29/01/2013

Tratado dos actos humanos 17

Questão 9: Do motivo da vontade.

Em seguida devemos tratar do motivo da vontade.

E sobre esta Questão seis artigos se discutem:

Art. 1 ― Se a vontade é movida pelo intelecto.
Art. 2 ― Se a vontade pode ser movida pelo apetite sensitivo.
Art. 3 ― Se a vontade se move a si mesma.
Art. 4 ― Se a vontade é movida por algum objecto exterior.
Art. 5 ― Se a vontade humana é movida pelo corpo celeste.
Art. 6 ― Se a vontade é movida só por Deus, como princípio exterior.
Art. 1 ― Se a vontade é movida pelo intelecto.

(I q. 82, a . 4, III Cont Gent., cap. XXVI, De Verit., q. 22, a . 12, De Malo, q. 6).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não é movida pelo intelecto.

1. ― Pois, diz Agostinho, comentando aquilo do salmo (Sl 118, 20) ― A minha alma desejou ansiosa em todo o tempo as tuas justificações! ― O intelecto como que voa na frente, seguindo-se porém um efeito tardio ou nulo, conhecemos o bem mas não nos agrada o agir. Ora, tal não se daria se a vontade fosse movida pelo intelecto, porque o movimento do móvel procede da moção do motor. Logo, o intelecto não move a vontade.

2. Demais. ― O intelecto exerce para com a vontade a função de apresentar o apetecível, tal como a imaginação o apresenta ao apetite sensitivo. Ora, a esta, agindo assim, não move o apetite sensitivo, antes às vezes tratamos o imaginado como o que se nos mostra numa pintura, que não nos move, segundo diz Aristóteles 1. Logo, também o intelecto não move a vontade.

3. Demais. ― Motor e movido não são idênticos, no mesmo ponto de vista. Ora, a vontade move o intelecto, pois, inteligimos quando queremos. Logo, o intelecto não move a vontade.

Mas, em contrário, diz o Filósofo: o apetecível inteligido é motor não movido, ao passo que a vontade é motor movido 2.


SOLUÇÃO. ― Um ser precisa de ser movido por outro, na medida em que é potencial em relação a vários actos, pois, é necessário que o potencial seja actualizado pelo que já é actual, chamando-se a isto mover. Ora, de duplo modo uma virtude da alma pode ser potencial em relação a diversos actos: quanto a agir ou não e quanto a fazer tal coisa ou tal outra. Assim, a vista às vezes vê actualmente e às vezes, não, às vezes vê o branco e às vezes, o preto. Logo, precisa de um motor, quanto a esses dois modos, isto é, para o exercício ou uso do acto e para a determinação deste. O exercício depende do sujeito que umas vezes age e outras não, e a determinação, do objecto, que é especificador dos actos.

Ora, a moção do sujeito, em si, provém de algum agente. E como todo agente age para um fim, segundo já se demonstrou 3, o princípio de tal moção provém do fim. Donde vem que a arte que visa um fim move, pelo seu império, a que visa o meio, assim, a arte de pilotar impera sobre a que constrói a nau, como diz Aristóteles 4. Ora, o bem em comum, que tem natureza de fim, é o objecto da vontade. E portanto, por este lado, a vontade move, para os seus actos, as outras potências da alma, porque as usamos quando queremos. Pois, os fins e as perfeições de todas as outras potências estão compreendidos, como bens particulares, no objecto da vontade. E sempre, a arte ou potência que visa o fim universal move a agir a arte ou potência que visa o fim particular, compreendido no universal. Deste modo, o chefe do exército, que visa o bem comum, i. é, a ordem de todo o exército, move, pelo seu império, qualquer dos tribunos, que visa a ordem de um batalhão.

O objecto porém move determinando o acto, a modo de princípio formal, pelo qual, nos seres naturais, a acção é especificada, como a calefacção, pelo calor. Ora, o princípio formal primeiro é o ente e o verdadeiro universal, objecto do intelecto. E, portanto, por este modo de moção, o intelecto move a vontade, apresentando-lhe o seu objecto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Da autoridade citada não se deduz que o intelecto não move, mas, que não move necessariamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Assim como a imaginação da forma, sem a apreciação do que é conveniente ou nocivo, não move o apetite sensitivo, assim também a apreensão do verdadeiro, sem a natureza de bem e de apetecível, não move o apetite intelectivo, que é a vontade. Donde, não é o intelecto especulativo que move, mas, sim, o prático, como diz Aristóteles 5.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A vontade move o intelecto, quanto ao exercício do acto, pois, o próprio verdadeiro, perfeição do intelecto, está contido, como um bem particular, no bem universal. Mas, quanto à determinação do acto, proveniente do objecto, o intelecto move a vontade, pois, o próprio bem é apreendido por uma ideia especial compreendida na ideia universal de verdadeiro. Donde é claro que o motor e o movido não se identificam, no mesmo ponto de vista.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. II De Anima, lect. IV.
2. III De Anima, lect. XV.
3. Q. 1 a. 2.
4. II Physic., lect. IV.
5. III De Anima, lect. XIV, XV.

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