06/10/2011

Deus entra na composição dos outros seres?

Tratado De Deo Uno


Questão 3: Da simplicidade de Deus

Art. 8 — Se Deus entra na composição dos outros seres.

(I Sent., dist. 8, q. 1, a. 2; Cont. Gent., I, 17, 26, 27; III, 51; de Pot., q. 6, a. 6; De Verit., q. 21, a. 4)

O oitavo discute-se assim. — Parece que Deus entra na composição dos outros seres.

1. — Pois, Dionísio diz:  Ser de todas as coisas é o que, além de existir, é a divindade [i]. Ora, tal ser entra na composição do ser individual. Logo, Deus entra na composição dos outros seres.

2. Demais. — Deus é forma, como o diz Agostinho: O verbo de Deus (que é Deus) é forma não informada [ii]. Ora, a forma faz parte do composto. Logo, Deus é parte dos seres compostos.

3. Demais. — Coisas que existem e de nenhum modo diferem são idênticas. Ora, Deus e a matéria-prima, em nada diferindo entre si, são absolutamente idênticos. Mas, como a matéria-prima entra na composição de todos os seres, o mesmo há-de dar-se com Deus. — Prova da média. Seres diferentes hão-de diferir por certas diferenças; logo, hão de necessariamente ser compostos. Ora, Deus e a matéria-prima são absolutamente simples; portanto, de nenhum modo diferem.

Mas, em contrário, Dionísio:  Não há nele  (em Deus) contacto nem qualquer comunhão por onde vá de mistura com partes [iii].

SOLUÇÃO. — Três erros se cometeram neste assunto. Uns ensinaram ser Deus a alma do mundo, como se lê em Agostinho [iv]; e a ele se reduzem os que disseram ser Deus a alma do primeiro céu. — Outros, porém, afirmaram ser ele o princípio formal de todas as coisas, e tal se diz ter sido a opinião dos Almarianos. — E o terceiro erro foi o de Davi de Dinant, concebendo estultissimamente Deus como matéria-prima. — Ora, todas estas doutrinas são falsas, pois de nenhum modo é possível que Deus entre na composição de qualquer ser, nem como princípio formal, nem como material. — Primeiro, porque, consoante ficou dito [v], Deus é a causa eficiente primeira. Ora, a causa eficiente não coincide numericamente com a forma de seu efeito, mas só especificamente; assim, um homem gera outro. A matéria, porém, não coincide com a causa eficiente, nem numérica nem especificamente, pois é potencial, e esta actual. — Segundo, porque sendo Deus a causa eficiente primeira, é-lhe próprio, primária e essencialmente o agir. Ora, o que faz parte da composição de um ser não é agente primário e essencial; pois é, antes, o composto que age. Assim, não é a mão que age, mas, o homem, por meio dela; e o fogo aquece pelo calor. Logo, Deus não pode fazer parte de nenhum composto. — Terceiro, porque nenhuma parte do composto pode ser, absolutamente, a primeira entre os seres; nem, portanto, a matéria e a forma que são as partes primeiras dos compostos. Pois, aquela é potencial, e a potência é, em si mesma, posterior ao ato, como do sobredito resulta [vi]. A forma, por seu lado, como parte do composto, é participada. Ora, como o participante é posterior ao ser que existe por essência, assim também o é o próprio participado. P. ex., o fogo, matéria ígnea, é posterior, ao que é fogo por essência. Ora, já demonstramos que Deus é o ser absolutamente primeiro [vii].

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A divindade é chamada ser de todos os seres, efectiva e exemplarmente, e não, por essência.

RESPOSTA A SEGUNDA. — O verbo é forma exemplar; mas não é forma como parte de um composto.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os seres simples, ao contrário dos compostos, não diferem entre si senão pelo que são. Assim, o homem e o cavalo diferem entre si, por ser aquele racional e este irracional; mas essas diferenças não mais diferem entre si, por outras. Por onde, em rigor de expressão, não se dirá propriamente — diferem, mas — são diversos. Pois, segundo o Filósofo [viii], a palavra — diverso — se emprega em sentido absoluto; ao passo que todo ser diferente de outro, difere por alguma coisa. Por isso, rigorosamente falando, a matéria-prima e Deus não diferem, mas são diversos entre si. Donde, não se segue que sejam idênticos.


[i] Cael. Hier., cap. 4.
[ii] Serm. Ad Popul., 117 (al. De Verbis Dom., 38)
[iii] de Div. Nom., cap. 2.
[iv] VII de Civitate Dei, c. 6
[v] Q. 2, a. 3.
[vi] Art. 1.
[vii] Q. 2, a. 3.
[viii] X Metaphys., c. 3

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