07/02/2011

ENTRE SEXO E GÉNERO

Observando


O que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à dualidade sexual

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Tem sido noticiada a proposta dos partidos de esquerda para que na redacção do artigo 13.º da Constituição da República, onde se consagra o princípio da igualdade e não discriminação e se faz referência ao sexo como um dos motivos de discriminação arbitrária, essa palavra seja substituída por género. Tornou-se corrente, na verdade, a expressão igualdade de género para designar algo que anteriormente era designado como igualdade entre sexos ou igualdade entre homem e mulher. Não se trata, no entanto, de uma simples e anódina actualização linguística. É bom alertar para o alcance ideológico da modificação: exigem-no a honestidade e transparência próprias de uma democracia autêntica. Uma questão fracturante está longe de merecer o consenso alargado próprio de um texto constitucional.

Estamos perante uma agenda de afirmação ideológica. Está em causa a afirmação da chamada ideologia do género (gender theory) e a sua tradução no plano legislativo. Parte esta teoria da distinção entre sexo e género. O sexo representa a condição natural e biológica da diferença física entre homem e mulher. O género representa uma construção histórico-cultural. Há apenas dois sexos: o masculino e o feminino. Há cinco géneros (ou até mais, de acordo com outras versões): o heterossexual masculino e feminino, o homossexual masculino e feminino e o bissexual. O sexo é um facto empírico, real e objectivo que se nos impõe desde o nascimento. A identidade de género constrói-se através de escolhas psicológicas individuais, expectativas sociais e hábitos culturais, e independentemente dos dados naturais. Para estas teorias, o género assim concebido deve sobrepor-se ao sexo assim concebido. E como o género é uma construção social, este pode ser desconstruído e reconstruído. As gender theories sustentam a irrelevância da diferença sexual na construção da identidade de género e, por consequência, também a irrelevância dessa diferença na relações interpessoais, nas uniões conjugais e na constituição da família. Daqui surge a equiparação entre uniões heterossexuais e uniões homossexuais. Ao modelo da família heterossexual sucedem-se vários tipos de "família", tantos quantas as preferências individuais e para além de qualquer "modelo" de referência.

É um novo paradigma antropológico, uma verdadeira "revolução cultural" que representa a ruptura com a matriz judaico-cristã da nossa cultura ("Homem e mulher os criou" - afirma o Génesis), mas também com um dado intuitivo da razão universal (A espécie humana não se divide entre heterossexual e homossexual, mas entre homens e mulheres - afirmou a propósito o político socialista francês Lionel Jospin).

Pretende-se impor esta ruptura desde cima, desde as instâncias do poder. Ela não surge espontaneamente da sociedade civil e da mentalidade corrente. Pretende-se transformar através da política e do direito essa mentalidade. E o que está em causa não é um aspecto secundário, mas referências culturais fundamentais relativas à relevância da dualidade sexual. Admitir que a Lei sirva propósitos destes, numa pretensa engenharia social, revela tendências mais próprias de um Estado totalitário do que de um Estado respeitador da autonomia da sociedade civil.

Pedro Vaz Patto

Juiz
Fonte: Público, Sábado, Fevereiro 05, 2011

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