Tempo ComumPáscoa
Evangelho:
Mc 9, 41-50
41 «Quem vos der um copo de água, porque sois de Cristo, em verdade vos
digo que não perderá a sua recompensa. 42 «Quem escandalizar um
destes pequeninos que creem em Mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço a mó
que um asno faz girar, e que o lançassem ao mar. 43 Se a tua mão é
para ti ocasião de pecado, corta-a; melhor te é entrar na vida eterna mutilado,
do que, tendo as duas mãos, ir para a Geena, para o fogo inextinguível. 44
Omitido pela Neo-Vulgata. 45 Se o teu pé é para ti ocasião de
pecado, corta-o; melhor te é entrar na vida eterna coxo, do que, tendo os dois
pés, ser lançado na Geena.46 Omitido pela Neo-Vulgata. 47
Se o teu olho é para ti ocasião de pecado, lança-o fora; melhor te é entrar no
reino de Deus sem um olho do que, tendo dois, ser lançado na Geena, 48
“onde o seu verme não morre e o seu fogo não se apaga”.49 Todo o
homem será salgado no fogo. 50 O sal é uma coisa boa; porém, se se
tornar insípido, com que haveis de lhe dar o sabor? Tende sal em vós, e tende
paz uns com os outros».
Comentário:
Literalmente, Jesus Cristo dá-nos uma
dimensão da realidade mais evidente: o que temos que fazer para ganhar a Vida
Eterna.
Nada pode ser admitido que constitua
obstáculo no nosso caminhar de cristãos em busca da salvação e, esses
obstáculos, combatem-se com as boas obras por mais pequenas ou insignificantes
que possam considerar-se: como dar um simples copo de água.
(ama, comentário sobre Mc 9, 41-50, 2014.02.27)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO SEGUNDO
PRIMEIRA PARTE
DEUS
«Creio em Deus Pai, Todo-poderoso,
Criador do céu e da terra"
CAPÍTULO SEGUNDO
A Fé em Deus na Bíblia
Para compreender a fé bíblica em Deus é preciso
seguir-lhe a evolução histórica, desde as origens nos patriarcas de Israel até
aos escritos do Novo Testamento. O Antigo Testamento, com o qual logicamente
devemos começar, põe-nos nas mãos um fio condutor que orienta os nossos
esforços: com efeito, o Antigo Testamento formulou a sua ideia de Deus
essencialmente em dois nomes: Elohim e Iahvé. Nestas duas
denominações revela-se a segregação e a escolha feita por Israel no seu mundo
religioso e, simultaneamente, torna-se visível a opção positiva realizada numa
tal escolha e na subsequente conversão do eleito.
1. O problema histórico da sarça-ardente
Como texto central do conhecimento de Deus no
Antigo Testamento certamente deve ser apontada a narrativa da sarça-ardente [1] em que, juntamente com a revelação do nome de Deus a Moisés, se coloca
a base decisiva do deus que, a partir dali, dominará a Israel. O texto descreve
a vocação de Moisés para chefe de Israel pelo Deus oculto-revelante na chama da
sarça, e a hesitação de Moisés que exige um conhecimento claro do seu comitente
e uma clara prova da sua autoridade. Neste contexto desenvolve-se o diálogo em
torno do qual jamais cessarão as especulações:
"E Moisés disse a Deus: "Eis que eu me
apresentarei aos filhos de Israel e lhes direi: O Deus dos vossos pais
enviou-me a vós. Mas se me perguntarem: "Como se chama?" Que lhes
responderei?" E Deus disse a Moisés: "SOU AQUELE QUE SOU". E
acrescentou: "Assim falarás aos filhos de Israel: EU SOU mandou-me a
vós". E Deus disse ainda a Moisés: "Assim falarás aos filhos de
Israel: Jahvé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o
Deus de Jacob enviou-me a vós. Esse é o meu nome para a eternidade, e essa é a
minha denominação para todos os séculos" [2], [3] .
Dentro do sentido do texto é evidente a intenção de
fundamentar o nome "Iahvé" como nome decisivo de deus em Israel,
primeiro fixando-o historicamente na origem da génese do povo israelita e no
acontecimento da aliança, e, em seguida, dando-lhe uma explicação do conteúdo.
Este último sucede pela redução do incompreensível vocábulo "Iahvé" à
raiz "haia" (= ser). Isto é possível dentro do resíduo consonantal
hebraico. Mas, ao menos é problemático que tal explicação corresponda
filologicamente à real procedência do termo "Iahvé": trata-se – como
tantas vezes no Antigo Testamento – de uma etimologia teológica e não
filológica. Não é o caso de pesquisar um sentido primitivo dentro da gramática
histórica, mas de realizar um sentido, em concreto. A etimologia realmente
torna-se instrumento de um comportamento que cria um sentido. A este
esclarecimento do nome "Iahvé" pela palavra "ser"
acrescenta-se então uma segunda tentativa de esclarecer: quando se diz que
lahvé é o Deus dos pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Ou seja: a
compreensão da palavra deve ser alargada e aprofundada pela equiparação do Deus
assim denominado ao Deus dos patriarcas de Israel, que era invocado com
"El" ou "Elohim".
Tentemos ver a imagem de Deus assim surgida.
Primeiro, que significa essa ideia do "ser" trazida à colacção como
explicação de Deus? Para os Padres vindos da filosofia grega havia aí uma
inesperada e ousada confirmação do seu próprio passado filosófico, pois a
filosofia grega considerava decisiva a sua descoberta do ter averiguado a
presença omni-abarcante da ideia do ser por trás das inumeráveis coisas com que
o homem diariamente se tinha de haver, ideia esta em que viam a mais adequada
expressão da divindade. E a Bíblia parecia afirmar exactamente o mesmo no seu texto
central sobre a imagem de Deus. Não era o caso de ver aí uma espantosa
confirmação da unidade de fé e filosofia? Com efeito, a patrística viu
revelar-se aí a mais profunda unidade de pensamento e fé, de Platão e Moisés, do
espírito grego e bíblico. Sentiu tão completamente a identidade entre a busca
filosófica e a aceitação do que se lhe oferecia na fé de Israel, que chegou a
defender a tese de que Platão não seria capaz de chegar a semelhante
conhecimento pelos seus próprios recursos, tendo seguramente conhecido o Antigo
Testamento donde haurira as suas ideias. Assim o cerne da filosofia platónica viu-se
reduzido indirectamente à Revelação – já que não se ousava derivar das forças
do espírito humano uma concepção de profundeza tão radical como o platonismo.
Na realidade, o texto do Antigo Testamento ao
alcance dos Padres favorecia o desabrochar da ideia de identidade entre Platão
e Moisés, aliás com a dependência colocada, antes, do outro lado: os tradutores
do Antigo Testamento para o grego estavam sob a influência da filosofia grega,
tendo lido e interpretado o texto original à luz desta filosofia. Deve tê-los
impressionado o pensamento de que o espírita helénico e a fé bíblica se
entrosavam; os tradutores construíram, por assim dizer, a ponte a ligar o
conceito bíblico de Deus com o pensamento grego, ao traduzir o versículo 14:
"Sou aquele que sou" com a frase: "Sou o existente". Assim
identifica-se o nome bíblico com o conceito filosófico. O escândalo do nome, do
Deus que se nomeia, fica diluído no oceano do pensamento ontológico; a fé
casa-se com a ontologia. Com efeito, constitui escândalo para o pensamento o facto
de o Deus bíblico ter nome. Será este facto mais do que uma lembrança do mundo
politeísta em que a fé bíblica começou a germinar? Num mundo que formigava de
deuses, era impossível Moisés dizer: Deus manda-me. Nem mesmo: O Deus dos pais
envia-me. Ele sabia que isto não significava nada e que iriam perguntar-lhe:
Que Deus? Mas a questão é a seguinte: ter-se-ia podido dar ao "Ente"
platónico um nome, manifestando-o como indivíduo? Ou, o facto de poder
denominar-se esse Deus não seria expressão de uma ideia fundamentalmente
diversa? E, acrescentando-se que, para o texto, é de importância a ideia de que
só se pode chamar pelo nome a Deus, porque ele mesmo se chamou, aprofunda-se o
fosso para a ideia platónica, para o ser como ponto final do pensamento
ontológico que não é nomeado e, muito menos, se nomeia.
Então a versão grega e as conclusões patrísticas
dela tiradas basear-se-iam num equívoco? A respeito disto não são só os
exegetas de hoje que têm o mesmo parecer, como também os sistemáticos
acentuam-no com muita força e com a exactidão que esta questão merece, acima de
todos os problemas exegéticos. Assim Emil Brunner afirma com toda a firmeza que
o sinal de identidade entre o Deus da fé e o Deus dos filósofos, aqui colocado,
significa a conversão da ideia bíblica de Deus no seu oposto. Em lugar do nome
põe-se aqui o conceito, em lugar do indefinível entra a definição. Com o que se
coloca em discussão a exegese patrística inteira, a fé em Deus da Igreja
antiga, a profissão e a imagem do Deus do símbolo. Trata-se de uma queda na
helenização, da apostasia do Deus ao qual o Novo Testamento chama Pai de Jesus
Cristo, ou estará expresso aqui, sob novos pressupostos, o que é sempre de
afirmar-se?
Antes de mais, cumpre, embora muito ao de leve,
pesquisar o estado real exegético da situação. Que significa o nome
"Iahvé" e o que quer dizer a sua interpretação pela palavra
"ser"? As duas perguntas dependem uma da outra, sem que sejam
idênticas. Tentemos primeiro focalizar mais de perto a primeira delas. Ainda
estamos em condições de estipular alguma coisa sobre significado o primitivo do
nome Iahvé, partindo de sua origem linguística? Isto é quase impossível, porque
exactamente a respeito desta origem tateamos no escuro. Sem dúvida uma coisa
pode afirmar-se claramente: falta uma comprovação segura do nome Iahvé, antes
de Moisés, fora de Israel; e nenhuma das tentativas de descobrir as raízes pré-israelitas
do nome convence. Sem dúvida conhecem-se, já antes, partículas como iha, ia,
iahv, contudo o pleno desdobramento do nome Iahvé realizou-se primeiramente
em Israel, enquanto o podemos constatar hoje; parece ser obra da fé de Israel
que, não sem relação com o resto, refundiu de modo criativo, para si, o seu
próprio nome divino e desenvolveu nele a sua própria imagem de Deus.
Mas hoje existem indícios de que a formação desse
nome realmente foi obra de Moisés, que, mediante ele, carreou nova esperança
aos seus compatriotas escravizados: a formação definitiva de um nome divino
próprio e, com ele, a ideia própria de Deus parecem ter sido o ponto de partida
da génese étnica dos israelitas. Também sob o enfoque meramente histórico pode
afirmar-se que Israel se tornou povo a partir de Deus, e exclusivamente a
partir da vocação para a esperança que o nome divino significava, é que chegou
a ser o que é. Entre as numerosas indicações e pontos de referências para a
época pré-israelita do nome Iahvé, que dispensam um debate neste lugar, a mais
bem fundamentada e, ao mesmo tempo, objectivamente de uma fertilidade peculiar,
parece-me a observação de H. Cazelles que chama a atenção para os nomes
teofóricos (nomes de pessoas com uma referência a Deus) no reino da Babilónia,
nomes formados com a partícula "yaun", respectivamente encerrando o
elemento "yau" ou "ya", que conota aproximadamente "o
meu", "meu Deus". Na confusão de tipos divinos com que tinha de
haver-se, essa forma aponta para o Deus pessoal, isto é, para o Deus que,
voltado para o homem, é pessoal e tem relação com as pessoas. É o Deus que,
existindo pessoalmente, tem a ver com o homem como homem. Esta observação é
digna de nota, enquanto se cruza com um elemento central da fé pré-mosaica, a
saber, com a imagem de Deus que costumamos chamar "o Deus, dos nossos
pais", com apoio na Bíblia. A etimologia proposta cobrir-se-ia assim com o
que narra a história da sarça-ardente, como suposição interna da fé em Iahvé,
ou seja com a fé do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Portanto, voltemos a
atenção para esta figura sem a qual não é possível desvendar o sentido da
mensagem de Iahvé.
(cont)
joseph
ratzinger, Tübingen, verão de 1967.
(Revisão da versão portuguesa por ama)
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