Art.
4 — Se o corpo de Cristo devia ressuscitar com cicatrizes.
O quarto discute-se assim. —
Parece que o corpo de Cristo não devia ressuscitar com cicatrizes.
1. — Pois, diz o Apóstolo, que os mortos
ressuscitarão incorruptíveis. Ora, tanto as cicatrizes como as feridas implicam
de certo modo corrupção e defeito. Logo, Cristo autor da ressurreição, não
devia ressuscitar com cicatrizes.
2. Demais. — O corpo de Cristo ressuscitou
íntegro. Ora, feridas abertas contrariam a integridade do corpo, pois causam
nele descontinuidade. Donde, parece que o corpo de não devia Cristo conservar
quaisquer aberturas de feridas, embora nele se conservassem certos sinais
delas, suficientes para percebê-las a vista pela qual Tomé acreditou, ele a
quem foi dito: Tu creste, Tomé, porque me
viste.
3. Demais. — Damasceno diz: Depois da ressurreição de Cristo, certas
causas atribuímos-lhe, como as cicatrizes em sentido próprio, não porém segundo
a natureza, senão só excepcionalmente, para significar que o mesmo corpo que
sofreu foi também o que ressuscitou. Ora, cessada a causa, cessa o efeito.
Donde, parece que uma vez certificados os discípulos da sua ressurreição, não
era já necessário que conservasse as cicatrizes. Mas não convinha à
imutabilidade da sua glória, que assumisse qualquer causa que perpetuamente
nele não existisse. Logo, parece que não devia, ressuscitar, assumindo um corpo
com cicatrizes. Mas, em contrário, o Senhor diz a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e
mete-a no meu lado.
Devia a alma de Cristo, na
ressurreição, reassumir o seu corpo com as cicatrizes. — Primeiro,
por causa da própria glória de Cristo. Assim,
como diz Beda, conservou as cicatrizes,
não por não as poder fazer desaparecer, mas a fim de manifestar a todos e
perpetuamente o triunfo da sua vitória. E por isso diz Agostinho, que talvez no reino celeste veremos nos corpos
dos mártires as cicatrizes das feridas, que sofreram pelo nome de Cristo. O que
lhes constituirá, não uma deformidade, mas uma dignidade; e então há de
refulgir neles a beleza da virtude existente no corpo, mas sem ser do corpo. — Segundo,
para confirmar o coração dos discípulos na fé da sua
ressurreição. — Terceiro, para mostrar sempre, ao orar ao Pai por
nós, que género de morte sofreu pelo homem. — Quarto, para relembrar
incessantemente àqueles a quem resgatou com a morte, a misericórdia de que usou
para com eles. — E enfim, para também desse modo mostrar, no juízo,
aos condenados, quão justamente o foram. Pois,
como diz Agostinho, Cristo sabia porque
queria conservar no seu corpo as cicatrizes. Porque, assim como as mostrou a Tomé, que não queria crer senão
tocando-as e vendo-as, assim também há de mostrar, mesmo aos seus inimigos, as
suas feridas, para que a Verdade, ao confundi-las, lhes declare: Eis o homem a
quem crucificaste. Vedes as feridas que me causastes. Reconhecei o lado que
trespassastes — aberto por vós e por causa vossa, sem, contudo, nele
terdes querido entrar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Essas cicatrizes que permaneceram no corpo de Cristo, não implicam nenhuma
corrupção nem qualquer defeito, mas um maior cúmulo de glória, como uns sinais
da sua virtude. E nesses lugares das feridas se manifestará um esplendor
especial.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora essas
feridas abertas impliquem uma certa solução de continuidade, tudo isso é
recompensado, porém por um maior esplendor da glória, de modo que o corpo longe
de perder da sua integridade, mais perfeito se tornará. Tomé, porém, não só
viu, mas também tocou as feridas; porque, como diz Leão Papa, bastava-lhe à sua fé ter insto o que vira;
mas foi em nosso proveito o ter tocado aquele a quem via.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo quis que
as cicatrizes permanecessem no seu corpo, não só para certificar a fé dos
discípulos, mas ainda por outras razões. Donde se conclui que essas cicatrizes
sempre lhe permaneceram no corpo. Pois, diz Agostinho: Creio que o corpo do Senhor está no céu como existia quando a ele
subiu. E Gregório diz, se alguma
causa podia mudar-se no corpo de Cristo, depois da ressurreição, o Senhor podia
voltar a morrer, depois de ressuscitado — contra a afirmação
verídica de Paulo. Mas quem com estultícia ousará dizê-lo, senão quem negar a
verdadeira ressurreição da carne? Donde é claro que as cicatrizes que Cristo
mostrava no seu corpo, depois da ressurreição, nunca mais se deliram
dele.
Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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