O
segundo discute-se assim. — Parece que o anjo não precisava da graça para se
converter a Deus.
1.
— Pois, não precisamos da graça para o que podemos naturalmente fazer. Ora, o
anjo, amando naturalmente a Deus, como já vimos, naturalmente a ele se
converte. Logo, o anjo não precisava da graça para se converter a Deus.
2.
Demais. — Precisamos de auxílio só para o que é difícil. Ora, converter-se a
Deus não era difícil para o anjo, pois neste nada existia que a tal conversão
repugnasse. Logo, o anjo não precisava do auxílio da graça para se converter a
Deus.
3.
Demais. — Converter-se a Deus é preparar-se para a graça e, por isso, diz a
Escritura: Convertei-vos a mim, e eu me converterei a vós. Ora, nós não
precisamos da graça para nos prepararmos para ela, pois então iríamos ao
infinito. Logo, o anjo não precisava da graça para se converter a Deus.
Mas,
em contrário. Convertendo-se a Deus, o anjo chega à beatitude. Portanto, se não
precisasse da graça, para se converter a Deus, resulta que dela não precisaria
para ter a vida eterna, o que é contra a Escritura, dizendo: A graça de Deus é
a vida eterna.
Os anjos precisavam da graça para se converterem a Deus, objeto da beatitude.
Pois, como já dissemos antes, o movimento natural da vontade é o princípio de
tudo o que queremos. Ora, a inclinação natural da vontade é para o que lhe é
naturalmente conveniente. Portanto, para o que lhe é naturalmente superior a
vontade não pode tender senão levada por algum princípio sobrenatural, que a
ajude. Assim, é claro que o fogo tem inclinação natural para aquecer e para
gerar o fogo; mas gerar a carne está acima da virtude natural do fogo; por
isso, para gerá-la, o fogo não tem nenhuma inclinação, salvo se for movido,
como instrumento, pela alma nutritiva. Mas, já ficou demonstrado, quando se
tratou do conhecimento de Deus, que ver a Deus por essência, no que consiste a
última beatitude da criatura racional, está acima da natureza de qualquer
intelecto criado. Por isso, nenhuma criatura racional pode ter o movimento da
vontade ordenado para essa beatitude, sem ser movida por um agente
sobrenatural; e é a isto que chamamos auxílio da graça. Logo, deve-se dizer que
o anjo a essa felicidade não se pode converter, senão pelo auxílio da graça.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O anjo naturalmente ama a Deus como ao
princípio natural da sua existência. Aqui porém falamos da conversão a Deus,
enquanto Ele beatifica pela visão da sua essência.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Difícil é o que transcende o poder do agente; e isso de duplo modo
pode dar-se. De um primeiro modo, transcende esse poder em respeito à ordem
natural do agente. E então, se pode atingir o fim, com algum auxílio, chama-se
difícil; se, porém, de nenhum modo o pode, chama-se impossível; p. ex., é
impossível ao homem voar. De outro modo, transcende o poder, não em respeito à
ordem natural deste, mas em virtude de algum impedimento adjunto ao mesmo.
Assim, subir não é contra a ordem natural da potência da alma motora, porque à
alma, em si mesma, é natural mover-se para qualquer parte; mas, ficando
impedida disso, pelo peso do corpo, é difícil ao homem subir. Ora, por certo,
difícil é ao homem converter-se à felicidade última, tanto por lho ser superior
à natureza como por haver um impedimento proveniente da corrupção do corpo e da
infecção do pecado. Ao anjo, porém, lho é difícil somente por ser uma atividade
sobrenatural.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Qualquer movimento da vontade para Deus podendo chamar-se
conversão, tríplice é essa conversão. — Uma, pela dileção perfeita, e é a da
criatura que já goza de Deus. E, tal conversão requer a graça consumada. —
Outra é o merecimento da beatitude; e essa requer a graça habitual, princípio
do merecimento. — Pela terceira, preparamo-nos a ter a graça. E essa não exige
nenhuma graça habitual, mas a operação de Deus que converte a alma para si,
segundo a Escritura: Converte-nos Senhor, a ti, e nós nos converteremos. Por
onde se vê que não se procede até o infinito.
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