24/05/2016

Evangelho, comentário, L. espiritual


Tempo Comum

Evangelho: Mc 10, 28-31

28 Pedro começou a dizer-lhe: «Eis que deixámos tudo e Te seguimos». 29 Jesus respondeu: «Em verdade vos digo: Ninguém há que tenha deixado a casa, os irmãos, as irmãs, o pai, a mãe, os filhos, ou as terras, por causa de Mim e do Evangelho, 30 que não receba o cêntuplo, mesmo nesta vida, em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos, e terras, juntamente com as perseguições, e no tempo futuro a vida eterna. 31 Porém, muitos dos primeiros serão os últimos, e os últimos serão os primeiros».

Comentário:

Este trecho do Evangelho de São Marcos aplica-se a um tema importantíssimo: A vocação pessoal!

Em qualquer altura da vida – muito cedo ou mais tarde – o Espírito Santo insinua na alma do cristão o que chamamos vocação ou chamamento.

Normalmente associa-se a palavra vocação com a vida religiosa, o sacerdócio, enfim… uma dedicação mais completa a Deus.

Quando assim é já sabemos as “condições”: entrega total, desprendimento absoluto, obediência sem titubeios.

Não somos nós que colocamos essas condições mas sim o Senhor e porquê?

Porque se trata de servir e, ou se serve nestas “regras” ou não se serve de todo.


(AMA, comentário sobre Mc 10, 28-31, 2016.03.15)




Leitura espiritual



INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO

INTRODUÇÃO

“CREIO – AMÉM”

«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra"

CAPÍTULO QUARTO

"Creio em Deus" – Hoje

1.   O Deus pessoal

Fé cristã em Deus, em primeiro lugar, é uma opção pelo primado do Logos, fé na realidade do sentido criador antecedente e conservador do mundo. Logo, enquanto fé na personificação deste sentido, também é acreditar que o proto-pensamento, cujo "ser-pensado" o mundo reproduz, não é uma consciência anónima e neutra, mas liberdade, amor criador, pessoa. Se, portanto, a opção cristã do Logos conota uma opção por um sentido pessoal, criador, então ela é, ao mesmo tempo, opção pelo primado do específico frente ao genérico. O mais elevado não é o mais genérico, mas precisamente o especial, e, por esta razão, a fé cristã também é, sobretudo, uma opção pelo homem como o ser irreduzível e relacionado com o infinito. E então também aí ela torna a ser opção pelo primado da liberdade contra o primado da necessidade das leis cósmicas. Deste modo destaca-se, com toda a precisão, o específico da fé cristã diante de outras formas optativas do espírito humano. Torna-se inequivocamente claro o lugar que homem ocupa com o Credo cristão.

E assim pode mostrar-se que a primeira opção – pelo primado do Logos contra a matéria pura – não é possível sem a segunda e a terceira, ou mais exactamente: a primeira opção, tomada isoladamente, permaneceria como puro idealismo; somente o acréscimo da segunda e da terceira opção primado do específico, primado da liberdade – denota a linha divisória entre idealismo e fé cristã, a qual é algo diverso do idealismo puro.

Muito se poderia dizer a respeito. Contentemo-nos com as explicações indispensáveis, perguntando, primeiro: Que significa: esse Logos, cujo pensamento é o mundo, é pessoa e, por conseguinte, fé é opção pelo primado do específico contra o genérico? A resposta, afinal, pode ser muito simples, pois, em última análise, não significa outra coisa, senão que esse pensar criador, que constatamos como suposição e fundamento de todo o ser, é, na verdade, um pensar consciente de si mesmo e que conhece não só a si, mas também sabe todo o seu pensamento. Significa ainda que esse pensar não somente sabe, mas ama; que é criativo por ser amor; que, por não ser apenas capaz de saber, mas de amar, colocou o seu pensamento no seio da liberdade de um ser próprio, objectivando esse pensamento, mergulhando-o na ipseidade. Portanto, tudo isto quer dizer que esse pensar sabe o seu pensamento dentro de si mesmo, que o ama e, amando, o sustenta. Com isto voltamos à expressão em cujo rumo as nossas considerações acabam sempre por voltar: não ser coartado pelo máximo, deixar-se envolver pelo mínimo: isto é divino.

Ora, se o Logos de todo o ser, o ser que a tudo sustenta e envolve, é consciência, liberdade e amor, conclui-se por si mesmo que o supremo do mundo não é a necessidade cósmica, mas a liberdade. São de grande alcance as consequências. Tais premissas, com efeito, levam à conclusão de que a liberdade, por assim dizer, constitui a estrutura necessária do mundo, o que, novamente, quer dizer que o mundo só pode ser compreendido como incompreensível, que ele deve ser a incompreensibilidade. Porquanto, sendo a liberdade o ponto supremo da construção do mundo, liberdade que, como tal, sustenta, quer, conhece e ama o mundo todo, segue-se que, com ela, faz parte essencial do mundo a incalculabilidade que lhe é inerente. A incalculabilidade é uma implicação da liberdade; jamais pode reduzir-se completamente à lógica matemática um universo onde as coisas são assim. Mas, com o ousado e grandioso de um mundo marcado pela estrutura da liberdade também está implicado o tenebroso mistério do demoníaco que nele encontramos. Um mundo criado e desejado com o risco da liberdade e do amor, não pode ser pura matemática. Como espaço vital do amor, torna-se palco das liberdades e aceita o risco do mal. Esse mundo enfrenta a aventura da treva com vistas a uma luz maior, luz que é liberdade e amor.

Volta a ser patente como as categorias de máximo e mínimo, de mais pequeno e sumo, se alteram dentro de uma tal visão. Num mundo que, afinal, não é matemática, mas amor, o mínimo é precisamente o máximo; o específico é mais do que o genérico; a pessoa, o único, o irrepetível também é o definitivo e o supremo. Em tal visão cósmica, a pessoa não é exclusivamente indivíduo, um exemplar mimeografado mediante a simples divisão da ideia pela matéria, mas é exactamente e em sentido pleno "pessoa". A mentalidade grega designava sempre os inúmeros seres individuais, inclusive os homens, apenas como "indivíduos". Eles originam-se graças ao fracionamento da ideia pela matéria. Portanto, o multiplicado sempre será o secundário; o próprio seria o único e o geral. O cristão não vê no homem um indivíduo, mas uma pessoa – parece-me que na mudança de indivíduo para pessoa se encontra a medida completa da passagem da Antiguidade ao Cristianismo, do Platonismo à Fé. Esse ser determinado não é, absolutamente, nada de secundário que nos permita adivinhar, fragmentariamente, o geral como o próprio. Como o mínimo, ele é o máximo, como o único e irrepetível, é o supremo e o próprio.

Tira-se daí uma última conclusão. Se é verdade que a pessoa é mais do que o indivíduo, que existe um primado do específico sobre o geral, segue-se que a unidade não é o único e derradeiro, mas que também a multiplicidade tem o seu direito próprio e definitivo. Esta conclusão que, com necessidade interna, se deriva da opção cristã conduz automaticamente a ultrapassar a ideia de um Deus que é exclusivamente unidade. A lógica interna da fé cristã em Deus obriga a passar por cima de um puro monoteísmo, conduzindo-nos à fé no Deus uno e trino, sobre o qual agora teremos de dar uma palavra conclusiva.

CAPÍTULO QUINTO

Fé no Deus Trino

Com as considerações feitas até agora alcançamos um ponto em que a fé cristã no Deus uno passa à aceitação do Deus uno e trino, como que por uma espécie de interna necessidade. Por outro lado, não podemos esquecer que agora pisamos um terreno onde a teologia cristã deve ter consciência da sua limitação, mais do que até agora, por vezes, se tem dado; terreno, onde qualquer falsa ousadia de querer saber tudo com exagerada exatidão há-de transformar-se em loucura de consequências imprevisíveis; terreno em que somente o humilde reconhecimento da insciência pode redundar em verdadeiro saber e só a atitude maravilhada diante do mistério impenetrável pode constituir uma fé autêntica em Deus. Amor é sempre mistério: mais do que se pode calcular e compreender. Portanto, o próprio amor – o Deus incriado e eterno – deve ser mistério em grau supremo: o mistério por excelência.

Contudo – apesar da inevitável discrição da razão, a única atitude aqui indicada para que o pensamento se mantenha fiel a si mesmo e à sua tarefa – deve lançar-se a pergunta sobre o que significa a fé em um Deus uno e trino. Não se pode tentar agora – como, aliás, seria necessário para uma resposta satisfatória – seguir, passo a passo, as várias etapas de sua evolução, nem desenvolver as diversas fórmulas pelas quais a fé procurou proteger essa verdade contra o equívoco. Umas poucas indicações deverão bastar.

1. Introduzindo na compreensão

a) Ponto de partida da fé no Deus uno e trino. A doutrina trinitária não se originou de uma especulação sobre Deus, de alguma tentativa da reflexão filosófica para explicar como se teria processado a origem de todo ser, mas foi consequência dos esforços para uma elaboração de experiências históricas. A fé bíblica primeiramente girava – no Antigo Testamento – em torno de Deus que se lhe manifestava como Pai de Israel, como Pai dos povos, como criador do mundo e seu Senhor. Na época da estruturação do Novo Testamento acrescenta-se-lhe um processo totalmente novo mediante o qual Deus se mostra sob um aspecto até ali desconhecido: em Jesus Cristo encontramos um homem que, ao mesmo tempo, se sabe e se revela como Filho de Deus. Encontramos Deus na figura do mensageiro, o qual é todo Deus e não algum ser intermediário e que, contudo, connosco chama a Deus "Pai". Donde se segue um singular paradoxo: por um lado, esse homem chama a Deus "Pai", fala-lhe como a alguém que lhe está próximo. Ora, se uma atitude assim não quiser passar por puro teatro, mas por verdadeira – como condiz a Deus – ele deve ser alguém diverso desse Pai ao qual fala e a quem nos dirigimos. Por outro lado, ele próprio é a proximidade concreta de Deus que nos vem ao encontro; a mediação de Deus para nós e, exactamente, pelo facto de ser, ele mesmo, Deus feito homem, em figura e natureza humana é o Deus connosco ("Emmanuel"). No fundo, a sua mediação eliminar-se-ia transformando-se de mediação em separação, fosse ele outro que não Deus, fosse ele um ser intermediário. Em tal caso não nos conduziria a Deus, mas afastar-nos-ia dele. Segue-se daí que, como mediador, é o próprio Deus e o "próprio homem", ambos de modo real e completo. Ora, isto significa que Deus vem ao nosso encontro não como Pai mas como Filho e irmão nosso – incompreensível e altamente compreensível, ao mesmo tempo – revelando uma dualidade em Deus, Deus como "eu" e "tu" em um. A essa experiência inédita de Deus segue-se finalmente, como terceiro, o acontecimento do Espírito, da presença de Deus em nós, na nossa vida interna. E torna a patentear-se que esse "Espírito" não é, sem mais, idêntico nem ao Pai, nem ao Filho, nem representa um terceiro entre nós e Deus, mas é a maneira como o mesmo Deus se nos doa, entra em nós, de modo que, dentro do homem e no âmago da "interioridade", lhe é infinitamente superior.

Portanto, constatamos que a fé cristã, no correr da sua evolução histórica, primeiramente gira, de facto, em torno de Deus nessa figura trina. É claro que, em breve, o homem deveria começar a reflectir como essas diferentes realidades deviam ser relacionadas entre si. Havia de se perguntar qual seria o comportamento das três formas de encontros históricos com Deus em relação à própria realidade divina. A trindade das formas divinas experimentadas seria, acaso, simplesmente a sua máscara histórica com que, fazendo diversos papéis, é sempre o mesmo único Deus que se avizinha do homem? Essa trindade revelar-nos-ia apenas algo sobre o homem e sobre as suas diversas formas de se relacionar com Deus? Ou não faria transparecer algo daquilo que é o próprio Deus em si mesmo? Hoje facilmente estaríamos inclinados a aceitar a primeira hipótese como plausível, considerando todos os problemas como resolvidos por este caminho. Contudo, cumpre tomar consciência da extensão do problema, antes de embrenhar-se por um tal atalho. Ora, trata-se de saber se o homem, na sua relação com Deus, deve haver-se exclusivamente com os reflexos da sua própria consciência ou se lhe é concedido elevar-se realmente acima de si e encontrar-se com o próprio Deus. São imensas as consequências em ambos os casos. Se a primeira hipótese está certa, a prece não passaria de uma ocupação do homem consigo mesmo; a raiz de uma adoração propriamente dita está truncada, como também a da súplica – consequência, que, a seguir, mais e mais se vai avolumando. Tanto mais fortemente se impõe a pergunta, se tal atitude, afinal, não se baseia num certo comodismo mental, que escolhe o caminho do menor esforço, sem fazer muitas perguntas. Porquanto, se a segunda hipótese for a verdadeira, adoração e súplica são, não só possíveis, mas ordenadas, isto é, são um postulado do ser humano aberto na direcção de Deus.

Quem perceber a profundeza desta questão compreenderá também a paixão da luta que em torno dela se desencadeou, na antiga Igreja: compreenderá que nessa luta actuaram outras forças que não cavilações idealísticas ou culto de fórmulas, como facilmente poderia pensar o observador superficial; terá consciência de que a luta de então tornou a se reacender hoje, exactamente a mesma luta do homem em torno de Deus e de si mesmo; terá consciência de que não podemos sobreviver como cristãos, julgando poder escolher hoje um caminho mais cómodo do que o de outrora. Antecipemos a resposta na qual foi então encontrada a separação entre o caminho da fé e uma vereda que forçosamente conduziria a uma aparência de fé: Deus é como se revela. Deus não se revela de um modo que não seja o seu. Nesta afirmação está baseada a relação cristã com Deus; nela está fundada a doutrina trinitária; ela é essa doutrina.

(cont)

joseph ratzinger, Tübingen, verão de 1967.

(Revisão da versão portuguesa por ama)






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