CAPÍTULO V
O SUBLIME CONHECIMENTO DE CRISTO
3.
«A
fé termina nas coisas»
…/2
Devemos passar da atenção à essência da pessoa, para a atenção à existência da pessoa de Cristo.
Eis como um filósofo
contemporâneo descreveu aquilo que produz a descoberta improvisada da
existência das coisas:
«Eu estava – escreve ele –
num jardim público. As raízes do castanheiro aprofundavam-se na terra, mesmo
debaixo do meu assento. Não me lembrava já que eram raízes.
As palavras tinham
desaparecido e, com elas, o significado das coisas, os modos do seu uso, os
ténues sinais de distinção que os homens gravaram sobre a sua superfície.
Estava sentado, um pouco
curvado, com a cabeça inclinada para o chão, sozinho diante daquela massa
enorme, nodosa e tão feia que me causava medo. E depois aquele lampejo de
iluminação. Fiquei sem respiração.
Nunca, até então, eu tinha
pressentido o significa “existir”, afinal era como os outros, como aqueles que
passeavam na praia do mar, vestidos de festa.
Também eu dizia como eles:
«O mar é verde; aquele ponto
branco acolá é uma gaivota»; mas eu não sentia que isso existia, que a gaivota
era uma gaivota existente»; habitualmente a existência esconde-se.
Mas ela está aqui, junto de
nós, não se podem dizer duas palavras sem falar dela e, afinal, não a
apalpamos.
Quando eu julgava que
pensava nela, evidentemente não pensava em nada, tinha a cabeça vazia, ou tinha
na cabeça somente uma palavra, apalavra “existir”…E depois, de repente, eis que
estava ali, límpida coo o dia: a existência tinha-se improvisadamente revelado»
[i]
Para se conhecer Cristo em
pessoa, Ele mesmo, “em carne e osso”, é preciso passar por uma experiência
semelhante.
Temos que nos aperceber que
Ele existe.
Isto, de facto, não é
possível somente em relação às raízes de um castanheiro, ou seja, com qualquer
coisa que se vê e se apalpa, mas, pela fé, também com as coisas que não se vêm
e com o próprio Deus.
Foi assim que numa noite o
crente B. Pascal descobriu o Deus vivo de Abraão e O recordou, com breves e inflamadas
frases de exclamação:
«Deus de Abraão, Deus de
Isaac, Deus de Jacob, não dos filósofos e dos eruditos.
Ele não Se encontra senão
através do Evangelho.
Certeza. Sentimento.
Alegria. Paz.
Naquela noite, Deus tinha-Se
tornado para ele “realidade activa”.
Uma pessoa “que respira”,
como lhe chama P. Claudel.
4.
O
Nome e o Coração de Jesus
Como
é possível fazer uma experiência deste tipo?
Depois
de, durante muito tempo e com todos os métodos, ter procurado atingir o ser das
coisas e de lhes arrancar, por assim dizer, o seu mistério, uma corrente de
filosofia existencial teve que se render e reconhecer (aproximando-se assim sem
o saber do conceito cristão de graça) que a única maneira, para que tal possa
acontecer, é que o próprio ser se revele e venha por sua iniciativa, ao
encontro do homem.
E o
lugar onde isto pode acontecer é na linguagem, que é uma espécie de “casa do
ser”.
Ora,
isto é verdade certamente, se, por “ser”, entendemos dizer o Ser (Deus, ou
Cristo ressuscitado) e por “linguagem” entendemos dizer a palavra ou o kerigma.
Cristo
ressuscitado em pessoa revela-Se-nos e nós podemos encontrá-Lo pessoalmente na
Sua palavra.
Esta
é verdadeiramente a Sua “casa”, cuja porta é aberta pelo Espírito Santo aos que
a ela batem.
No
Apocalipse, Ele vai ao encontro da Igreja, dizendo:
Ressoam
também agora, depois que morreu e ressuscitou, aquelas palavras de Cristo:
«Eu Sou!»
Quando
Deus Se a presentou a Moisés com estas palavras, o seu significado parece ter
sido: «Eu estou», ou seja, existo para vós; não sou mais um dos muitos deuses
ou ídolos que têm boca, mas não falam, que têm olhos, mas não vêm. Eu existo
verdadeiramente.
Jesus
Cristo diz o mesmo agora.
Pudéssemos
nós aperceber-nos disto e fazer esta experiência como afez S. Paulo:
«Quem
és Tu, Senhor? Eu sou Jesus»!
Então
a nossa fé mudaria e tornar-se-ia contagiosa.
Descalçaríamos
as sandálias, como fez Moisés naquele dia, e diríamos como Job:
Também
nós ficaríamos sem respiração!
Tudo
isto é possível
Não
se trata de exaltação mística já que se fundamenta sobre um dado objectivo que
é a promessa de Cristo:
«Ainda
um pouco – dizia Jesus aos discípulos na Última Ceia – e o mundo não Me verá
mais. Vós, porém, ver-me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis» [v].
Depois
da Sua ressurreição e ascensão ao Céu – porque é a este tempo que Jesus Se
refere – os discípulos verão Jesus com uma visão nova, espiritual e interior,
mediante a fé, mas de tal modo real que Jesus pôde dizer simplesmente:
«Vós
ver-Me-eis».
E a
explicação de tudo isto é que Ele «vive».
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
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