indivíduo. Pela natureza da espécie, enquanto
depende da alma que, sendo forma do corpo, é um princípio específico. Pela
natureza do indivíduo, enquanto depende do corpo, que é um princípio material.
De nenhum desses dois modos porém pode o homem ter hábitos naturais, de maneira
que procedam totalmente da natureza. Porém eles podem existir nos anjos,
enquanto têm espécies inteligíveis naturalmente infusas, o que não convém à
natureza humana, como já dissemos na Primeira Parte 5.
Logo,
há nos homens certos hábitos naturais, procedentes, parte, da natureza e,
parte, de um princípio exterior.
Isso
dá-se porém de um modo, com as potências apreensivas e, de outro, com as
apetitivas.
Em
relação às primeiras um hábito pode ser natural, incoativamente, quanto à
natureza da espécie e quanto à do indivíduo. — Quanto àquela, por parte da alma
em si mesma, assim, dizemos que o intelecto dos princípios é um hábito natural.
Pois, pela própria natureza da alma intelectual é próprio do homem conhecer o
todo como maior que uma das partes, desde que conheça o que é todo e o que é parte,
e assim, em casos semelhantes. Mas ele não pode conhecer o todo e a parte senão
pelas espécies inteligíveis hauridas nos fantasmas. E, por isso, o Filósofo
mostra que o conhecimento dos princípios em nós provém dos sentidos. — Quanto à
natureza do indivíduo, um hábito cognoscitivo é natural incoativamente,
enquanto um homem, por disposição orgânica, é mais apto para bem inteligir, que
outro, na medida em que precisamos das potências sensitivas para a operação do
intelecto.
Nas
potências apetitivas porém, não há nenhum hábito natural, incoativamente, por
parte da alma, se levamos em conta a própria substância do hábito, mas só se
nos referimos a certos princípios deste, assim, os princípios do direito comum
são chamados sementeiras das virtudes. E isto porque a inclinação para os objectos
próprios, que é considerada uma incoação do hábito, não lhe pertence a este,
mas antes, à própria natureza da potência. — Quanto ao corpo, porém, levando em
conta a natureza do indivíduo, há certos hábitos apetitivos por incoações
naturais. Pois, certos são dispostos, pela própria compleição do corpo, à
castidade, à mansidão ou a disposições semelhantes.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A objecção colhe quanto à natureza dividida
por oposição à razão e à vontade, embora esta e aquela, em si mesmas, pertençam
à natureza do homem.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — O que não pode pertencer a uma potência, em si mesma, pode
contudo, acrescentar-se-lhe naturalmente. Assim, não pode pertencer à própria
potência intelectiva dos anjos o ser cognoscitiva de tudo, porque então haveria
necessariamente de ser o acto de tudo, o que só a Deus convém. Pois é
necessário seja aquilo pelo que um objecto é conhecido uma semelhança natural
dele. Donde se seguiria que se a potência do anjo conhecesse tudo por si mesma,
seria semelhança e acto de tudo. Donde é necessário que às suas potências
intelectivas se acrescentem certas espécies inteligíveis, semelhanças das
coisas inteligidas, pois, por participação da divina sabedoria, e não pela
essência própria, os intelectos deles podem ser, em acto, aquilo que inteligem.
E assim é claro que nem tudo o que pertence ao hábito natural pode pertencer à
potência.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A natureza não se comporta do mesmo modo no causar todas as
diversidades dos hábitos, pois, alguns podem ser causados por ela e outros,
não, como já dissemos. Donde não se segue que todos os hábitos sejam naturais, por
alguns o serem.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1. III De anima (comment.
XVIII).
2. Q. 49, a. 4.
3. VI Ethic. (lect.
V).
4.
Q. 50, a. 2.
5.
Q. 55, a. 2, q. 84, a. 3
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