Questão 9: Do motivo da
vontade.
Em
seguida devemos tratar do motivo da vontade.
E
sobre esta Questão seis artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a vontade é movida pelo intelecto.
Art.
2 ― Se a vontade pode ser movida pelo apetite sensitivo.
Art.
3 ― Se a vontade se move a si mesma.
Art.
4 ― Se a vontade é movida por algum objecto exterior.
Art.
5 ― Se a vontade humana é movida pelo corpo celeste.
Art.
6 ― Se a vontade é movida só por Deus, como princípio exterior.
Art.
1 ― Se a vontade é movida pelo intelecto.
(I q. 82, a . 4, III Cont
Gent., cap. XXVI, De Verit., q. 22, a . 12, De Malo, q. 6).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não é movida pelo intelecto.
2.
Demais. ― O intelecto exerce para com a vontade a função de apresentar o apetecível,
tal como a imaginação o apresenta ao apetite sensitivo. Ora, a esta, agindo assim,
não move o apetite sensitivo, antes às vezes tratamos o imaginado como o que se
nos mostra numa pintura, que não nos move, segundo diz Aristóteles 1.
Logo, também o intelecto não move a vontade.
3.
Demais. ― Motor e movido não são idênticos, no mesmo ponto de vista. Ora, a
vontade move o intelecto, pois, inteligimos quando queremos. Logo, o intelecto
não move a vontade.
Mas,
em contrário, diz o Filósofo: o apetecível inteligido é motor não movido, ao
passo que a vontade é motor movido 2.
SOLUÇÃO.
― Um ser precisa de ser movido por outro, na medida em que é potencial em
relação a vários actos, pois, é necessário que o potencial seja actualizado
pelo que já é actual, chamando-se a isto mover. Ora, de duplo modo uma virtude
da alma pode ser potencial em relação a diversos actos: quanto a agir ou não e
quanto a fazer tal coisa ou tal outra. Assim, a vista às vezes vê actualmente e
às vezes, não, às vezes vê o branco e às vezes, o preto. Logo, precisa de um
motor, quanto a esses dois modos, isto é, para o exercício ou uso do acto e
para a determinação deste. O exercício depende do sujeito que umas vezes age e
outras não, e a determinação, do objecto, que é especificador dos actos.
Ora,
a moção do sujeito, em si, provém de algum agente. E como todo agente age para
um fim, segundo já se demonstrou 3, o princípio de tal moção provém
do fim. Donde vem que a arte que visa um fim move, pelo seu império, a que visa
o meio, assim, a arte de pilotar impera sobre a que constrói a nau, como diz
Aristóteles 4. Ora, o bem em comum, que tem natureza de fim, é o objecto
da vontade. E portanto, por este lado, a vontade move, para os seus actos, as
outras potências da alma, porque as usamos quando queremos. Pois, os fins e as
perfeições de todas as outras potências estão compreendidos, como bens
particulares, no objecto da vontade. E sempre, a arte ou potência que visa o
fim universal move a agir a arte ou potência que visa o fim particular,
compreendido no universal. Deste modo, o chefe do exército, que visa o bem
comum, i. é, a ordem de todo o exército, move, pelo seu império, qualquer dos
tribunos, que visa a ordem de um batalhão.
O
objecto porém move determinando o acto, a modo de princípio formal, pelo qual,
nos seres naturais, a acção é especificada, como a calefacção, pelo calor. Ora,
o princípio formal primeiro é o ente e o verdadeiro universal, objecto do
intelecto. E, portanto, por este modo de moção, o intelecto move a vontade,
apresentando-lhe o seu objecto.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Da autoridade citada não se deduz que o
intelecto não move, mas, que não move necessariamente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Assim como a imaginação da forma, sem a apreciação do que é
conveniente ou nocivo, não move o apetite sensitivo, assim também a apreensão
do verdadeiro, sem a natureza de bem e de apetecível, não move o apetite
intelectivo, que é a vontade. Donde, não é o intelecto especulativo que move,
mas, sim, o prático, como diz Aristóteles 5.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A vontade move o intelecto, quanto ao exercício do acto, pois, o
próprio verdadeiro, perfeição do intelecto, está contido, como um bem
particular, no bem universal. Mas, quanto à determinação do acto, proveniente
do objecto, o intelecto move a vontade, pois, o próprio bem é apreendido por
uma ideia especial compreendida na ideia universal de verdadeiro. Donde é claro
que o motor e o movido não se identificam, no mesmo ponto de vista.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
_____________________
Notas:
1.
II De Anima, lect. IV.
2.
III De Anima, lect. XV.
3. Q. 1 a. 2.
4. II Physic., lect. IV.
5.
III De Anima, lect. XIV, XV.
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