03/06/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo Comum

Sagrado Coração de Jesus

Evangelho: Lc 15, 3-7

3 Então propôs-lhes esta parábola: 4 «Qual de vós, tendo cem ovelhas, se perde uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, para ir procurar a que se tinha perdido, até que a encontre? 5 E, tendo-a encontrado, a põe sobre os ombros todo contente 6 e, indo para casa, chama os seus amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha que se tinha perdido. 7 Digo-vos que, do mesmo modo, haverá maior alegria no céu por um pecador que fizer penitência que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência».

Comentário:

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma tradição muito antiga.

Em casa dos meus Pais, como era costume em famílias cristãs, um quadro votivo ao Sagrado Coração ocupava lugar proeminente, normalmente na sala de família.

Sempre adornado com uma pequena jarra com flores frescas substituídas todas as semanas era para todos os da casa uma referência de suma importância como que a lembrar que aquela casa era Sua pertença e estava sob a Sua protecção.

Ainda hoje lá está e sempre que por ali passo não deixo de dizer-lhe – como a minha querida Mãe me ensinou em criança – Sagrado Coração de Jesus fazei que o meu coração seja igual ao Vosso.

São costumes antigos!
Pois são, mas deveriam ser de sempre!

(ama, comentário sobre Lc 15, 3-7, 2016.04.02)

Leitura espiritual





INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

"Creio em Deus" – Hoje

SEGUNDA PARTE

JESUS CRISTO

CAPÍTULO PRIMEIRO

"Creio em Jesus Cristo seu Filho Unigénito, Nosso Senhor".

III. Jesus Cristo – verdadeiro Deus e verdadeiro Homem

3. O direito do dogma cristológico

a)   A terminologia bíblica e sua relação com o dogma.

α) "Filho de Deus".

Aqui se encaixa a nova aplicação do texto pela comunidade cristã primitiva. Provavelmente devido à fé na ressurreição, o Salmo foi aplicado pela primeira vez a Jesus. O acontecimento da ressurreição de Jesus, em que a comunidade acredita, passa a ser considerado como o momento em que o dito Salmo 2 se concretiza. Naturalmente não é menor o paradoxo. Crer que o supliciado do Gólgota seja simultaneamente aquele a quem tais palavras foram ditas, parece contradição inaudita. Que significa semelhante uso do texto? Significa que no supliciado da cruz e no ressurgido para o olhar da fé, se vê realizada a esperança real de Israel. Denota a convicção de que a palavra de Deus: "Meu Filho és tu; eu hoje te gerei", foi dirigida exclusivamente ao que morreu na cruz, ao que renunciou a todo o poder do mundo ( – e ponhamos, como música de fundo, o tremor dos reis da terra, o destruir com vara de ferro!); ao que deixou de lado todas as espadas e não mandou outros à morte, como soem fazê-lo os reis do mundo, mas enfrentou pessoalmente a morte pelos outros; ao que via o sentido da existência humana não no poder e na auto-afirmação, mas no existir-radical para os outros; que era, aliás, a existência para os outros. No crucificado o crente percebe qual é o sentido daquele oráculo, qual o sentido da eleição; não privilégio e poder para si, mas serviço para os outros. Nele revela-se o sentido da história da escolha, o autêntico sentido da realeza que desde sempre queria ser acção vicária. E "representar" quer dizer: estar pelos outros, substituí-los – o que agora recebe um sentido novo. Do radicalmente fracassado, do pendente do patíbulo, a quem falta até um palmo de chão sob os pés, daquele cujas roupas são objecto de jogo de azar e que chega a dar a impressão de estar abandonado por Deus, precisamente dele vale o oráculo: "Meu Filho és tu; eu hoje – neste lugar – te gerei. Pede-me e te darei os povos da terra por herança e o mundo em possessão".

A ideia do Filho de Deus que, desta forma e por este caminho, penetrou na fé em Jesus de Nazaré, na interpretação da ressurreição e da cruz a partir do Salmo 2, não tem, realmente, nada de comum com o conceito helenístico de homem divino, não podendo ser explicada a partir dela. Ela representa a segunda desmitização da ideia oriental do rei, já anteriormente desmitizada. Representa a Jesus como o lídimo herdeiro do cosmos, como o herdeiro da promessa na qual se cumpre o sentido da Teologia davídica. Ao mesmo tempo, tornou-se patente que o conceito de rei assim transferido para Jesus com O título de "Filho", se funde com a ideia de servo. Como rei, ele é servo e como servo de Deus, é rei. Este entrelaçamento tão fundamental para a fé em Cristo foi preparado no Antigo Testamento quanto ao conteúdo e na sua versão grega também quanto à terminologia. A palavra pais, com que se nomeia o servo de Deus, também denota "Filho". À luz do acontecimento "Cristo", este duplo sentido deve ser o indicador da identidade intrínseca na qual ambas as coisas se reúnem em Cristo.

A passagem de Filho a servo, de glória a serviço que daí resultou e que significava uma interpretação totalmente nova do conceito de rei, bem como de Filho, encontrou a sua mais grandiosa formulação na carta aos Filipenses (2,5-11), portanto num texto que cresceu ainda completamente no solo do cristianismo palestinense. Aqui aponta-se para o exemplo fundamental do sentimento de Jesus Cristo, que não conservou ciosamente a igualdade com Deus, que lhe é conatural, mas desceu às profundezas do servo até ao completo auto-despojamento; a palavra latina evacuatio aqui empregada indica-nos esta versão, esta afirmação de ele se ter "esvaziado", abrindo mão da existência-para-si e entrando totalmente no movimento-para-os-outros. Mas, continua o texto, precisamente nisto tornou-se o Senhor do universo, do cosmos, e diante dele o universo faz a prosquínese, o rito e o acto ou gesto da submissão devido exclusivamente ao verdadeiro rei. E assim o obediente por espontânea vontade surge como o verdadeiro dominador; o que desceu ao fundo do auto-despojamento tornou-se, por meio deste acto, o Senhor do mundo. O que já constatamos nas considerações sobre o Deus uno e trino torna a comprovar-se sob outro ponto de vista: aquele que absolutamente não se apega a si, sendo pura relação, coincide com o absoluto, tornando-se Senhor. O Senhor, diante do qual o universo se curva, é o cordeiro imolado como símbolo da existência que é acto puro, puro ser-para. A liturgia cósmica, a homenagem adoradora do universo, giram em torno deste cordeiro (Ap 5).

Mas, tornemos ainda à questão do título "Filho de Deus", e sua posição no mundo antigo. Cumpre, com efeito, notar a existência de um paralelo greco-romano. Ela não consiste na ideia do "homem divino" que nada tem a ver com isto. O único paralelo antigo da denominação de Jesus como Filho de Deus (expressão de uma compreensão nova de poder, reino, escolha e até humanidade) encontra-se na denominação do imperador Augusto como "filho de Deus" (theou yios = Divi (Caesaris) filius). Realmente deparamos aqui com a expressão exacta com que o Novo Testamento descreve a importância de Jesus de Nazaré. Somente no culto romano ao imperador surge, na esfera do mundo antigo, com a ideologia oriental do rei, o título "filho de Deus", que, de resto, não existe ali e que não pode existir por causa da plurissignificação da palavra "Deus". Ele só volta a aparecer com o retorno da ideologia oriental referente ao rei, da qual tal denominação se origina. Por outras palavras: o título "Filho de Deus" integra a teologia política de Roma, apontando assim, como vimos, para a mesma relação fundamental da qual também surgiu o "Filho de Deus" do Novo Testamento. Com efeito, ambos, embora independentes entre si e por diversos caminhos, nasceram do mesmo solo e se referem à mesma fonte comum. Portanto – não o esqueçamos – no antigo oriente e na Roma imperial, "filho de Deus" representa parcela da teologia política; no Novo Testamento, a expressão foi metamorfoseada com outra dimensão de pensamento, graças à alteração da teologia da eleição e da esperança. E assim a mesma raiz fez surgirem duas coisas totalmente diversas. No embate entre a fé em Jesus como Filho de Deus e o reconhecimento do imperador como filho de Deus, que em breve se tornaria inevitável, defrontaram-se praticamente o mito desmitizado e o que permaneceu como tal. A omnipretensão do divino imperador romano não podia tolerar diante de si a teologia do rei e do imperador modificada e que se revelava na aceitação de Jesus como Filho de Deus. Neste sentido os martyria (testemunhos) deviam transformar-se em martyrium, a provocação contra o auto-endeusamento do poderio político.

β) "O Filho",

A autodenominação de Jesus como "o Filho" destaca-se e distingue-se do conceito "Filho de Deus" acima descrito, como algo inteiramente todo diverso. A palavra origina-se de outra história da língua e pertence a outra esfera idiomática, a saber, à linguagem parabólica cifrada, usada por Jesus na senda dos profetas e sábios de Israel. Também aqui a palavra não ressoa na pregação para os de fora, mas deve encontrar o seu habitat no círculo mais íntimo dos discípulos de Jesus. O seu local de origem dever-se-á procurar na vida de oração de Jesus; ele representa o correlativo interno do novo modo com que Jesus se dirige ao Pai: Abba. Joachim Jeremias mostrou, mediante cuidadosa análise, que as poucas palavras que o Novo Testamento grego nos transmitiu do original aramaico, ou seja, da língua-mãe de Jesus, abrem de modo especial caminho ao seu modo original de falar. Exerceram sobre os ouvintes um impacto todo novo, caracterizando tanto o que era peculiar ao Senhor, seu modo único, que foram conservadas literalmente; nelas como que podemos ouvir sempre e ainda a sua própria voz.

A alocução "Abba – Pai" pertence às pouquíssimas jóias que a proto-comunidade nos conservou, não traduzidas, da linguagem aramaica de Jesus, por ter percebido nela, de modo impressionante, a ele próprio. Ela distingue-se da expressão "Pai" do Antigo Testamento, porquanto Abba representa uma fórmula de maior intimidade (comparável, embora mais elevada do que a palavra "paizinho"); a intimidade que lhe é inerente, excluía, no judaísmo, a possibilidade de relacioná-la com Deus; tal aproximação não cabia ao homem. Que Jesus rezasse assim, que falasse com Deus usando esta palavra, exprimindo uma forma nova e toda sua de intimidade com Deus, eis o que a cristandade primitiva conservava em mente conservando esta palavra com o seu timbre original.

Ora, como já foi insinuado, esse modo de rezar encontra o seu correlativo na autodenominação de Jesus como "Filho". Ambos reunidos (Abba – Filho) exprimem o modo peculiar de Jesus orar, a sua consciência de Deus, à qual, embora tão reservado, permitia que o seu Círculo mais íntimo de amigos lançasse um olhar. O título "Filho de Deus" (já o ouvimos) foi tomado de empréstimo à messianologia judaica, representando por isto uma expressão bastante carregada histórica e teologicamente; pelo contrário, estamos agora diante de algo novo, infinitamente mais simples e também infinitamente mais pessoal e profundo. Lançamos um olhar na experiência orante de Jesus, naquela proximidade com Deus que distingue a sua relação para com Deus, da de todos os outros homens, que, no entanto, não quer ser exclusiva, estando capacitada a incluir os outros na mesma relação com Deus. Ela quer, por assim dizer, assimilar os outros ao seu próprio modo de ser para com Deus, de maneira que, com Jesus e nele, igualmente possam dizer a Deus Abba: nenhum limite a distanciá-los, mas aquela familiaridade, que era real em Jesus, deve envolvê-los.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)



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