Questão 30: Da concupiscência.
Art. 3 ― Se certas concupiscências são naturais e outras, não-naturais.
(Infra, q. 41, a. 3, q. 77, a . 5).
O
terceiro discute-se assim. ― Parece que não são certas concupiscências naturais
e outras, não-naturais.
1. ― Pois, a concupiscência pertence ao apetite animal, como já se disse 1. Ora, o apetite natural divide-se por oposição com o animal. Logo, nenhuma concupiscência é natural.
2.
Demais. ― A diversidade material não produz a diversidade específica, mas só a
numérica, e não é compreendida no domínio da arte. Ora, se há concupiscências
naturais e não-naturais, elas não diferem senão pelos seus objectos, o que somente
produz a diferença material e numérica. Logo, as concupiscências não dividem em
naturais e não-naturais.
3.
Demais. ― A razão divide-se por oposição com a natureza, como se vê em
Aristóteles 2. Se pois havendo no homem alguma concupiscência
não-natural, ela há-de necessariamente ser racional. Ora, tal não pode ser
porque, sendo a concupiscência uma paixão, pertence ao apetite sensitivo e não
à vontade, que é um apetite racional. Logo, não há concupiscências
não-naturais.
Mas,
em contrário, o Filósofo considera certas concupiscências como naturais e
outras, como não-naturais 3.
Como já dissemos 4, a concupiscência é um apetite do bem
deleitável. Ora, de dois modos um bem pode ser tal. ― Ou porque é conveniente à
natureza do animal, como a comida, a bebida e coisas semelhantes e tal
concupiscência do deleitável se chama natural. ― Ou porque é conveniente ao
animal em virtude de uma apreensão, assim, quando é apreendido algo como bom e
conveniente, e por consequência, com isso há deleite. E esta concupiscência do
deleitável se chama não-natural, denominando-se de ordinário cobiça.
Ora,
as concupiscências da primeira espécie ― as naturais, são comuns ao homem e aos
animais, porque a uns e a outros há algo que lhes é naturalmente conveniente e
deleitável. E, por isso, o Filósofo as denomina comuns e necessárias 5.
― As da segunda espécie porém são próprias dos homens, que têm a propriedade de
buscar algo como bom e conveniente, além daquilo que a natureza exige. E por
isso diz ainda o Filósofo que as concupiscências da primeira espécie são
irracionais, as da segunda porém são acompanhadas da razão 6. E como
coisas diversas se fundamentam diversamente, as desta última espécie
Aristóteles também as denomina próprias e adventícias 7, i. é,
superiores às naturais.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Aquilo mesmo que é desejado pelo apetite
natural pode sê-lo, quando apreendido, pelo apetite animal. E neste sentido a
comida, a bebida e coisas semelhantes, naturalmente apetecidas, podem ser objectos
da concupiscência natural.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A diversidade entre as concupiscências naturais e as não-naturais
não é somente material mas às vezes também formal, enquanto procede da
diversidade dos objectos activos. Ora, o objecto do apetite é o bem apreendido.
Donde, a objectos aticvos diversos correspondem apreensões diversas, conforme
alguma coisa é apreendida como conveniente, por apreensão absoluta, que causa
as concupiscências naturais, denominadas pelo Filósofo irracionais 8,
ou conforme é apreendida, com deliberação, o que causa as concupiscências não
naturais, que por isso são designadas por Aristóteles como acompanhadas da
razão 9.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― O homem tem não somente a razão universal, pertencente à parte
intelectiva mas também a particular, pertencente à sensitiva, como dissemos no
livro primeiro 10. E desde então, a concupiscência que é acompanhada
da razão também pode pertencer ao apetite sensitivo. E além disso, o apetite
sensitivo, por sua vez, pode ser movido pela razão universal, mediante a imaginação
particular.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 30, a. 1, ad 3.
2. II Phys., lect. VIII.
3. III Ethic., lect. XX, I
Rhet., cap. XI.
4. q. 30, a. 1.
5. III Ethic., lect. VI.
6. I Rhet., cap. XI.
7. III Ethic., lect. XX.
8. Rhet., loc. Cit.
9. Ibid.
10. Q. 78, a. 4, q. 81, a. 3.
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