Questão 26: Do amor.
Art. 4 ― Se o amor se divide convenientemente em amor de amizade e de concupiscência.
(I, q. 60, a. 3, IIªº. q. 23,
a. 1, II Sent., III, part. II, q. 3: III, dist. XXIX, a. 3, IV,
dist. XLIX, q. 1, a. 2, qª 1, ad 3, De Virtut., q., q. 4, a. 3, De Div. Nom.,
cap. IV, Lect. IX, X).
O
quarto discute-se assim. ― Parece que não é conveniente a divisão do amor em
amor de amizade e de concupiscência.
1. ― Pois, ao passo que o amor é uma paixão, a amizade é um hábito, como diz o Filósofo 1. Ora, o hábito não pode ser parte em que se divide a paixão. Logo, não é conveniente dividir-se o amor em amor de concupiscência e de amizade.
2.
Demais. ― Não podem ser partes de uma divisão coisas que pertencem a uma mesma
classificação, o que não se dá, p. ex., com as noções de homem e de animal.
Ora, a concupiscência entra na mesma classificação que o amor, pois é como ele
uma paixão. Logo, este não pode ser parte da concupiscência.
3.
Demais. ― Segundo o Filósofo, há três espécies de amizade: a útil, a deleitável
e a honesta 2. Ora, a útil e a deleitável incluem-se na
concupiscência: Logo, esta não deve se dividir por oposição com a amizade.
Mas,
em contrário. ― Dizemos que ama uma coisa quem a deseja, assim diz-se que ama o
vinho quem por doce, o deseja, como se vê no Filósofo 3. Ora, como
diz o mesmo 4, não temos amizade pelo vinho ou coisas semelhantes.
Logo, uma coisa é o amor de concupiscência e outra, o de amizade.
Como diz o Filósofo, amar é querer bem a alguém 5. Assim pois o
movimento do amor tende para um duplo termo: o bem que queremos a alguém, seja
esse a nossa própria pessoa ou a de outrem, e a pessoa a quem o queremos. Ora,
ao bem que queremos para outrem diz respeito o amor de concupiscência, a pessoa
a quem o queremos, o amor de amizade.
Esta
divisão porém é por anterioridade e posterioridade. Pois, a quem amamos por
amor de amizade amamos absolutamente e em si mesmo, o que porém amamos por amor
de concupiscência o amamos para outrem e não absolutamente e em si mesmo. Ora,
como o ente por si e em absoluto é o que existe por si, e o ente relativo é o
que existe em outro, assim o bem conversível no ser é o que absolutamente tem a
bondade, ao passo que o bem de outrem é um bem relativo. Por consequência, o
amor pelo qual amamos alguma coisa como boa em si mesma é o amor absoluto,
enquanto aquele pelo qual amamos algum bem, para outrem, é o amor relativo.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O amor não se divide em amizade e
concupiscência, mas em amor de amizade e de concupiscência. Assim, chamamos
propriamente amigo àquele a quem queremos algum bem, e dizemos que desejamos o
que queremos para nós.
Donde
se deduz clara A RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Pela amizade útil e deleitável, queremos, por certo, algum bem ao
amigo, e nisso entra a noção de amizade. Mas pelo que referimos, ulteriormente,
esse bem à nossa deleitação ou utilidade, a amizade útil e a deleitável,
enquanto implicam o amor de concupiscência, perdem o carácter da verdadeira
amizade.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VIII Ethic., lect. V.
2. VIII Ethic., lect. III.
3. II Top., cap. III.
4.
VIII Ethic., lect. II.
5.
II Rhetor., cap. IV.
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