A eutanásia é um crime que o Estado
deve evitar se lhe restar alguma ética, porque não constitui acto médico.
Prepara-se no Parlamento uma lei que
regule o ‘testamento vital’ ou biológico. Não será um degrau para a eutanásia?
O grande dom da vida tem um fim inevitável e universal. A cada ser humano
compete lutar – do princípio ao fim – pela vida, com dignidade. Nem o próprio
pode dispor da sua vida, porque não é só dele, mas integra-se na sociedade. O
que se pede aos legisladores é a defesa dos direitos fundamentais, sem medidas
que disponham da vida de outros seres humanos. Garantir o respeito por uma
morte digna, sem reduções ou instrumentalizações, faz parte do processo
legislativo.
A eutanásia é um crime que o Estado
deve evitar se lhe restar alguma ética, porque não constitui acto médico,
sempre ao serviço da vida e nunca instrumento de precipitação da morte.
A distanásia, ou seja, o prolongamento
exagerado da vida, é eticamente negativa porque é lícito contentar-se com os
métodos normais que a medicina oferece, sem recurso a meios extraordinários. É
aceitável eticamente interromper os tratamentos quando não atingem os
resultados esperados, se a suspensão não implicar cuidados fundamentais como a
hidratação e a alimentação. Quando a morte está iminente é lícito decidir
recusar formas de tratamento que seriam apenas penoso e precário prolongamento
da vida. Quando é positivo o diagnóstico da morte importa respeitar a dignidade
do corpo, evitando o recurso a técnicas de reanimação.
O testamento vital pode pedir que a
vida não seja prolongada dentro destes limites. Será de rejeitar uma lei vaga
que deixe poder discricionário aos que rodeiam o moribundo, com interesses
alheios à sua morte digna, seja por razões de investigação científica, de
economia ou herança, de comodismo: como não suportar mais tempo um velho ou um
deficiente, ou até por razões ‘humanitárias’, para que não sofra mais. Ao
encarar a questão da morte estamos a demonstrar a nossa concepção de ser humano
e de vida. Deixar a critérios subjectivos e distantes no tempo a interpretação
sobre declarações feitas pelo paciente será para o médico consciente uma
tormenta. A forma leviana como se encarar o complexo problema do testamento
vital mostrará a visão redutora do sentido para a vida.
A globalidade do ser humano não se
esgota no corpo que tomba até à tumba. Sacrificar a pessoa a um imediatismo
permissivo será entrar em labirinto perigoso ou floresta sem saída. Importa
reagir a quem pretender abusar das leis para impor perspectivas sobre o enigma
da morte. Outros querem decidir até quando devemos viver e ainda por cima pedem
a nossa assinatura!
(D. Carlos Azevedo. Bispo Auxiliar de
Lisboa, In Correio da Manhã - 2009.05.29)
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