Tempo Comum
Evangelho:
Mt 5, 17-19
17 «Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim para os
abolir, mas sim para cumprir. 18 Porque em verdade vos digo: antes
passarão o céu e a terra, que passe uma só letra ou um só traço da Lei, sem que
tudo seja cumprido. 19 Aquele, pois, que violar um destes
mandamentos mesmo dos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será
considerado o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas o que os guardar e ensinar,
esse será considerado grande no Reino dos Céus.
Comentário:
A tremenda responsabilidade de quem ensina, sobretudo aos mais
débeis e incultos sejam ou não crianças, tem de estar bem presente na mente de
quem o faz.
Ensinar mal ou transmitir erradamente conceitos e doutrinas é um
pecado gravíssimo com consequências devastadoras para quem os recebe.
Este é um “peso” que nenhum cristão deve querer suportar por isso
mesmo deve documentar-se e estudar a fundo o que ensina.
(ama, comentário sobre Mt 5, 17-19, 2015.03.11)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
"Creio
em Deus" – Hoje
SEGUNDA
PARTE
JESUS
CRISTO
CAPÍTULO
PRIMEIRO
"Creio
em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".
IV. Caminhos da Cristologia
3. Cristo, "o último Homem”.
Digressão: Estruturas do Crístico
1.
O individual e o todo.
Chegamos assim à pergunta inicial, podendo dizer:
Igreja e ser-cristão giram em torno do homem assim compreendido. Seriam elementos
sem função, se houvesse exclusivamente mónadas-humanas, seres do cogito,
ergo sum. Estão relacionados ao homem que é "ser-com" (= participação)
e que somente subsiste nos entrelaçamentos colectivos, consequência do
princípio da corporeidade. Igreja e ser-cristão somente existem por causa da
história, das implicações colectivas que caracterizam o homem; é neste plano
que devem ser compreendidos. A sua razão de ser está em prestar serviço à
história, como história, e em forçar ou modificar a prisão colectiva que forma
o local da existência humana. Conforme a Carta aos Efésios, a obra salvadora de
Cristo consistiu exactamente em obrigar a cair de joelhos os poderes e as
dominações, nos quais Orígenes, no comentário sobre esse texto, via as forças colectivas
que sufocam o homem: a força do meio ambiente, da tradição nacional; aquele
impessoal "a gente" que humilha e destrói o homem. Categorias como
pecado original, ressurreição da carne, juízo universal etc., só se podem
compreender sob este ângulo, pois a sede do pecado original há-de ser procurada
exactamente na teia colectiva que antecede a cada existência individual, como
facto espiritual e não em alguma transmissão biológica entre indivíduos de
resto totalmente isolados. Falar do pecado original significa que nenhum homem
pode começar na estaca zero, num status integritatis (completamente
intacto do toque da história). Ninguém se encontra naquela etapa inicial sem
mancha, em que lhe bastaria desenvolver-se livremente e projectar o que tivesse
de bom; cada qual vive em uma implicação que é parte da sua existência. Juízo
universal, por sua vez, é a resposta a estes colectivos entrelaçamentos.
Ressurreição exprime a ideia de que a imortalidade do homem só pode subsistir e
ser imaginada na co-existência dos homens, no homem como o ser da co-existência,
como mais tarde ainda será melhor exposto. Finalmente o conceito de redenção,
como já se disse, também terá sentido somente nesta esfera; não se refere a um
destino monádico, separado do indivíduo. Portanto, se o plano real do
Cristianismo há-de ser procurado neste domínio, a que chamamos de
"historicidade" na falta de termo melhor, segue-se que podemos
prosseguir esclarecendo: ser-cristão, conforme a sua finalidade primeira, não é
um carisma individual, mas social. Não se é cristão porque só cristãos se
salvam, mas é-se cristão, porque a diaconia cristã tem sentido e é necessária
para a história.
Contudo, a esta altura, segue-se um segundo passo
muito decisivo que, à primeira vista, aparenta ser uma volta para o lado oposto,
sendo, na verdade, consequência necessária do que foi exposto. Porquanto, se se
é cristão para participar de uma diaconia em benefício do conjunto, isto
denota, simultaneamente, que o cristianismo vive de cada um e para cada
um, exactamente por causa deste nexo com o todo, porque a mudança da história,
a supressão da ditadura do meio só pode dar-se pela participação de cada um.
Vejo aqui, salvo melhor juízo, o fundamento daquele factor cristão
incompreensível para o homem de hoje e para as outras religiões, a saber, que
no Cristianismo tudo depende, afinal, do homem Jesus de Nazaré,
crucificado pelo seu ambiente – a opinião pública – que exactamente na sua cruz
despedaçou essa força do "a gente", o poder do anonimato, que
conserva o homem prisioneiro. Em oposição a esta força anónima ergue-se o nome
de um único: Jesus Cristo, a convidar o homem a segui-lo, isto é: a carregar a
cruz como ele, para vencer o mundo, sendo crucificado para ele, contribuindo
assim para a renovação da história. O apelo do Cristianismo dirige-se
radicalmente a cada um em particular, exactamente por visar à história como um
todo; precisamente por isto o cristianismo adere, como um todo, a este um e
único no qual se realizou a ruptura com a derrota dos poderes e das violências.
Repetido ainda de outro modo: o Cristianismo está polarizado para o todo, não
podendo ser compreendido, a não ser da e para a comunidade; o Cristianismo não
representa salvação do indivíduo isolado, mas o serviço em benefício do
conjunto, do qual não pode nem deve escapar: precisamente por isto, em extremo
radicalismo, ele conhece um princípio "individual". O escândalo
inaudito de que um único – Jesus Cristo – é acreditado como a salvação do
mundo, encontra, aqui, o ponto exacto da sua necessidade. O único é a salvação
do todo, e o todo recebe a sua salvação exclusivamente do único, que realmente
é único e que, exactamente por causa disto, cessa de existir só para si.
Creio que, visto assim, também se pode compreender
não existir semelhante recurso ao indivíduo nas outras religiões. O hinduísmo
não procura o todo, mas o indivíduo a salvar-se, fugindo do mundo, a roda de
Maia. Precisamente por não visar o todo, na sua mais profunda intenção, mas
desejar apenas desenvencilhar o indivíduo da sua situação perdida, o hinduísmo
é incapaz de admitir outro indivíduo como importante e decisivo para a salvação
de alguém. A sua desvalorização do todo resulta, portanto, em desvalorização
também do individual, ao fazer cair o "para" como categoria.
Resumindo, eis o resultado das nossas
considerações: o Cristianismo origina-se do princípio da
"corporeidade" (historicidade), devendo ser pensado na esfera do
todo, da qual recebe o seu sentido. Estabelece, contudo, forçosamente, um
princípio do "individual", que é o seu escândalo, tornando-se, porém,
visível, agora, na sua interna necessidade e racionalidade.
2.
O princípio do "para".
A fé cristã solicita cada um, querendo-o, porém, para
o todo e não para si mesma; por isto a norma fundamental da existência cristã
exprime-se na partícula "para", eis a conclusão a ser forçosamente
tirada do que até agora foi dito. Por isto, no principal dos sacramentos
cristãos, que forma o centro da liturgia, declara-se a existência de Jesus
Cristo, como existência "para muitos" e "para vós", como
existência aberta que cria e possibilita a comunicação de todos entre si pela
comunicação nele. Por isso, como vimos, completa-se e realiza-se a existência de
Cristo, como existência exemplar na sua abertura na cruz. Portanto, anunciando
e explicando a sua morte, ele pode dizer: "Vou e venho a vós" (Jo 14,28):
pela minha partida, será derrubada a parede da minha existência que agora me
limita; assim este acontecimento representa a minha verdadeira chegada, na qual
consumo o que sou, a saber: aquele que reúne a todos na unidade da sua
existência que não é limite, mas unidade.
Neste sentido a Patrística apontou para os braços
do Senhor, abertos na cruz. Vê neles, primeiro, o protótipo do gesto orante,
tal como o encontramos reproduzido nas figuras orantes das catacumbas. Os
braços do crucificado revelam-no como o adorador, conferindo, ao mesmo tempo,
uma nova dimensão à adoração que representa o elemento específico da glorificação
de Deus: os braços abertos de Cristo são expressão de adoração também e
precisamente por exprimirem a total entrega aos homens, como gesto do abraço,
da plena e indivisa fraternidade. A partir da cruz, a Teologia patrística
encontrou, simbolicamente, o entrelaçamento de adoração e fraternidade, e viu
representada no gesto cristão de orar a indissolubilidade do serviço aos homens
e da glorificacção de Deus.
Ser-cristão denota, ao mesmo tempo, passagem do ser
para si mesmo ao ser para os outros. Com o que se esclarece o sentido do
conceito de escolha ("predestinação") que muitas vezes nos parece
estranho. Escolha não quer dizer uma preferência do indivíduo, fechada em si, a
segregá-lo dos outros, mas a admissão na tarefa comum da qual já se falou. De
acordo com isso, a opção cristã fundamental significa a aceitação do
"ser-cristão", a abjuração do concentramento sobre o "eu" e
a adesão à existência de Jesus Cristo voltada para o todo. A mesma coisa está
incluída no convite à sequela da cruz, que absolutamente não exprime uma
devoção particular, mas está subordinada a um pensamento básico, a saber, que o
homem, abandonando o isolamento e a tranqüilidade do próprio "eu",
saia de si, para seguir o crucificado e existir para os outros, mediante a crucificação
do seu "eu". De modo geral, os grandes painéis da história da salvação,
que representam também as figuras básicas do culto cristão, são expressão do
princípio "para". Pensemos, por exemplo, no quadro do êxodo clássico
da história sagrada, ou seja, da saída do Egipto: tornou-se o êxodo perene da
auto-ultrapassagem. O mesma ecoa na cena da páscoa, em que a fé formulou a nexo
da mistério da cruz e da ressurreição com o pensamento da saída da Antigo
Testamento.
João reproduziu tudo isto num quadro tomado de
empréstimo aos fenómenos da natureza. Com o que o horizonte se amplia, para
além do antropológico e do salvífico, tocando o cósmico. O que se declara como
estrutura básica da vida cristã, no fundo já representa o cunho da mesma criação.
"Em verdade, em verdade eu vos digo: se o grão de trigo lançado na terra
não morrer, fica só, como é; mas, se morrer, produz abundante fruto" (Jo
12,24). Já na esfera cósmica domina a lei de que a vida só chega através da
morte, mediante a auto-perdição. O que se configura deste modo na criação,
alcança o seu ápice no homem e, finalmente, no homem exemplar, Jesus Cristo que
abre os portais da vida autêntica aceitando o destino do grão de trigo,
atravessando o auto-oblacção, deixando-se abrir e perdendo-se. Partindo das
experiências da história da religião que justamente neste ponto se tocam
estreitamente com as da Bíblia, poderíamos dizer: o mundo vive de sacrifício.
Encontram aqui a sua realidade e validez os grandes mitos que declaram ter sido
formado o cosmos por meio de um proto-sacrifício e viver exclusivamente de sua
própria oblacção. O princípio cristão do êxodo torna-se patente através dos símbolos
míticos: "Quem ama a própria vida, perde-a; e quem odeia a própria vida
neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna" (Jo 12,25; cfr. Mc
8,35 par). Contudo, para terminar, é preciso declarar que jamais serão
suficientes todas as auto-superações próprias do homem. Quem somente deseja
dar, sem estar disposto a receber, quem só quer existir para os outros, não
estando pronto a reconhecer que também ele, por sua vez, vive da dádiva
inesperável e improvocável do "para" dos outros, deturpa a autêntica
maneira de ser do homem, destruindo necessariamente o verdadeiro sentido da
reciprocidade. Todas as auto-superações, para serem produtivas, precisam da aceitação
da parte dos outros e, em última instância, da parte do Outro, que é o
autêntico Outro da humanidade inteira e, ao mesmo tempo, é o todo unido a ela:
o homem Deus Jesus Cristo.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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