Tempo Comum
Evangelho:
Jo 16, 12-15
12
Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora. 13
Quando vier, porém, o Espírito da Verdade, Ele vos guiará no caminho da verdade
total, porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e
anunciar-vos-á as coisas que estão para vir. 14 Ele Me glorificará, porque
receberá do que é Meu e vo-lo anunciará. 15 Tudo quanto o Pai tem é Meu. Por
isso Eu vos disse que Ele receberá do que é Meu e vo-lo anunciará.
Comentário:
O Espírito Santo não virá dizer-nos coisas
diferentes das que Jesus Cristo nos disse.
Mas, então, porque se dará essa compreensão
mas almas que em muitos casos, parece faltar aos que ouvem Jesus?
Porque traz consigo os seus Dons,
nomeadamente os de ciência e de entendimento que abrirão as inteligências e
ajudarão as almas a compreender e, compreendendo, a acreditar.
(ama, comentário sobre Jo 16, 12-15, 2013.05.26)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra"
CAPÍTULO TERCEIRO
O Deus da Fé e o Deus dos Filósofos
1.
Opção da Igreja antiga pela filosofia
A opção contida na imagem bíblica de Deus devia ser
reiterada nos alvores do cristianismo e da Igreja; aliás deve ser renovada no
início de cada situação nova, pois continua sendo simultaneamente tarefa e
dádiva. O anúncio proto-cristão e a fé da Igreja primitiva encontravam-se de
novo num meio ambiente saturado de deuses e, por isso, diante do problema que
coube a Israel resolver na época de sua origem e no seu embate com os poderes
do tempo do exílio e pós-exílio. Tratava-se novamente de declarar que espécie
de Deus, afinal, era visado pela fé cristã. Sem dúvida a opção da Igreja
primitiva tinha a vantagem de poder apelar para toda a luta pretérita,
sobretudo para a sua fase derradeira, a obra do Deutero-Isaías e a literatura
sapiencial, para o passo dado na versão grega do Antigo Testamento e, afinal,
para os escritos do Novo Testamento, principalmente para o Evangelho de S.
João. Com a cobertura de toda esta história, a cristandade antiga decidiu a sua
escolha e a sua purificação, concretizando-a com audácia, optando pelo Deus
dos filósofos contra os deuses das religiões. Surgindo a pergunta: a que
Deus correspondia o Deus cristão, quiçá a Júpiter ou Hermes ou Dionísio ou a
outro qualquer, a resposta era: a nenhum deles. A nenhuma das divindades às
quais fazeis preces, mas única e exclusivamente àquele Deus ao qual não rezais,
àquele ser supremo do qual falam os vossos filósofos. A Igreja primitiva
recusou decididamente o cosmos inteiro das religiões antigas, considerando-o como
ilusão e engano, e expondo a sua fé do seguinte modo: ao proferir a palavra
"Deus", não veneramos, nem temos em vista nada de tudo isto, mas
exclusivamente o próprio ser, aquilo que os filósofos destacaram como
fundamento de todo o ser, como o Deus acima de todas as potências – somente ele
é o nosso Deus. Nesse processo estão uma escolha e uma decisão não menos
decisivas e duráveis para o futuro do que o foram, no seu tempo, a escolha de
El ou iah contra Moloch e Baal e a evolução de ambos para Elohim e Iahvé,
na direcção da ideia do ser. A opção assim feita conotava escolha do Logos
contra qualquer espécie de mito, ou seja, significava a definitiva demitização
do mundo e da religião.
Teria sido certo o caminho da opção em favor do
Logos contra o mito? Para encontrar a resposta certa cumpre não perder de vista
todas as nossas considerações sobre a evolução interna do conceito bíblico de
Deus, através de cujos últimos passos já se encontra confirmada, de facto,
neste sentido, a posição do crístico no mundo helénico. Por outro lado é mister
considerar que o próprio mundo antigo conhecia, de forma bem distinta, o dilema
entre o Deus da fé e o Deus dos filósofos. Entre as divindades míticas das
religiões e o conhecimento filosófico de Deus desenvolveu-se, no correr da
história, uma tensão sempre mais forte contida na crítica dos mitos, feita
pelos filósofos desde Xenófanes até Platão, que se preocupava com a tentativa
de abolir o mito homérico clássico, substituindo-o por um mito novo, em
consonância com o Logos. A pesquisa actual convence-se sempre mais da
existência de um paralelo extraordinário de carácter temporal e real entre a
crítica filosófica dos mitos na Grécia e a crítica profética dos deuses em
Israel. É certo que ambos partem de hipóteses totalmente diversas, visando
metas completamente diferentes. Mas o movimento do Logos contra o mito,
tal como se deu na mentalidade grega, no esclarecimento filosófico a ponto de
acabar causando a queda dos deuses, está em paralelo intrínseco com o
esclarecimento da literatura profética e sapiencial na sua demitização dos
poderes idolátricos, em favor do único Deus. Ambos os movimentos convergem no
Logos, apesar de todas as antíteses. O esclarecimento filosófico e a sua
mentalidade "física" do ser desalojam sempre mais a aparência mítica,
mas sem afastar a forma religiosa da veneração dos deuses. Por isso a religião
antiga desfez-se totalmente no abismo entre o Deus da fé e o Deus dos
filósofos, na diástase total entre razão e piedade. Não se conseguiu reunir
ambas as coisas, já que razão e fé se afastaram sempre mais, separando-se o
Deus da fé e o Deus dos filósofos: estava aí o descalabro interno da religião
antiga. A religião cristã não tinha a esperar outro destino, se concordasse com
separação semelhante da razão e com uma correspondente retirada para o terreno
puramente religioso, como Schleiermacher defende e como, em certo sentido, se
encontra, paradoxalmente, no grande crítico e adversário de Schleiermacher, que
foi Karl Barth.
O destino oposto do mito e do Evangelho no mundo
antigo, o fim do mito e a vitória do Evangelho, sob o enfoque da história da
filosofia, devem ser, essencialmente, explicados a partir da relação antitética
criada, em ambos os casos, entre religião e filosofia, entre fé e razão. O
paradoxo da filosofia antiga, sob o enfoque religioso-histórico, consiste no facto
de ela ter destruído o mito, racionalmente, tentando, ao mesmo tempo,
re-legitimá-lo religiosamente – isto é: não foi revolucionária religiosamente,
mas, no máximo, evolucionária, tratando a religião como questão do teor de vida
e não como questão da verdade. Paulo descreveu muito exactamente este processo
na Epístola aos Romanos [1], apoiando-se na literatura sapiencial, usando a linguagem profética (e
respectivamente, o estilo antigo-testamentário dos livros sapienciais). Já no
livro da Sabedoria [2] encontra-se a alusão a esse destino trágico da religião antiga e ao
paradoxo inerente à separação de verdade e piedade (ou fé). Paulo reassume o
que ali se disse em poucos versículos, descrevendo a sorte da religião antiga a
partir desse divórcio entre Logos e mito: "O que de Deus se pode
conhecer... é para eles manifesto, tendo-lho Deus manifestado... Mas, conhecendo
embora a Deus, não o honraram como Deus... Trocaram a glória do Deus
indefectível pela reprodução em imagens do homem corruptível, de aves, de
quadrúpedes e de répteis... " [3].
A religião não segue a senda do Logos, mas persiste
no mito compreendido como vazio de qualquer realidade. Com tal era inevitável a
sua ruína, consequência do afastamento da verdade, que levou a considerar a
religião como mera institutio vitae, simples convenção e forma de vida.
Em contraste com semelhante situação, Tertuliano descreveu a posição cristã com
muita ênfase, em frase ousada, ao dizer: "Cristo denominou-se a verdade,
não o costume". Vejo aí uma das grandes frases da teologia patrística.
Está aí condensada de modo único a luta da Igreja antiga e a tarefa permanente
imposta à fé cristã, caso queira conservar-se fiel a si mesma. A divinização da
consuetudo Romana, da "origem" da cidade de Roma, que
transformava os seus costumes em norma auto-suficiente do comportamento
contrapõe-se à pretensão exclusivista da verdade. Com tal o cristianismo
colocou-se decididamente ao lado da verdade, voltando as costas a uma ideia de
religião que se satisfazia em ser figura cerimonial, à qual se podia
acrescentar um sentido qualquer na fase da interpretação.
Uma indicação ainda para esclarecer o que foi dito.
A antiguidade adaptou, afinal, o dilema da sua religião, da sua separação da
verdade do conhecimento filosófico, na ideia de três teologias cuja existência
era afirmada: teologia física, política e mítica. Justificou a pendência de
mito e Logos com a consideração pelo sentir do povo e pela utilidade do estado
na medida em que a teologia mítica possibilitava também uma teologia política. Por
outras palavras: de facto colocou a verdade contra o costume, a utilidade
contra a verdade. Os representantes da filosofia neo-platónica deram um passo para
a frente interpretando o mito ontologicamente, explicando-o como teologia do
símbolo, tentando assim colocá-lo como mediador no caminho da exegese da
verdade. Mas, cessou realmente de existir o que só pode sobreviver graças à
interpretação. O espírito humano, com razão, volta-se para a própria verdade e
não para o que ainda se pode declarar como concorde com a verdade por meio do
método da interpretação, usando de atalhos, de subterfúgios, muito embora não
possua mais nenhuma verdade.
Ambos os processos revelam algo presente no nosso
momento histórico, prenhe de preocupações. Numa situação onde a verdade do
crístico parece em vias de se desfazer, tornam a delinear-se na luta em torno
do cristianismo hodierno exactamente aqueles dois métodos com que outrora o
politeísmo antigo travou o seu combate mortal e foi derrotado. De um lado, está
a retirada do âmbito da verdade da razão para uma esfera de pura piedade, de
pura fé, de simples revelação; retirada que, na realidade, queira-se ou não,
concedida ou negada, se assemelha de maneira fatal à retirada da religião
antiga frente ao Logos, à fuga face à verdade, para os domínios de lindos
costumes ou tradições, e face à física, para o seio da política. Do outro lado
está o processo, que eu denominaria resumidamente cristianismo interpretativo.
Aqui se desfaz, com o método da interpretação, o escândalo do crístico e, ao
tornar-se assim não escandaloso, faz, ao mesmo tempo, da sua própria causa uma
frase dispensável, um atalho inútil para dizer o simples que aqui é explicado
mediante complicadas artimanhas interpretativas.
Ao contrário disto, a opção cristã original é
completamente outra. A fé cristã optou – já o vimos – pelo Deus dos filósofos,
isto é, contra o mero mito do costume, optou exclusivamente pela verdade do
próprio ser. A objecção contra a Igreja antiga – de que os seus membros eram
sequazes do ateísmo – procedia desse processo. Realmente, consequência disto
foi que a antiga Igreja repudiou o mundo inteiro da religião antiga, que
declarou nada disto aceitável, mas afastou de si tudo isto como sendo costume
vazio, que se opõe à verdade. O Deus dos filósofos que foi conservado, não era
considerado pela antiguidade como religiosamente importante, mas apenas como
uma realidade académica, extra-religiosa. O facto de só deixar este Deus e de
somente e exclusivamente declarar-se por ele foi considerado como
irreligiosidade, como negação da religião e como ateísmo. Na suspeita de
ateísmo com que o cristianismo antigo tinha de lutar, torna-se claramente
reconhecível a sua orientação espiritual, a sua opção contra a religião e
contra o seu costume vazio de verdade, opção feita unicamente em favor da
verdade do ser.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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