Em
seguida devemos tratar dos efeitos da ira. E sobre esta questão quatro artigos
se discutem:
Art.
1 — Se a ira causa o prazer.
Art.
2 — Se o ardor é, por excelência, efeito da ira.
Art.
3 — Se a ira priva da razão.
Art.
4 — Se a ira causa a taciturnidade.
Art. 1 — Se a ira causa o
prazer.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que a ira não causa o prazer.
1. — Pois, a tristeza exclui o prazer. Ora, a ira vai sempre acompanhada da tristeza, porque, como diz Aristóteles, quem age levado pela ira fá-lo com pena 1. Logo, a ira não causa o prazer.
2.
Demais — Como diz o Filósofo, a punição acalma o ímpeto da ira, substituindo a
alegria pela tristeza 2, donde podemos deduzir que o prazer do irado
lhe advém da punição. Ora, esta exclui a ira. Logo, a presença do prazer
elimina a ira, e portanto não é um efeito acompanhado de prazer.
3.
Demais — Nenhum efeito impede a sua causa, porque lhe é conforme com ela. Ora,
os prazeres impedem a ira, como diz Aristóteles 3. Logo, o prazer
não é efeito da ira.
Mas,
em contrário, o Filósofo cita o provérbio seguinte: a ira, muito mais doce que
o mel, que corre com limpidez, entumesce-se no peito dos homens 4.
Como diz o Filósofo, os prazeres mais sensíveis e mais corpóreos são remédios
contra o sofrimento 5, donde, quando recorremos ao prazer como
remédio contra um grande sofrimento ou ansiedade, tanto mais o sentimos, assim,
a água se nos torna mais agradável na sede. Ora, é manifesto, pelo sobredito 6
que o movimento da ira surge em nós provocado por alguma injúria a nós feita e
que nos penaliza, sendo então a vindicta o remédio contra essa pena. Por isso,
da vingança presente resulta o prazer e tanto maior quanto maior for a ofensa.
— Donde, se a vindicta se realizar, o prazer, que exclui totalmente o
sofrimento, torna-se completo e assim acalma o movimento da ira. Mas antes de a
vingança ser uma realidade actual, já ela se torna presente ao irado de dois
modos: pela esperança, porque ninguém que não espere a vindicta se ira, como já
dissemos 7, ou pelo pensamento continuado, pois nos é deleitável
demorar no pensamento daquilo que desejamos, isso explica nos sejam agradáveis
mesmo às imaginações do sonho. Por isso o irado se deleita revolvendo
continuamente no ânimo o pensamento da vingança. Contudo, não é um prazer
perfeito que elimina o sofrimento, e por conseguinte a ira.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O irado não sofre e alegra com um mesmo objecto,
mas sofre com a injúria e goza com a vingança planejada e esperada. Donde, o
sofrimento está para a ira como um princípio, o prazer porém, como efeito ou
termo.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A objecção procede quanto ao prazer causado pela realização da
vingança, que exclui totalmente a ira.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O prazer precedente exclui o sofrimento e por conseguinte, a ira.
Porém o prazer da vindicta é consecutivo à ira.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VII Ethic. (lect. VI).
2. IV Ethic. (lect. XIII).
3. II Rhetoric. (cap. III).
4. II Rhetoric. (cap. II).
5. VII Ethic. (lect. XIV).
6. Q. 47, a. 1, 3.
7.
Q. 46, a. 1.
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