Art.
4 — Se Cristo devia ter sofrido na cruz.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo
não devia ter sofrido na cruz.
1. — Pois, a verdade deve corresponder
à figura. Ora, eram figuras de Cristo todos os sacrifícios do Antigo
Testamento, nos quais se matavam animais com a espada, que eram depois
queimados no fogo. Logo, parece que Cristo não devia ter sofrido na cruz, mas
antes ser sacrificado pela espada ou no fogo.
2. Demais. — Damasceno diz, que Cristo não devia assumir sofrimentos
degradantes. Ora a morte da cruz era considerada como degradante e
ignominiosa por excelência; por isso diz a Escritura: Condenemo-lo a uma morte a mais infame. Logo, parece que Cristo
não devia sofrer a morte da cruz.
3. Demais. — De Cristo diz o
Evangelho: Bendito o que vem em nome do
Senhor. Ora, a morte da Cruz era uma morte de maldição, segundo a
Escritura: Maldito é de Deus aquele que
está pendente de um lenho. Logo, parece que não foi conveniente que Cristo
fosse crucificado.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Feito obediente até a morte e morte de cruz.
Era convenientíssimo que
Cristo sofresse a morte da cruz. Primeiro, para dar o exemplo da virtude. Por
isso diz Agostinho: A sabedoria de Deus
assumiu o homem para nos dar o exemplo de uma vida recta. Ora, é próprio de
uma vida recta não temer o que não deve ser temido. Há porém homens que, embora
não temam a morte em si mesma, contudo têm horror de um determinado género de morte.
Por isso, a fim de o homem, que vive rectamente, não temer nenhum género de
morte o Homem-Deus quis morrer ostensivamente na cruz; pois, dentre todos os géneros
de morte, nenhum era mais execrável e temível que esse. Segundo, porque esse género
de morte era por excelência conveniente à satisfação pelo pecado dos nossos
primeiros pais, que consistiu em tomarem do fruto da árvore, contra a ordem de
Deus. Por isso era conveniente que Cristo, para satisfazer por esse pecado,
consentisse ele próprio ser pregado no madeiro, quase para restituir o que Adão
subtraíra, como o diz a Escritura: Paguei
então o que não tinha roubado: Donde o dizer Agostinho: Adão desprezou o preceito, colhendo o pomo
da árvore; mas tudo o que Adão perdeu Cristo recuperou na cruz. A terceira
razão é que, como diz Crisóstomo. Cristo
sofreu num madeiro elevado e não debaixo de um teto, a fim de purificar também
o ar. Mas também a terra sentiu um benefício semelhante, purificada pelo sangue
que corria gota a gota do lado do crucificado. E o Evangelho - Importa que seja levantado o Filho do Homem
- diz: Por levantado entende que foi
elevado para o alto; para que santificasse o ar quem havia santificado a terra,
andando nela (Teofilacto). A quarta razão é que, morrendo no alto de um madeiro, preparou a nossa subida ao céu, como
diz Crisóstomo (Atanásio). Por isso ele próprio o diz no Evangelho: Eu, quando for levantado da terra, todas as
coisas atrairei a mim mesmo. A quinta razão é que isso convinha também à
completa libertação de todo o género humano. Por isso diz S. Gregório Nisseno, que a figura da cruz, esgalhando-se, de um
centro único, em quatro extremos opostos, significa o poder e a providência
daquele que dela pende, espalhados por toda parte. E Crisóstomo também diz
que Cristo morreu na cruz com os braços
abertos, para com uma das mãos, atrair para si o povo fiel e, com a outra, os
que constituem a gentilidade. A sexta razão é que esse género de morte
designa diversas virtudes. E por isso diz Agostinho: Não escolheu em vão tal género de morte, a fim de que fosse o mestre da
largura, do comprimento, da altura e da profundidade, de que fala o Apóstolo.
Assim, a largura desse madeiro é representada pela travessa que nele está
fixada — símbolo das boas obras, porque nela estão estendidos os braços. O
comprimento vai do ápice do madeiro à terra e nele é que o crucificado de certo
modo se apoia - símbolo da estabilidade e da perseverança atribuídas à
longanimidade. A altura é representada pela parte do lenho que se eleva acima
da travessa e em que foi presa a cabeça do crucificado — suprema expectativa
dos que tem esperança perfeita. Enfim, a profundidade é representada pela parte
do madeiro oculta na terra e donde parece elevar-se toda a cruz - símbolo da
profundidade da graça gratuita. E
como ainda o nota Agostinho, o lenho onde
estavam fixos os membros do crucificado era uma como cátedra donde o mestre
ensinava. A sétima razão é que esse género de morte corresponde a várias
figuras. Pois, como diz Agostinho, uma arca de madeira salvou o género humano
do dilúvio das águas. Quando o povo de Deus fugia do Egipto, Moisés dividiu o
mar com uma vara, aniquilou o Faraó e remiu o povo de Deus. Essa mesma vara
Moisés a mergulhou na água, tornando-a doce, de amarga que era. Ainda com essa
vara fez jorrar da pedra espiritual uma água salutar. Para vencer Amalec,
Moisés conservava as mãos estendidas ao longo da vara. E a lei de Deus estava
encerrada na arca do Testamento, que julgavam de madeira. Assim, pois, o género
humano era conduzido, como gradativamente, ao lenho da cruz.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O altar dos holocaustos, onde eram
oferecidos os sacrifícios dos animais, era feito de madeira, como se lê na
Escritura; e, assim, a verdade corresponde à figura. Mas não é necessário que a correspondência seja total, porque então já
não seria semelhança, mas identidade, como diz Damasceno. - Contudo e especialmente como diz
Crisóstomo Atanásio, não se lhe amputou a
cabeça, como a João; nem foi serrado, como Isaías; para que, morto, conservasse
integro o corpo e indivisível, a fim de não dar ocasião aos que querem dividir
a Igreja. — E em lugar do fogo
material estava, no holocausto de Cristo, o fogo da caridade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo não quis
assumir sofrimentos degradantes, que implicassem falta de ciência ou de graça,
ou ainda de virtude. Não porém os resultantes de injúrias externas; antes, como
diz o Apóstolo, sofreu a cruz,
desprezando a ignomínia.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Agostinho, o pecado é maldito, e por
consequência a morte e a mortalidade proveniente do pecado. Pois, a carne de
Cristo era mortal, tendo a semelhança da carne de pecado. E por isso Moisés lhe
chama maldito, como o Apóstolo lhe chama pecado, quando diz: Aquele que não
havia conhecido pecado o fez pecado por nós, isto é, pela pena do pecado. Nem
indica maior ódio da parte de Deus o ter predito Moisés que Cristo é maldito de
Deus. Pois, se Deus não odiasse o pecado não teria mandado o seu Filho tomar a
morte sobre si e a destruí-la. É, portanto a mesma coisa proclamar que ele
aceitou a maldição em nosso lugar e dizer que morreu por nós. Donde o dito
do Apóstolo: Cristo nos remiu da maldição
da lei, feito ele mesmo maldição por nós.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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