03/08/2013

Tratado das paixões da alma 101



Questão 43: Da causa do temor

Em seguida devemos tratar da causa do temor. E sobre esta questão dois artigos se discutem:

Art. 1 — Se o amor é causa do temor.
Art. 2 — Se a deficiência é a causa do temor.

Art. 1 — Se o amor é causa do temor.

(In Psalm.XVIII).

O primeiro discute-se assim. — Parece que o amor não é causa do temor.


1. — Pois, o que provoca alguma coisa é causa da mesma. Ora, o temor provoca o amor de caridade, como diz Agostinho 1. Logo, o temor é causa do amor e não inversamente.

2. Demais — Como diz o Filósofo, tememos sobretudo aqueles de quem esperamos algum mal iminente 2. Ora, somos levados mais ao ódio do que ao amor daqueles de quem esperamos algum mal. Logo, o temor é causado mais pelo ódio do que pelo amor.

3. Demais — Como já se disse 3, o que provém de nós mesmos não se manifesta como temível. Ora, o que procede do amor provém, especificamente, do íntimo do coração. Logo, o temor não é causado pelo amor.

Mas, em contrário, diz Agostinho: É certo que não há outra causa de temor senão a de perdermos o objecto amado quando possuído, ou não possuí-lo quando esperado 4. Logo, todo temor é causado por amarmos alguma coisa. Portanto, o amor é causa do temor.

Os objectos das paixões da alma estão para ela como as formas para os seres naturais ou artificiais, pois as paixões especificam-se pelos seus objectos, como os seres naturais pelas suas formas. Donde, assim como a causa da forma o é daquilo que ela constitui, assim, tudo o que, de qualquer modo, é causa do objecto, é causa da paixão. Ora, a causa de um objecto pode ser eficiente ou dispositiva material. Assim, o objecto do prazer é o bem aparente conveniente e conjunto, cuja causa eficiente é o que produz a conjunção, a conveniência, a bondade ou a aparência desse bem. Por outro lado, a causa dispositiva material é o hábito, ou qualquer disposição pelo qual se nos torna conveniente ou aparente o bem conjunto.

Assim pois no caso em questão, o objecto do temor é o mal considerado como tal, como futuro e próximo e ao qual não podemos resistir facilmente. E portanto o que nos pode causar esse mal é causa efetiva do objecto do temor, e por consequência do próprio temor. O que porém nos torna de tal modo dispostos que temamos o mal de que acabamos de falar, é causa do temor e do seu objecto, como disposição material. E deste modo o amor é causa do temor. Pois, é de amarmos um bem que se nos torna mal o que dele nos priva, e por isso o tememos como um mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já dissemos 5, o temor em si mesmo e primariamente diz respeito ao mal de que foge, e oposto a algum bem amado, e portanto, nasce do amor. Secundariamente porém respeita aquilo por que provém o mal. E assim, acidentalmente, às vezes provoca o amor, i. é, quando tememos sermos punidos por Deus, observamos os mandamentos, donde, o início da esperança, que provoca o amor, como já dissemos 6.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Começamos por ter ódio à pessoa de quem esperamos o mal, mas, começa a ser amada desde que dela começamos a esperar o bem. Pois, desde o princípio era amado o bem, a que contraria o mal temido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objecção procede relativamente à causa eficiente de um mal temível, ao passo que o amor é causa do mal a modo de disposição material, como já dissemos.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Super canonican. Ioan. (tract. IX).
2. II Rhetoric. (cap. V).
3. Q. 42, a. 3.
4. Lib. LXXXIII Quaestion. (q. XXXIII).
5. Q. 42, a. 1.
6. Q. 40, a. 7.


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