Art.
9 — Se Cristo sofreu no tempo conveniente.
O nono discute-se assim. — Parece que
Cristo não sofreu no tempo conveniente.
1. — Pois, a paixão de Cristo era
figurada pela imolação do cordeiro pascal donde o dizer o Apóstolo: Cristo, que é a nossa Páscoa, foi imolado.
Ora, o cordeiro pascal era imolado no dia
catorze à tarde, como refere a Escritura. Logo, parece que então é que
deveria Cristo sofrer. O que é falso, pois, então, celebrou a Páscoa com os
seus discípulos, segundo o Evangelho: No
primeiro dia, em que se comiam os pães ázimos, quando se imolava o cordeiro
pascal; e no dia seguinte sofreu a paixão.
2. Demais. — A paixão de Cristo foi a
sua exaltação, segundo o Evangelho: Importa
que seja levantado o Filho do Homem. Ora, Cristo é chamado na Escritura o Sol de Justiça. Logo, parece que devia
ter sofrido na hora sexta, (meio dia), quando o sol está no ponto máximo de
elevação. Ora, o contrário está no Evangelho: Era, pois a hora de terça, tempo em que eles o crucificaram.
3. Demais. — Assim como o sol atinge
cada dia o seu ponto mais alto na hora sexta (meio dia), assim no solstício do
verão é que está, cada ano, no seu ponto mais elevado. Logo, Cristo devia ter
sofrido a Paixão, antes no tempo do solstício do verão que por ocasião do
equinócio da primavera.
4. Demais. — A presença de Cristo no
mundo iluminava-o a este, segundo o Evangelho: Eu, enquanto estou no mundo sou a luz do mundo. Logo, teria sido
mais conveniente à salvação humana que tivesse vivido por mais tempo neste
mundo, de modo que não viesse a sofrer na idade de moço, mas quando já idoso.
Mas, em contrário, o Evangelho: Sabendo Jesus que era chegada a sua hora de
passar deste mundo ao Pai. E noutro lugar: Ainda não é chegada a minha hora. Ao que diz Agostinho: Quando fez tanto quanto julgava suficiente,
então veio a sua hora; não imposta por necessidade, mas voluntária; não
dependente de uma condição, mas do seu poder. Logo, sofreu no tempo
conveniente.
Como dissemos, a Paixão de
Cristo dependia da sua vontade. Ora, a sua vontade era dirigida pela sabedoria
divina, que dispõe todas as coisas
convenientemente e com suavidade, no dizer da Escritura, Donde devemos
concluir que a Paixão de Cristo se consumou no tempo conveniente. Donde o dizer
um autor: O Salvador fez tudo em lugares
e tempos próprios.
DONDE A RESPOSTA ÀPRIMEIRA OBJECÇÃO. —
Alguns dizem que Cristo sofreu na décima quarta lua, quando os judeus imolavam
a Páscoa. Por isso refere o Evangelho, que os judeus não entraram no Pretório
do Pilatos, no dia mesmo da Paixão, por se não se contaminarem, para comerem a
Páscoa, ao que diz Crisóstomo: Então os
judeus celebravam a Páscoa; ao passo
que Cristo celebrou a Páscoa um dia antes, reservando-se a sua imolação para a
sexta-feira quando se celebrava a Páscoa antiga. Com o que parece estar de
acordo o dito do Evangelho, que antes do
dia da festa da Páscoa Cristo acabada a ceia, lavou os pés dos discípulos.
Mas contra este sentir é o lugar do Evangelho, onde se diz que no primeiro dos dias em que se comiam os
pães ázimos, vieram ter com Jesus os seus discípulos, dizendo: Onde queres tu
que te preparemos o que se há-de comer na Páscoa? Donde resulta que chamando-se dia de ázimos o décimo quarto
dia do primeiro mês, quando o cordeiro era imolado e era o plenilúnio, como
adverte Jerónimo, resulta que Cristo celebrou a ceia na décima quarta lua e
sofreu a Paixão na décima quinta. E isso é mais expressamente mencionado pelo no
Evangelho: No primeiro dia em que se
comiam os pães ázimos, quando se imolava o cordeiro pascal, etc. E noutro
lugar: Chegou o dia dos pães ázimos no
qual era necessário imolar-se a Páscoa. Por isso, alguns dizem, que Cristo
no dia conveniente, isto é, na décima quarta lua, comeu a Páscoa com os seus
discípulos, mostrando assim que até o
último dia não era contrário à lei, como ensina Crisóstomo. Mas os judeus,
ocupados em condenar Cristo à morte, adiaram para o dia seguinte a celebração
da Páscoa, contrariando a lei. E por isso o Evangelho diz deles que, no dia da
Paixão de Cristo, não quiseram entrar no
pretório, por não se contaminarem, mas comerem a Páscoa.
Mas também este modo de ver não
concorda com as palavras de Marcos quando diz: No primeiro dia em que se comiam os pães ázimos, quando se imolava o
cordeiro pascal. Logo Cristo e os judeus celebraram simultaneamente a antiga
Páscoa. E, como Beda diz: embora Cristo,
que é a nossa Páscoa, fosse crucificado no dia seguinte, isto é, na décima
quinta lua, contudo na noite em que o cordeiro foi imolado, entregou o seu
corpo e o seu sangue aos discípulos para a celebração dos santos mistérios; e
então preso e ligado pelos judeus, consagrou o principio da sua imolação,
isto é da sua paixão. Quanto ao que diz o Evangelho — Antes do dia da festa da Páscoa — entende-se que foi a décima
quarta lua, que então teve lugar na quinta-feira; pois, a lua décima quinta era
o dia soleníssimo da Páscoa entre os judeus. E assim, o mesmo dia a que João
chama — antes do dia da festa da Páscoa
— por causa da distinção natural dos dias, Mateus denomina o primeiro dia em que se comiam os ázimos. Porque, segundo o rito
da festividade judaica, a solenidade principiava na tarde do dia precedente. —
Quanto ao lugar, que os judeus haviam de comer a Páscoa na décima quinta lua,
devemos entender que ai a Páscoa não significa o cordeiro pascal, que fora imolado
na décima quarta lua; mas a comida pascal, isto é, os pães ázimos, que deviam
ser comidos pelos puros. E por isso Crisóstomo, comentando esse lugar refere noutra
exposição: Páscoa pode tomar-se por toda
a festa dos judeus, que durava sete dias.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz
Agostinho, era quase a hora sexta quando
o Senhor foi entregue para ser crucificado por Pilatos, segundo refere
João. Assim, ainda não era plenamente a sexta, mas quase a sexta, isto é, já se
tinha passado a quinta e tinha decorrido já uma parte da sexta, até que, estando
esta completa Cristo pendente da cruz, fizeram-se as trevas. Entende-se, porém
que era à terceira hora, quando os Judeus vociferavam pedindo pela crucifixão
do Senhor; e é absolutamente verdade que o crucificaram quando vociferavam. Donde,
a fim de que ninguém, afastando dos judeus o pensamento de um tão grande crime,
o fizesse recair sobre os soldados, o Evangelho diz que era a hora terceira e então o crucificaram. De modo que se entenda,
antes, terem sido os que vociferavam os que o crucificaram na hora sexta. —
Embora não falte quem queira entender como a terceira hora do dia a Parasceve,
que João comemora, ao dizer — Era então o
dia da preparação da Páscoa (Parasceve), quase à hora sexta. Porque
Parasceve significa preparação. Porém e verdadeiramente, a Páscoa celebrada na
Paixão do Senhor, começou a ser preparada desde a nona hora da noite, isto é,
quando todos os príncipes dos sacerdotes disseram — É réu da morte. Assim que, dessa hora da noite até à crucificação
de Cristo, decorreu a hora sexta da
Parasceve, segundo João, e a terceira
hora do dia, segundo Marcos. — Alguns, porém dizem que essa diversidade
resulta de um erro do copista grego; pois, os números que representam três e
seis são muito semelhantes entre si.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz um autor: O Senhor quis remir e reformar o mundo pela
sua paixão, na mesma época em que o criou, isto é, no equinócio. É então que o
dia começa a ser mais longo que a noite, porque pela paixão do Salvador somos
tirados das trevas para a luz. E como a iluminação perfeita será no segundo
advento de Cristo, por isso o tempo do segundo advento é comparado ao estio,
pelo Evangelho, quando diz: Quando os seus ramos (da figueira) estão já tenros
e as folhas tem brotado, sabei que está perto o estio; assim também vós quando
vides tudo isto, sabei que esta perto, às portas. E então terá lugar a
exaltação suprema de Cristo.
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo quis
sofrer na idade de moço por três razões. — Primeiro, para nos demonstrar melhor
o seu amor, dando a sua vida por nós, quando a tinha no seu estado mais
perfeito. — Segundo, porque não convinha que nele se manifestasse nenhuma
decadência física, como nem qualquer doença, segundo se disse. - Terceiro, a
fim de que, morrendo e ressurgindo na quadra da mocidade, mostrasse de antemão
em si a qualidade futura dos ressuscitados. Por isso diz o Apóstolo: Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao
conhecimento do Filho de Deus, a estado de varão perfeito, segundo a medida de
idade completa de Cristo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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