07/02/2011

LITURGIA DAS HORAS

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CAPITULO III

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
DA LITURGIA DAS HORAS

I. OS SALMOS
E A SUA RELAÇÃO COM A ORAÇÃO CRISTÃ

100. Na Liturgia das Horas, a Igreja utiliza, em grande parte, para sua oração aqueles belíssimos hinos que, sob a inspiração do Espírito Santo, foram compostos pelos autores sagrados do Antigo Testamento. Por sua própria origem, os salmos possuem, de facto, a virtude de elevar para Deus o espírito dos homens, de excitar neles santos e piedosos afectos, de os ajudar admiravelmente a dar graças na prosperidade, de os consolar e robustecer na adversidade.



101. Todavia, os salmos não encerram mais que uma sombra daquela plenitude dos tempos que se revelou em Cristo Senhor e da qual tira a oração da Igreja todo o seu valor. Por esse motivo, não admira que, apesar da elevada estima em que os salmos são tidos por todos os cristãos, surjam por vezes certas dificuldades quando alguém pretende fazer seus estes poemas venerandos, servindo-se deles para orar.



102. Porém, o Espírito Santo, que inspirou os salmistas a cantá-los, não deixa nunca de assistir com a sua graça aqueles que, animados de fé e boa vontade, salmodiam estes sagrados hinos. Além disso, é necessário que todos, na medida das suas forças, procurem «adquirir uma formação bíblica o mais rica possível, sobretudo quanto aos salmos»1, e aprendam também a maneira de fazer da salmodia sua oração pessoal.



103. Os salmos nem são leituras nem orações em prosa, mas poemas de louvor. Por isso, embora admitindo que às vezes tenham sido recitados em forma de leitura, todavia, dado o seu género literário, com razão são designados em hebraico pelo termo Tehillim, quer dizer, «cânticos de louvor”, e em grego psalmói, ou seja «cânticos acompanhados ao som do saltério». De facto, todos os salmos possuem um certo carácter musical, que determina o modo como devem ser executados. E assim, mesmo quando o salmo é recitado sem canto, ou até individualmente ou em silêncio, a sua recitação terá de conservar este carácter musical. Apresentando embora um texto ao nosso espírito, ele visa principalmente a excitar os corações dos que os salmodiam ou escutam, e mesmo dos que os acompanham «ao som do saltério e da cítara».



104. Aquele que salmodia sabiamente irá percorrendo versículo a versículo, meditando um após outro, de coração sempre pronto a responder como o quer o Espírito que inspirou o salmista e assistirá igualmente os homens piedosos que estão dispostos a receber a sua graça. Eis o motivo por que a salmodia, conquanto reclame a reverência devida à majestade divina, deve desenrolar-se na alegria do coração e doçura da caridade, como convém à poesia sacra e ao canto divino e sobretudo à liberdade dos filhos de Deus.



105. As palavras dos salmos ajudam-nos muitas vezes a orar com mais facilidade e fervor, quer dando graças e glorificando a Deus na exaltação, quer suplicando desde as profundezas da nossa angústia. Mas também pode por vezes acontecer — mormente quando o salmo não fala directamente a Deus — que surja uma ou outra dificuldade. É que o salmista, como poeta que é, umas vezes dirige-se ao povo a recordar-lhe a história de Israel; outras vezes, são outros que ele interpela, inclusive as próprias criaturas irracionais; outras ainda, introduz a falar Deus e os homens, ou até, como no salmo segundo, os próprios inimigos de Deus. Donde se infere que o salmo constitui um tipo de oração muito diferente de uma prece ou de uma colecta de composição eclesiástica. Além disso, a natureza poética e musical dos salmos não implica que se dirijam necessariamente a Deus, mas sim que sejam cantados na presença de Deus, como adverte S. Bento: «Consideremos a maneira como havemos de estar na presença da Divindade e dos seus Anjos; e, ao salmodiar, guardemos uma atitude tal que o nosso espírito concorde com a nossa voz»2.



106. Aquele que salmodia abre o coração aos sentimentos que o salmo inspira, consoante o género literário de cada um deles: canto de lamentação, de confiança, de acção de graças, etc., géneros a que os exegetas costumam dar justo relevo.



107. Atendo-se ao sentido literal dos salmos, aquele que os salmodia procurará relacionar o texto com a vida humana dos crentes. Cada salmo, como é sabido, foi composto em determinadas circunstâncias a que os próprios títulos do saltério hebraico fazem alusão. Seja qual for, porém, a sua origem histórica, cada salmo tem um sentido literal que, mesmo em nossos dias, não podemos menosprezar. E, se bem que estes poemas tenham nascido no Oriente, há muitos séculos, eles traduzem de forma adequada a dor e a esperança, a miséria e a confiança dos homens de todos os tempos e regiões; cantam sobretudo a fé em Deus, bem como a revelação e a redenção.



108. Na Liturgia das Horas, quem salmodia não o faz tanto em seu próprio nome como em nome de todo o Corpo Místico de Cristo, e até na pessoa do próprio Cristo. Se tivermos isto em conta, desaparecem as dificuldades que possam surgir para quem salmodia, caso os seus sentimentos íntimos se sintam em desacordo com os afectos expressos num salmo. Por exemplo: quando a uma pessoa triste e angustiada se depara um salmo de jubilação, ou, ao contrário, quando a alguém que se sente feliz aparece um salmo de lamentação. No caso da oração estritamente privada, esta discordância pode evitar-se, uma vez que pode escolher um salmo mais condizente com os sentimentos pessoais. No caso, porém, do Ofício divino, a salmodia não tem carácter privado, mesmo que alguém recite as Horas sozinho; o ciclo dos salmos, oficialmente estabelecido, é recitado em nome da Igreja. Ora, salmodiando em nome da Igreja, podem-se encontrar sempre motivos de alegria ou de tristeza, pois aqui tem aplicação a palavra do Apóstolo: «Alegrar-se com os que se alegram, chorar com os que choram» (Rom 12,1). Deste modo, a fragilidade humana, ferida pelo amor próprio,
recupera a saúde pela caridade que faz com que o espírito concorde com a voz de quem salmodia.3



109. Quem salmodia em nome da Igreja deverá captar o sentido pleno dos salmos, particularmente o sentido messiânico, pois foi este o que levou a Igreja a adoptar o Saltério. Este sentido messiânico aparece-nos em toda a sua clareza no Novo Testamento, e o próprio Cristo Senhor o apontou expressamente aos Apóstolos quando lhes disse: «É preciso que se cumpra tudo quanto está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos» (Lc 24,44). Exemplo conhecidíssimo deste sentido messiânico, temo-lo naquele diálogo referido por S. Mateus a respeito do Messias, Filho de David e seu Senhor,4 em que o salmo 109 é aplicado ao Messias. Nesta mesma ordem de ideias, os Santos Padres admitiram e explicaram todo o Saltério como profecia referente a Cristo e à Igreja. E é dentro deste mesmo critério que os salmos têm sido utilizados na sagrada Liturgia. E, se bem que, por vezes, se tenham aceitado interpretações algo retorcidas, no geral, é legítima a interpretação quer dos Santos Padres quer da Liturgia, que nos salmos ouviram Cristo a clamar ao Pai ou o Pai a dirigir-se ao Filho, ou reconhecem neles até a voz da Igreja, dos Apóstolos e dos Mártires. Este método de interpretação também floresceu durante a Idade Média. De facto, numerosos códices do Saltério escritos nesta época, no título anteposto a cada salmo era apontado, para uso dos que os rezavam, o sentido cristológico. Esta interpretação cristológica não se restringiu unicamente aos salmos considerados messiânicos, mas estendia-se a muitos outros casos, num sentido acomodatício é certo, mas aceite pela tradição da Igreja. Na salmodia dos dias festivos, de modo particular, foi o sentido cristológico que presidiu à escolha dos salmos. Este sentido é com frequência posto em relevo nas antífonas, tiradas dos mesmos salmos.





1 Conc. Vat. II, Const. sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium,
n. 90.
2 Regula monasteriorum, c. 19.
3 Cf. S. Bento, Regula monasteriorum, c. 19.
4 Mt 22, 44 ss.







Retirado do site do Secretariado Nacional de Liturgia
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