04/12/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 73

Questão 119: Da propagação do homem quanto ao corpo.

Art. 2 — Se o sémen é um alimento supérfluo ou faz parte da substância do gerador.


(II. Sent., dist. XXX. q. 2. a. 2).

O segundo discute-se assim. — Parece que o sémen não é um alimento supérfluo, mas faz parte da substância do gerador.



1. — Pois, diz Damasceno, que a geração é a obra da natureza, pela qual, da substância do gerador é produzido o gerado. Ora, o gerado o é, do sémen. Logo, este faz parte da substância do gerador.

2. Demais. — O filho assimila-se com o pai, porque recebeu deste alguma coisa. Ora, se o sémen, do qual o ser é gerado, é um alimento supérfluo, ele nada receberia do avô e dos predecessores, nos quais tal alimento não existia, de nenhum modo. Logo, não teria relações com o avô e os demais ancestrais, como não tem com os outros homens.

3. Demais. — O gerador alimenta-se às vezes da carne do boi, do porco, e de animais semelhantes. Se, pois, o sémen fosse um alimento supérfluo, o homem gerado do sémen teria maior afinidade com o boi e o porco do que com o pai e os outros consanguíneos.

4. Demais. — Agostinho diz, que nós existimos em Adão, não só pelo princípio seminal, mas também pela substância do corpo. Ora, tal não se daria, se o sémen fosse alimento supérfluo. Logo, não é tal.

Mas, em contrário, o Filósofo prova abundantemente que o sémen é um alimento supérfluo.

Esta questão depende, de certo modo, do que já foi estabelecido. Se, pois, a natureza humana tem a virtude de comunicar a sua forma à matéria, dela diferente, não só relativamente a outro ser, como relativamente a si mesma, manifesto é que o alimento, dissemelhante a princípio, torna-se semelhante pela forma comunicada. Ora, é ordem natural que um ser passe gradativamente da potência para o acto. Por onde, vemos que, os seres gerados, são a princípio imperfeitos, aperfeiçoando-se em seguida. Ora, é claro que o comum está para o próprio e o determinado, como o imperfeito, para o perfeito, e por isso, vemos que na geração do animal antes é gerado este, que o homem ou o cavalo. Assim, pois, também o alimento, em si, primeiro recebe uma virtude comum, em relação a todas as partes do corpo e, afinal, é determinado a esta parte ou aquela outra.

Ora, não é possível considerar como sémen aquilo que já se converteu resolvendo-se na substância dos membros. Pois, o que se resolveu, se não conservasse nada da natureza do ser donde proveio, então estaria, separando-se da natureza do gerador, em via de corrupção e, portanto, não teria a virtude de provocar a natureza do todo, senão só a da parte. Amenos que alguém diga que se separou de todas as partes do corpo, conservando a natureza de todas elas, porque então o sémen seria um como animálculo em acto, e a geração animal se daria por divisão, assim como o lodo é gerado do lodo e como acontece com os animais que vivem, cortados em partes. Mas isto é inadmissível.

Conclui-se pois daqui, que o sémen foi separado não do todo actual, mas do todo potencial; e tem a virtude de produzir todo o corpo, derivada da alma do gerador, como já se disse. E o que é potencial, em relação ao todo, é o que é gerado do alimento, antes de se conver­ter na substância dos membros e daí é derivado o sémen. Por onde se diz que a virtude nutritiva serve à geração pois, o que foi assimilado por essa virtude, a virtude geradora o recebe como sémen. Para prova do que o Filósofo diz que os animais de copo grande, que necessitam de muito alimento, têm pouco sémen, relativamente ao tamanho do corpo, e pouca geração e, semelhantemente, os homens gordos têm pouco sémen, pela mesma causa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A geração faz parte da substância do gerador, nos animais e nas plantas, porque o sémen tira a sua virtude da forma do gerador, e é potencial em relação à substância deste.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A assimilação do gerador ao gerado não se funda na matéria, mas na forma do agente, que gera o que lhe é semelhante. Por onde, não é necessário, para que alguém seja relacionado com o avô, que neste existisse a matéria corpórea do sémen, mas que tenha alguma virtude procedente do avô, mediante o pai.

E o mesmo se deve RESPONDER À TERCEIRA OBJECÇÃO. — Pois, a afinidade não se funda na matéria, mas é, antes, derivada da forma.

RESPOSTA À QUARTA. — Pelas palavras de Agostinho não se deve entender que em Adão existia em ato próximo a virtude seminal de um determinado homem, ou a substância do seu corpo. Mas que ambas estavam em Adão originariamente. Pois, a matéria corpórea mi­nistrada pela mãe, e a que ele chama substância do corpo, deriva originalmente, de Adão; e semelhantemente, a virtude ativa existente no sémen do pai, que é o princípio seminal pró­prio de um determinado homem.

Mas diz-se que Cristo estava em Adão, quanto à substância corpórea, não porém, quanto ao princípio seminal. Porque a matéria do seu corpo, ministrada pela Virgem Maria, era derivada de Adão; não porém a virtude ativa, porque o corpo de Cristo não foi formado por virtude do sémen viril, mas por obra do Espírito Santo. Pois, tal era a origem que convinha a Deus, bendito sobre todas as causas pelos séculos dos séculos. Amém.


FIM DA PRIMEIRA PARTE.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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