02/10/2011

Deus pertence a algum género?

Tratado De Deo Uno

 Art. 5 — Se Deus pertence a algum género.

(I Sent., dist. 8, q. 4, a. 2; dist. 19, q. 4, a. 2; Cont. Gent. I, 25; De Pot., q. 7, a. 3; Compend. Theol., c. 12; De Ent. Et Ess., c. 6)

O quinto discute-se assim. — Parece que Deus pertence a algum género.

1. — Pois, substância é o ser por si subsistente, o que é por excelência próprio de Deus. Logo, Deus pertence ao género da substância.

2. Demais. — Uma coisa mede-se pela sua congénere, como as longitudes, pela longitude e os números, pelo número. Ora, Deus é a medida de todas as substâncias, como o diz o Comentador [i]. Logo, Deus pertence ao género da substância.

Mas,  em contrário, o género é, racionalmente, anterior ao seu conteúdo. Ora, nada é anterior a Deus, nem material nem racionalmente. Logo, não pertence a nenhum género.

SOLUÇÃO. — De dois modos uma coisa pode pertencer a um género: absoluta e propriamente, como as espécies, que ele abrange; ou por via de redução, como os princípios e as privações. Assim, o ponto e a unidade se reduzem ao género da quantidade, como princípios; a cegueira, como toda privação, ao género do seu hábito. — Ora, de nenhum desses modos Deus pertence a um género. E, por outro lado, que não pode ser espécie de nenhum, de três modos pode ser demonstrado. Primeiro, porque uma espécie é constituída pelo seu género e pela sua diferença; e sempre a origem da diferença constitutiva da espécie está para a origem do género, como o ato, para a potência. Assim, animal deriva da natureza sensitiva, por concreção; pois, chama-se animal o ser dessa natureza sensitiva. Racional, por seu lado, deriva da natureza intelectiva, pois racional é o ser que tem essa natureza. Ora, intelectivo está para sensitivo como o ato, para a potência, o mesmo se dando em casos semelhantes. Ora, como em Deus nenhuma potência vem acrescentar-se ao ato, impossível é que seja espécie de qualquer género. Segundo, porque sendo a existência a essência de Deus, como já demonstramos [i], se Deus pertencesse a algum género, este seria necessariamente o do ser, pois o género exprime a essência de uma coisa e predica o que a coisa é. Ora, como o Filósofo o demonstra [ii], o ser não pode constituir género de nada; pois, todo género implica diferenças estranhas à sua essência. E não é possível descobrir nenhuma diferença exterior ao ser, visto que não pode o não-ser diferenciar nada. Donde resulta que Deus não pertence a nenhum género. Terceiro, porque todas as coisas pertencentes a um mesmo género devem ter também a mesma quididade ou essência genérica, que lhes é atribuída por atribuição essencial. Mas diferem pela existência; assim, não é a mesma a existência do homem e a do cavalo, nem a de tal homem e a de tal outro. Por onde é necessário que, em todas as coisas de um mesmo género, difira a existência da quididade ou essência. Ora, em Deus não há tal diferença, como já demonstramos [iii]. Portanto, é manifesto que Deus não pertence especificamente a nenhum género. Donde resulta que não tem género,  nem diferenças, nem definição, nem demonstração — salvo pelo efeito; porque a definição consta de género e diferença e é o meio para chegar à demonstração. — E também é claro que Deus não se inclui em nenhum género, como princípio, por via de redução. Pois, o principio redutível a um género não pode estender-se além desse género. Assim, o ponto só é princípio da quantidade contínua, e a unidade, da discreta. Ora, Deus é o princípio de todos os seres, como a seguir se demonstrará [iv]. Logo, não está contido em nenhum género, como em princípio.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O nome de substância não significa somente o que subsiste por si, porque o ser em si mesmo não é género, como demonstramos [vi]. Mas, significa a essência, à qual convém existir desse modo, i. é, por si mesma; sem que isso, porém, lhe constitua a essência própria. Por onde, é claro que Deus não está incluído no género da substância.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objecção colhe quanto à medida proporcionada, pois esta há de, necessariamente, ser homogénea com o que mede. Ora, Deus não é medida proporcionada a nenhum ser; mas é considerado como medida de todos, porque cada um existe enquanto dele se aproxima.




[i] Art. Praec.
[ii] III Metaphys., c. 3
[iii] Art. Praec.
[iv] Q. 44, a. 1



[i] Averróis, X. Metaphys., comm. VII
[ii] Art. Praec.
[iii] III Metaphys., c. 3
[iv] Art. Praec.
[v] Q. 44, a. 1
[vi] In corp.

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