24/10/2018

Leitura espiritual

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LEGENDA MAIOR 

Vida de São Francisco de Assis

CAPITULO 6

Humildade e obediência, favores com que Deus o cumulava

1. A humildade, defesa e ornamento de todas as virtudes, havia cumulado o homem de Deus de bens superabundantes. Aos próprios olhos, era apenas um pobre pecador. Na realidade, porém, era o espelho resplendente de toda santidade.
Como um arquitecto prudente (cf. 1Cor 3,10), que começa pelas fundações, ele se empenhou. de corpo e alma a construir unicamente  sobre a humildade, conforme aprendera de Cristo. “O Filho de Deus, dizia ele, deixando o seio do Pai, desceu das alturas do céu até a nossa miséria para nos ensinar a humildade, Ele, que é o Senhor e o Mestre, tanto pelo exemplo quanto pela palavra”.
Por isso, como verdadeiro discípulo de Cristo, procurava diminuir-se aos próprios olhos e dos demais, recordando as palavras do Mestre: “O que para os homens é estimável, é abominável perante Deus(Lc 16,15).
E gostava de repetir esta máxima: “O homem é o que é diante de Deus, nem mais nem menos”.
Por isso considerava insensatez consumada envaidecer-se alguém com os favores do mundo, o conforme essa doutrina, se alegrava particularmente com as ofensas que recebia e se entristecia quando alguém o louvava. Pois preferia ouvir a seu respeito vitupérios e não louvores, sabendo que aqueles contribuíam eficazmente para sua própria emenda, enquanto os louvores poderiam causar-lhe algum dano à alma.
Segundo esse princípio, quando as pessoas exaltavam a sua elevada santidade, costumava ordenar a um dos irmãos que, sem receio, lhe dirigisse palavras de desprezo e humilhação. E quando o religioso, forçado pela obediência, o chamava de rústico, grosseiro, homem iletrado ou inútil para tudo, cheio de santa alegria, que se reflectia em seu semblante, Francisco lhe respondia: “Bendiga-te o Senhor, meu filho, pois és o único que dizes a verdade, e são estas as palavras que sempre deveria ouvir o filho de Pedro Bernardone”.

2. E para fazer-se desprezível aos outros, não hesitava, nas viagens de pregação que fazia, de revelar a todo o povo os seus próprios defeitos.
Um dia, doente e sem mais energias, viu-se obrigado a suavizar um pouco os rigores de seu jejum a fim de recuperar a saúde. Assim que recobrou as forças, não perdeu tempo em se expor ao desprezo dos outros, tanto ele mesmo se desprezava:
“Não é justo que as pessoas me tomem por um homem mortificado, enquanto ocultamente cuido de mim com demasiadas regalias”.
Levantou-se então imediatamente, impelido pelo espírito de santa humildade, e tendo convocado o povo para a praça da cidade de Assis, entrou na catedral com grande solenidade, acompanhado de muitos irmãos que trouxera consigo. Atou uma corda ao pescoço e nu, sem outras roupas que as necessárias para o decoro, apresentou-se diante de todos e em seguida ordenou que o conduzissem ao pelourinho onde era costume manter os criminosos que deveriam ser executados.
Subiu ao pelourinho, e no maior rigor do inverno e apesar de estar ardendo em febre e extremamente fraco, pregou com grande fervor de espírito, falando a seus ouvintes que não deveriam honrá-lo como se fosse um homem espiritual, mas desprezá-lo como um glutão e carnal.
Todos os assistentes, cheios de admiração diante desse espectáculo extraordinário e profundamente edificados, pois conheciam muito bem a sua austeridade, proclamaram que semelhante humildade era mais admirável do que imitável.
Suponhamos que se trate de uma dessas acções simbólicas habituais entre os profetas (cf. Is 20,3), e não propriamente um exemplo; assim mesmo, temos aí uma bela lição de humildade perfeita em que o discípulo de Cristo ensina que ele deve desprezar todos os testemunhos do louvor passageiro, reprimir toda vaidade e pretensão e depor a máscara da simulação hipócrita.

3. Muitas vezes praticava acções dessa espécie a fim de parecer externamente como um desses vasos de perdição e dessa forma ter em si o espírito de santificação. Quando as multidões o aclamavam, dizia: “Ainda poderei ter filhos e filhas: não me louveis como se já estivesse a salvo. Não se deve louvar a ninguém quando não se sabe como há de terminar”.
Falava assim aos seus admiradores. Mas a si mesmo dizia: “Francisco, se o Senhor houvesse conferido ao mais desalmado ladrão os dons que recebeste, saberia agradecê-los e corresponderia muito mais do que tu”.
Muitas vezes dizia assim aos irmãos:
“Ninguém deve iludir-se exaltando-se injustamente por coisas que também um pecador pode realizar. Pois um pecador pode jejuar, orar, chorar e disciplinar a própria carne. E só isto não pode fazer: ser fiel ao seu Senhor. Por isso devemos gloriar-nos somente nestes casos: rendendo a Deus a glória que lhe é devida; servindo-o com fidelidade; atribuindo-lhe tudo o que lhe pertence”.

4. Como o comerciante de que fala o Evangelho, querendo Francisco ganhar sempre mais e tornar produtivo cada um dos seus instantes, procurou ser súbdito e não superior, obedecer e não mandar; por essa razão, renunciou ao cargo de superior geral, pedindo um guardião a cuja vontade se submeteu em todas as circunstâncias.
Com efeito, dizia ele, o fruto da santa obediência é tão abundante, que nenhuma fracção de tempo transcorre sem vantagem para aqueles que submetem a cerviz ao jugo da obediência. Por isso tinha o hábito de prometer sempre obediência ao irmão com quem viajava e de observá-la.
Certa vez disse aos companheiros: “Entre os benefícios que Deus me concedeu em sua bondade, obtive a graça de estar pronto a obedecer com igual solicitude a um noviço de uma hora que me fosse dado como guardião como ao irmão mais antigo e mais experimentado. Um súbdito não deve considerar em seu superior o homem, mas aquele por amor do qual ele aceitou obedecer. Quanto menos digno o superior, tanto mais agrada a Deus a humildade daquele que obedece”.
Aos irmãos que lhe perguntavam um dia como reconhecer o religioso verdadeiramente obediente, propôs ele em parábola o exemplo do cadáver: “Tomai, disse ele, um corpo que a alma abandonou e colocai-o em qualquer lugar. Vereis que se o moverdes, não se há de opor; se o deixardes cair, não protestará; se o colocardes numa cátedra, não dirigirá seus olhos para o alto, mas para o mais baixo da terra; se o adornardes com vestido de púrpura, só aumentareis sua palidez cadavérica. Tal o verdadeiro obediente: não julga por que o movem de um lado para outro, não se preocupa com o lugar onde o coloquem, não insiste para que o removam de um convento para outro; se é elevado a um ofício honroso, conserva sua costumeira humildade, e quanto mais honrado se vê, tanto mais indigno se julga de toda honra”.

5. Um dia disse a um companheiro seu: “Não me julgarei nunca um verdadeiro irmão menor, enquanto não chegar ao estado de espírito que te vou descrever. Imagina que eu sou o superior de meus irmãos, vou ao capítulo, faço um sermão, dou meus conselhos e quando termino, alguém me diz: ‘Não tens o que é necessário para ficar connosco; não tens estudos, não és eloquente, não tens cultura, e és idiota e simples!’ E sou expulso vergonhosamente, desprezado de todos. Pois bem, se não ouvisse todos esses impropérios com igual serenidade de semblante, com a mesma alegria da alma e com igual tranquilidade de espírito como se fossem louvores, não seria certamente irmão menor”.
E não contente com isso acrescentava: “Uma dignidade é uma ocasião de queda; o louvor é um precipício escancarado; mas o lugar de súbdito é fonte de méritos para a alma. Por que desejar os riscos e não as vantagens, uma vez que é para nos enriquecer que o tempo nos foi dado?”
Compreende-se pois por que Francisco, modelo de humildade, quis que seus irmãos fossem chamados “frades menores”, e os superiores da Ordem “servos”, para assim empregar os próprios termos do Evangelho (cf. Mt 25,45) que ele aceitou seguir e ensinar a seus discípulos, recordando-lhes que haviam entrado na escola de Cristo de coração humilde precisamente para dele aprenderem a humildade. Jesus Cristo efectivamente, para ensinar a seus discípulos a santa humildade, havia dito:
Aquele dentre vós que quiser ser o maior deve fazer-se servidor de todos, e aquele de vós que quiser ser o primeiro, seja vosso servo(Mt 20,26-27).
Certo dia, falava o servo de Deus com o cardeal bispo de Óstia, protector e principal propagador da Ordem dos Frades Menores, que mais tarde, segundo a profecia do santo, chegou a ser Pontífice Romano, com o nome de Gregório IX.
Este perguntou-lhe se desejava que seus irmãos fossem promovidos às dignidades eclesiásticas, e Francisco respondeu-lhe: “Senhor, meus irmãos se chamam precisamente ‘menores’ para que nunca presumam elevar-se a coisas maiores. Se quereis, pois, que dêem fruto abundante na Igreja de Deus, deixai-os e conservai-os no estado de sua própria vocação e não permitais de modo algum que sejam promovidos aos honrosos cargos da Igreja”.

São Boaventura

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por AMA)

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