Leitura Espiritual
Cristo que passa |
São Josemaria Escrivá
129
Permiti-me narrar um facto
da minha vida pessoal, ocorrido já há muitos anos.
Certo dia, um amigo de bom
coração, mas que não tinha fé, disse-me, indicando um mapa-mundi:
- Ora veja, de norte a sul
e de leste a oeste.
- Que queres que eu veja?
- O fracasso de Cristo.
Tantos séculos a procurar
meter na vida dos homens a sua doutrina, e veja os resultados.
Num primeiro momento,
enchi-me de tristeza: é uma grande dor, efectivamente, considerar que são
muitos os que ainda não conhecem o Senhor e que, entre aqueles que O conhecem,
são muitos também os que vivem como se O não conhecessem.
Mas essa impressão durou
apenas um instante, para logo dar lugar ao amor e à acção de graças, porque
Jesus quis que cada um dos homens fosse cooperador livre da sua obra redentora.
Cristo não fracassou: a
sua doutrina está continuamente a fecundar o Mundo.
A redenção realizada por
Ele é suficiente e superabundante.
Deus não quer escravos,
mas sim filhos e, portanto, respeita a nossa liberdade.
A salvação continua e nós
participamos dela: é vontade de Cristo que - segundo as palavras fortes de S.
Paulo - cumpramos na nossa carne, na nossa vida, o que falta à sua Paixão, pro Corpore eius, quod est Ecclesia, em
benefício do seu corpo, que é a Igreja.
Vale a pena jogar a vida,
entregar-se por inteiro, para corresponder ao amor e à confiança que Deus
deposita em nós.
Vale a pena, acima de
tudo, que nos decidamos a tomar a sério a nossa fé cristã.
Quando recitamos o Credo,
professamos crer em Deus Pai Todo-Poderoso, em seu Filho Jesus Cristo que
morreu e foi ressuscitado, no Espírito Santo, Senhor que dá a vida.
Confessamos que a Igreja
una, santa, católica e apostólica, é o corpo de Cristo, animado pelo Espírito
Santo.
Alegramo-nos com a
remissão dos nossos pecados e com a esperança da futura ressurreição.
Mas, essas verdades
penetrarão até ao fundo do coração ou ficarão apenas nos lábios?
A mensagem divina de
vitória, alegria e paz do Pentecostes deve ser o fundamento inquebrantável do
modo de pensar, de reagir e de viver de todo o cristão.
130
Força de Deus e fraqueza
humana
Non est abbreviata manus Domini, a mão de Deus não diminuiu; Deus não é
menos poderoso hoje do que em outras épocas, nem é menos verdadeiro o seu amor
pelos homens.
A nossa fé ensina-nos que
a criação inteira, o movimento da Terra e dos astros, as acções rectas das
criaturas e tudo quando há de positivo no decurso da História, tudo, numa
palavra, veio de Deus e a Deus se ordena.
A acção do Espírito Santo
pode passar-nos despercebida, porque Deus não nos dá a conhecer os seus planos
e porque o pecado do Homem turva e obscurece os dons divinos.
Mas a Fé recorda-nos que o
Senhor age constantemente:
Ele é que nos criou e nos
conserva no ser; Ele, com a sua graça, conduz a criação inteira para a
liberdade da glória dos filhos de Deus.
Por isso, a Tradição
cristã resumiu a atitude que devemos adoptar para com o Espírito Santo num só
conceito: docilidade.
Sermos sensíveis àquilo
que o Espírito divino promove à nossa volta e em nós mesmos: aos carismas que
distribui, aos movimentos e instituições que suscita, aos efeitos e decisões
que faz nascer nos nossos corações...
O Espírito Santo realiza
no Mundo as obras de Deus. Como diz o hino litúrgico, é dador das graças, luz
dos corações, hóspede da alma, descanso no trabalho, consolo no pranto.
Sem a sua ajuda nada há no
homem que seja inocente e valioso, pois é Ele que lava o que está sujo, que
cura o que está doente, que aquece o que está frio, que corrige o extraviado,
que conduz os homens ao porto da salvação e do gozo eterno.
Mas esta nossa fé no
Espírito Santo deve ser plena e completa. Não é uma crença vaga na sua presença
no mundo; é uma aceitação agradecida dos sinais e realidades a que quis
vincular a sua força de um modo especial.
Quando vier o Espírito de Verdade - anunciou Jesus - Ele Me glorificará, porque receberá do que é
meu e vo-lo anunciará.
O Espírito Santo é o
Espírito enviado por Cristo, para operar em nós a santificação que Ele nos
mereceu para nós na Terra.
É por isso que não pode
haver fé no Espírito Santo, se não houver fé em Cristo, na doutrina de Cristo,
nos sacramentos de Cristo, na Igreja de Cristo.
Não é coerente com a fé
cristã, não crê verdadeiramente no Espírito Santo, quem não ama a Igreja, quem
não tem confiança nela, quem se compraz apenas em mostrar as deficiências e
limitações dos que a representam, quem a julga por fora e é incapaz de se
sentir seu filho.
E sou levado a considerar
até que ponto será extraordinariamente importante e abundantíssima a acção do
Divino Paráclito enquanto o sacerdote renova o sacrifício do Calvário, quando
celebra a Santa Missa nos nossos altares.
131
Nós, os cristãos, trazemos
em vasos de barro os grandes tesouros da graça:
Deus confiou os seus dons
à frágil e débil liberdade humana e, embora a sua força certamente nos assista,
a nossa concupiscência, o nosso comodismo e o nosso orgulho repelem-na por
vezes e levam-nos a cair em pecado.
Em muitas ocasiões, de há
mais de um quarto de século para cá, ao recitar o Credo e ao afirmar a minha fé
na divindade da Igreja, una, santa, católica e apostólica, costumo acrescentar:
apesar dos pesares.
Quando alguma vez me
acontece comentar este costume e alguém me pergunta a que quero referir-me,
respondo: aos teus pecados e aos meus.
Tudo isto é certo, mas não
autoriza de maneira nenhuma a julgar a Igreja por critérios humanos, sem fé
teologal, atendendo apenas ao maior ou menor valor de certos eclesiásticos ou
de certos cristãos. Proceder assim é ficar à superfície.
O mais importante na
Igreja não é ver como correspondemos nós, os homens, mas sim o que Deus
realiza.
A Igreja é isto mesmo:
Cristo presente entre nós; Deus que vem até à humanidade para a salvar,
chamando-nos com a sua revelação, santificando-nos com a sua graça,
sustentando-nos com a sua ajuda constante, nos pequenos e grandes combates da
vida de todos os dias.
Podemos chegar a
desconfiar dos homens, e cada um está obrigado a desconfiar pessoalmente de si
mesmo e a concluir cada um dos seus dias com um mea culpa, com um acto de contrição profundo e sincero. Mas não
temos o direito de duvidar de Deus.
E duvidar da Igreja, da
sua origem divina, da eficácia salvífica da sua pregação e dos seus
sacramentos, é duvidar do próprio Deus; é não acreditar plenamente na realidade
da vinda do Espírito Santo.
Antes de Cristo ser crucificado, - escreve S. João Crisóstomo - não havia nenhuma reconciliação. E, enquanto
não houve reconciliação, não foi enviado o Espírito Santo...
A ausência do Espírito Santo era sinal da ira divina.
Agora que O vês enviado em plenitude, não duvides da
reconciliação. Mas, se perguntarem: onde está agora o Espírito Santo?
Falar da sua presença quando se davam milagres, quando eram
ressuscitados os mortos e curados os leprosos, era possível; mas como saber,
agora, que está deveras presente?
Não vos preocupeis. Hei-de demonstrar-vos que o Espírito Santo
está também agora entre nós...
Se não existisse o
Espírito Santo, não poderíamos dizer Senhor, Jesus, pois ninguém pode invocar
Jesus como Senhor senão no Espírito Santo (I Cor. 12,3).
Se não existisse o
Espírito Santo, não poderíamos orar com confiança, porque ao rezar dizemos Pai
Nosso, que estais nos Céus (Mat. 6,9).
Se não existisse o
Espírito Santo, não poderíamos chamar Pai a Deus. Como sabemos isso?
É porque o Apóstolo nos
ensina:
E, porque somos filhos, Deus mandou aos nossos corações o Espírito
do seu Filho, que clama: Abba Pai (Gal, 4,6).
Portanto, quando invocares
Deus Pai, recorda-te de que foi o Espírito Santo que, ao mover a tua alma, te
deu essa oração.
Se não existisse o
Espírito Santo, não haveria na Igreja palavra alguma de sabedoria ou de
ciência, pois está escrito: Porque... a um é dada pelo Espírito a palavra da
sabedoria (I Cor, 12, 8)...
Se o Espírito Santo não
estivesse presente, a Igreja não existiria. Mas, se a Igreja existe, é certo
que o Espírito Santo não falta.
Acima das deficiências e
limitações humanas, repito, a Igreja é isto: sinal e, de certo modo - não no
sentido estrito em que dogmaticamente se definiu a essência dos sete
sacramentos da Nova Aliança - o sacramento universal da presença de Deus no
Mundo.
Ser cristão é ter sido
regenerado por Deus e enviado aos homens para lhes anunciar a salvação. Se
tivéssemos fé firme e viva e déssemos a conhecer Cristo com audácia, veríamos
que ante os nossos olhos se realizariam milagres como os da era apostólica.
Porque a verdade é que
também agora se dá vista aos cegos, que tinham perdido a capacidade de olhar
para o Céu e de contemplar as maravilhas de Deus; também agora se dá liberdade
a coxos e entrevados, que se encontravam tolhidos pelas próprias paixões e cujo
coração já não sabia amar; também agora se dá ouvido aos surdos, que não
desejavam o conhecimento de Deus, e se consegue que falem os mudos, que tinham
amordaçada a língua por não quererem confessar as suas derrotas; também agora
se ressuscitam mortos, em que o pecado destruíra a vida.
Mais uma vez se verifica
que a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que qualquer espada
de dois gumes.
E, como os primeiros fiéis
cristãos, também nós nos alegramos ao admirar a força do Espírito Santo e a sua
acção na inteligência e na vontade das suas criaturas.
132
Dar a conhecer a Cristo
Todos os acontecimentos da
vida - os de cada existência individual e, de algum modo, os das grandes
encruzilhadas da História - vejo-os como outros tantos chamamentos que Deus faz
aos homens para olharem de frente a verdade e como ocasiões oferecidas a nós,
cristãos, para anunciarmos com as nossas obras e as nossas palavras, auxiliados
pela graça, o Espírito a que pertencemos.
Cada geração de cristãos
deve redimir e santificar o seu tempo: para tanto, precisa de compreender e de
compartilhar os anseios dos homens, seus iguais, a fim de lhes dar a conhecer,
com dom de línguas, como corresponder à acção do Espírito Santo, à efusão
permanente das riquezas do Coração divino.
A nós, cristãos, compete
anunciar nestes dias, ao mundo a que pertencemos e em que vivemos, a antiga e
sempre nova mensagem do Evangelho.
Não é verdade que toda a
gente de hoje - assim, em geral ou em bloco - esteja fechada ou permaneça
indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o ser do Homem.
Não é certo que os homens
do nosso tempo se ocupem só das coisas da Terra e se desinteressem de olhar
para o Céu.
Embora não faltem
ideologias - e pessoas para as sustentarem - que estão fechadas, na nossa época
não há apenas atitudes rasteiras, mas também altos ideais; não há apenas
cobardia, mas heroísmo, e ao lado das desilusões permanecem grandes aspirações.
Há pessoas que sonham com
um mundo novo, mais justo e mais humano, enquanto outras, talvez decepcionadas
diante do fracasso dos seus primeiros ideais, se refugiam no egoísmo de
buscarem a sua própria tranquilidade ou de se deixarem ficar mergulhadas no
erro.
A todos os homens e todas
as mulheres, estejam onde estiverem, em momentos de exaltação ou de crise ou de
derrota, devemos fazer chegar o anúncio solene e claro de S. Pedro, durante os
dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a pedra angular, o Redentor, tudo
da nossa vida, pois fora d'Ele não foi dado outro nome, aos homens, debaixo do
céu, pelo qual possamos ser salvos.
(cont)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.