Evangelho:
Jo 14, 15-21
15
«Se Me amais, observareis os Meus mandamentos; 16 e Eu rogarei ao Pai e Ele vos
dará um outro Paráclito, para que fique eternamente convosco, 17 o Espírito de
verdade, a Quem o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece; mas vós
O conheceis, porque habita convosco e estará em vós. 18 «Não vos deixarei
órfãos; voltarei a vós. 19 Ainda um pouco, e depois já o mundo não Me verá. Mas
ver-Me-eis, porque Eu vivo e vós vivereis. 20 Naquele dia conhecereis que estou
em Meu Pai e vós em Mim e Eu em vós. 21 Aquele que aceita os Meus mandamentos e
os guarda, esse é que Me ama; e aquele que Me ama, será amado por Meu Pai, e Eu
o amarei, e Me manifestarei a ele».
Comentário:
O nome de
Paráclito que vem do grego "para", que pode significar cerca de,
inclinado para, e "clito"
com o sentido de amigo, próximo, advogado, aplica-se bem ao papel, à acção do
Espírito Santo no homem.
Realmente Ele é o
amigo íntimo em quem se pode confiar, o conselheiro sempre pronto a ajudar a
dissipar a dúvida o advogado disponível para defender do perigo.
Na intimidade
revela-se a Sua poderosa assistência, a Sua acção é discreta e suave.
Não impõe, mas
convida;
Não ordena, mas sugere;
É o "sopro" divino que transmite a
vida, as Virtudes, os Dons com que nos tornamos mais homens, mais dignos, mais
merecedores do prémio da vida eterna.
(ama,
comentário sobre Jo 14, 15-21, 2011.05.30)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO SEGUNDO
Forma Eclesial da Fé
Preliminares à história e à estrutura
do Símbolo Apostólico da Fé
Tudo o que se disse até aqui girou em volta da
pergunta formal: Que é a fé e onde pode localizar-se no mundo do pensamento
moderno, onde pode exercer a sua função? Assim forçosamente ficaram em aberto
outros problemas mais vastos relacionados com a fé – e o conjunto quiçá se nos
tenha apresentado ainda excessivamente pálido e indeciso. As respostas só podem
ser encontradas com um olhar directo para a fé cristã na sua feição concreta
que a seguir vamos analisar, tomando por guia o assim chamado símbolo
apostólico.
Talvez seja útil fornecer alguns dados sobre a
origem e estrutura do símbolo, que contribuirão para esclarecer o "por
quê" do nosso proceder. A forma básica do nosso símbolo apostólico
cristalizou-se no correr do segundo e terceiro século, em nexo com o rito baptismal.
Trata-se originariamente de uma fórmula nascida na cidade de Roma. Contudo, o seu
lugar interno de origem é a liturgia, ou mais exactamente, o baptismo. O rito
baptismal fundamentalmente orientava-se pelas palavras de Cristo: "Ide,
fazei discípulos a todos os povos e baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo" [1]. De acordo com esta ordem, o batizando ouvia três perguntas: "Crês
em Deus, Pai todo-poderoso...? Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus...? Crês no
Espírito Santo...?" A cada uma das perguntas o batizando respondia:
"Creio", sendo, de cada vez, mergulhado na água. Portanto, a fórmula
mais antiga do símbolo realiza-se em tríplice diálogo e está enquadrada no rito
baptismal.
Provavelmente ainda no correr do século II, mas
sobretudo no século III, a fórmula tríplice, tão simples, e reproduzindo apenas
o texto de Mt 28, sofreu um desdobramento na sua parte média, ou seja,
na pergunta sobre Cristo. Por se tratar do que é tipicamente cristão, aproveitou-se
a ocasião para fornecer um resumo a respeito da importância de Cristo para o
cristão, dentro dos limites daquela pergunta. Igualmente a terceira pergunta, a
profissão da fé no Espírito Santo, foi explicitada e desenvolvida como
declaração da fé a respeito do presente e do futuro do cristão. No século IV
estamos diante de um texto contínuo, libertado do esquema de perguntas e
respostas. A circunstância de continuar formulado em grego torna plausível sua
origem no século III, pois no século IV a liturgia romana havia passado
definitivamente para o latim. Não demora muito e surge uma versão latina. O
símbolo da cidade de Roma impôs-se rapidamente em todo espaço de fala latina,
graças à posição especial que coube à Igreja de Roma em todo o Ocidente. O
texto passou por uma série de alterações menores; afinal, Carlos Magno
apresentou, para uso no seu império inteiro, um texto que – baseando-se no
romano – recebera a sua forma definitiva na Gália; em Roma, o texto
uniformizado foi aceite no século IX. Aproximadamente desde o século V, talvez
já do século IV, surge a lenda da origem apostólica desse formulário que muito
cedo (provavelmente ainda no correr do século 5) se concretizou na suposição de
que cada um dos doze artigos, em que fora dividido, representava a contribuição
de um dos doze apóstolos.
No Oriente permaneceu desconhecido o símbolo
romano. Não foi pequena a surpresa dos delegados romanos ao Concílio de
Florença (século XV), ao ouvirem que os orientais (gregos) não recitavam o
símbolo tido como de origem apostólica. O Oriente jamais elaborou um texto
uniforme porque nenhuma de suas Igrejas particulares assumira posição
comparável à de Roma no Ocidente – como única "sede apostólica" nesta
parte do mundo. Para o Oriente, sempre foi característica a multiplicidade dos
símbolos que também se afastam um tanto do símbolo romano quanto à feição
teológica. O Credo romano (e ocidental em geral) tem um cunho mais
sótero-cristológico. Conserva-se, por assim dizer, no interior do aspecto positivo
da história cristã; aceita, sem mais, o facto de Deus se ter tornado homem para
nossa salvação e não tenta olhar para os bastidores da história indagando das
suas razões e do seu nexo com o conjunto do ser. O Oriente, pelo contrário,
sempre procurou a fé cristã na sua perspectiva cosmo-metafísica, que se revela
nos símbolos, sobretudo pelo facto de colocar em relação mútua a cristologia e
a criação do mundo, pondo assim um nexo íntimo entre a redenção única e
irrepetível, e a criação contínua e total. Mais tarde voltaremos a mostrar como
esta visão mais alargada, finalmente, começa a revalorizar-se mais
acentuadamente na consciência ocidental, sobretudo graças à influencia da obra
de Teilhard de Chardin.
- Limite
e importância do texto
O esquema rudimentar da história do símbolo que
acabo de dar exige uma reflexão complementar. Pois já um olhar fugaz sobre a génese
do texto, tal como foi apresentado, mostra que neste processo se reflectem toda
a tensão da história da Igreja do primeiro milénio, o esplendor e a miséria
dessa história. Quer parecer-me que também isto representa uma expressão que
tem nexo com a causa da fé cristã, deixando reconhecer a sua fisionomia
espiritual. Sem dúvida, o símbolo exprime primeiramente, por sobre todas as
divisões e tensões, o fundo comum da fé no Deus trino. É a resposta ao apelo
saído de Jesus de Nazaré: "Fazei discípulos a todos os povos e baptizai-os".
É reconhecimento dele como proximidade de Deus; dele como verdadeiro futuro do
homem. Mas, simultaneamente, já exprime o destino incipiente da ruptura entre
Oriente e Ocidente; a posição espiritual que Roma ganhou no Ocidente como sede
da tradição apostólica; a tensão que daí surgiu para a Igreja inteira, tudo isso
torna-se visível na história do símbolo. Finalmente a forma actual desse texto
exprime a uniformização da Igreja ocidental, partindo do terreno político, e
assim a tragédia do alheamento político da fé, o seu uso como instrumento
unificador do império. Ao usar esse texto, que se impôs como
"romano", mas, que nessa feição, foi trazido de fora para Roma,
encontramos nele presentes as agruras da fé constrangida a afirmar-se na sua
independência através do labirinto das finalidades políticas. No espelho dos
azares desse texto torna-se patente como a resposta ao apelo da Galileia se
mesclou com a ganga humana ao ingressar na história: misturando-se com os
interesses particulares de uma região, com o alheamento dos que foram convidados
à mesma fé, com os conchavos dos poderes deste mundo: o salto ousado rumo ao
infinito (ou seja: a fé) realiza-se nas miniaturizações humanas; e também aqui,
onde o homem arrisca o seu gesto mais grandioso, o salto para além da própria
sombra, rumo ao sentido que o sustenta, também aqui não é pura e nobre
grandeza, mas revela-o como o ser discordante, grande na sua miséria e,
contudo, miserável na sua grandeza. E torna-se visível algo muito central, a
saber, que a fé tem nexo com o perdão, que deve ter tal nexo, que a fé deseja
orientar o homem vendo nele o ser que só é capaz de se encontrar recebendo e
passando adiante o perdão, o ser necessitado do perdão, mesmo no que tem de
melhor e mais puro.
Acompanhando-se assim as pegadas deixadas pela
nossa condição humana no texto do "Credo", surge a dúvida: será
razoável basear-se em semelhante texto uma introdução ao cristianismo, como
programada neste livro? Não seria de temer que, já de entrada, nos encontremos
em terreno muito problemático? A pergunta deve ser feita, mas quem tentar
responder, há de constatar que o símbolo representa, no essencial, o eco fiel
da fé da Igreja antiga, apesar de todas as peripécias da sua formação, fé que,
por sua vez, é o núcleo fiel da mensagem do Novo Testamento. As discrepâncias
entre Oriente e Ocidente, de que se tratou antes, são diferenças de acentuação
teológica e não de fé. Aliás, na tentativa de compreender do que se trata,
cumpre-nos cuidar de relacionar o conjunto sempre novo com o Novo Testamento,
procurando lê-lo e interpretá-lo a partir das suas intenções.
- Fé e
Dogma
E mais uma observação. Ocupando-nos aqui com um
texto originariamente relacionado com o rito baptismal, encontramos simultaneamente
o sentido inicial de "doutrina" e de "profissão de fé" no
cristianismo e, com isto, também o sentido o que, posteriormente, foi chamado
de "dogma". Vimos que o "Credo" no rito baptismal era recitado
em forma dialogada, como tríplice resposta às três perguntas: "Crês em
Deus... em Cristo... no Espírito Santo?" Acrescentemos que ele representa
o membro positivo da tríplice renúncia que o antecede: "Renuncio a
Satanás, ao seu serviço e às suas obras". Isto quer dizer que a fé se
situa no acto da conversão, na reconversão do ser, que dá as costas à adoração
do visível e factível para voltar-se à adesão ao invisível. A palavra
"creio" poderia ser perfeitamente substituída aqui por: "Eu entrego-me
a... eu afirmo". Fé, no sentido de profissão de fé, e no seu sentido
original, não conota uma recitação de doutrinas, uma aceitação de teorias sobre
questões das quais nada se sabe e, por isso, tanto mais fortemente se afirma
algo; fé significa um movimento da existência humana inteira. Na linguagem de
Heidegger poder-se-ia dizer que ela conota uma "reviravolta" do homem
todo, reviravolta que, a partir dali, estrutura sem parar a sua existência. No
processo da tríplice renúncia e da tríplice profissão, unidas ao tríplice
simbolismo da morte por imersão (afogamento) e do tríplice simbolismo da
ressurreição para uma vida nova, a fé torna-se expressão concreta daquilo que
ela vem a ser: conversão, reviravolta da existência, volta do ser.
No processo da volta ou reviravolta, no qual
compreendemos a fé, o "eu" e o "nós", o "eu" e o
"tu" entrosam-se de modo tal que fornecem um quadro humano completo.
Trata-se, por um lado, de um processo muito pessoal, cujo íntimo insubstituível
se exterioriza no tríplice "creio" e no "renuncio" que o
precede: trata-se da minha existência, que deve converter-se, que deve
metamorfosear-se. Mas, ao mesmo tempo, com o elemento muito pessoal, encontramos
um elemento mais, que se revela na opção do "eu" como resposta a uma
pergunta no jogo entre: "Crês?" e "Creio!" Esta forma
primitiva do símbolo, constando primeiramente apenas de perguntas e respostas,
parece-me apresentar uma estrutura muito mais exacta da fé do que a fórmula
simplificada e colectiva elaborada mais tarde. Querendo abrir-se caminho até à
essência da fé cristã, será certo considerar esta forma primitiva dialogal como
a mais exacta elaborada pela própria natureza da fé. Ela é mais objectiva do
que o tipo de profissão em plural (nós) formado (em contraposição ao nosso tipo
no singular "Eu creio") na África cristã e, a seguir, nos grandes
concílios do Oriente. Nestes últimos aparece um novo tipo de afirmação que não
mais se radica no nexo sacramental de um acontecimento de conversão realizado
eclesialmente, na concretização da reviravolta do ser e assim no próprio lugar
originário da fé, mas origina-se da luta dos bispos reunidos em concílio em prol
da pureza doutrinal tornando-se assim claro esse estágio preparatório da futura
forma do dogma. Em todo caso, é importante que nesses concílios não eram ainda
formuladas sentenças doutrinais, concentrando-se o seu esforço em volta da
integridade do "Credo", como esforço ou preocupação pela maneira
autêntica da conversão, daquela reviravolta da existência que significa ser
cristão.
Tal poderia ser mostrado mais claramente na luta
dramática em torno da questão: "Quem é, quem foi Cristo?", luta que
abalou os alicerces da Igreja nos séculos IV e V. Nesta pendência não se
tratava de especulações metafísicas, incapazes de abalar aqueles dois séculos
até às bases, e até ao homem do povo. Tratava-se, antes, da questão: que
acontece, quando me torno cristão, quando me submeto ao nome desse Cristo,
afirmando-o assim como homem-norma, como medida do humano? Que espécie de
conversão da existência, que atitude para com a humanidade assumo com isto? Que
profundeza tem este processo? Que espécie de avaliação da realidade nele se
processa?
4. O Símbolo como expressão da estrutura da Fé
Encerrando esta série de considerações, destaquemos
dois pontos que resultam do texto e da história do símbolo.
a) Fé e palavra. O
"Credo" é um resíduo do diálogo original: "Crês?" –
"Creio!", diálogo que, por sua vez, aponta para o "cremos"
onde o "eu" do "creio" não é absorvido, mas encontra o seu
lugar próprio. Assim na pré-história do símbolo e na sua forma primitiva está
presente a figura completa antropomórfica da fé. Torna-se evidente que fé não
resulta de alguma subtileza individualista e solitária em que "eu"
imagino alguma coisa, reflectindo sozinho sobre a verdade, livre de todos os
laços. É, antes, o resultado de um diálogo, expressão da audição, da recepção e
da resposta que orienta o indivíduo para o plural da mesma fé, através da
sintonia do "eu" com o "tu".
"A fé vem da audição", diz S. Paulo [2]. Afirmação que poderia ser tomada por algo muito condicionado pela
época e susceptível de ser alterado. Há a tentação de ver aí meramente o
resultado de uma situação sociológica, de modo que, um belo dia, em vez disto,
poderia dizer-se: "A fé vem da leitura", ou "da reflexão".
Na realidade, impõe-se ver aí muito mais do que o reflexo de determinado momento
histórico. Na fórmula: "A fé vem da audição" encontra-se uma
afirmação duradoura da estrutura do que acontece a quem chega à fé. Nela está
patente a diferença entre fé e simples filosofia, que aliás não impede que a fé
revitalize a procura filosófica da verdade. Extremando a situação, poder-se-ia
dizer que, realmente, a fé não vem da "audição", como a filosofia se
origina da "reflexão". A natureza da fé está em não ser uma reflexão
sobre o que pode ser reflectido e que, afinal, estaria à disposição como
resultado do meu pensamento; para a fé, é característico que ela surge da
audição, sendo aceitação do que não se imagina, de modo que, na fé, o
pensamento sempre será, em última análise, uma reflexão sobre o que foi ouvido
e aceite.
Expresso de outro modo: existe na fé uma precedência
da palavra sobre o pensamento, que a distingue estruturalmente do feitio filosófico.
Na filosofia o pensamento precede a palavra, porque a filosofia é produto da
reflexão que, a seguir, se procura revestir de palavras, as quais, contudo,
permanecem secundárias em comparação com o pensamento e, por isto, podem sempre
ser substituídas por outras palavras. Pelo contrário, a fé aproxima-se de fora,
sendo-lhe essencial esta qualidade de vir de fora. Repitamos: a fé não é
produto auto-imaginado, mas o que me foi dito, que me encontra, me alicia e me
compromete, como algo não imaginado nem imaginável. É-lhe essencial a dupla
estrutura do: "Crês?" – "Creio!", a estrutura do ser chamado
de fora e da resposta. Portanto, não é anormal se, abstraindo de algumas excepções,
devemos dizer: não cheguei à fé mediante uma procura particular da verdade, mas
por uma aceitação que, por assim dizer, me antecedeu. E fé não pode nem deve
ser mero produto da reflexão. A suposição de que a fé deveria nascer através da
reflexão própria ou imaginação e mediante uma busca puramente pessoal da
verdade, no fundo já é expressão de determinado ideal, de uma mentalidade
intelectual que desconhece o aspecto peculiar da fé, que consiste na aceitação
do que não é imaginável – aceitação responsável, sem dúvida – em que o objecto
aceite jamais chega a tornar-se minha posse total, em que a dianteira nunca
será vencida completamente, em que, no entanto, a meta deve ser: apoderar-se
sempre mais do que foi recebido, através da minha entrega a ele como ao maior.
Por ser assim, porque a fé não é o que inventei,
mas o que me sobreveio de fora, por isso a sua palavra não está à minha disposição,
nem está sujeita à mudança, a meu talante, mas é-me superior e sempre está à
frente, tomando a dianteira ao meu pensamento. A figura do processo da fé está
caracterizada pela positividade do que me sobrevém, não se originando de mim e
revelando-me o que não sou capaz de doar-me. Por isso, existe aqui uma primazia
da palavra expressa sobre o pensamento, de tal modo que não é o pensamento quem
cria a sua terminologia, mas a palavra apresentada indica a rota ao pensamento
que compreende. Com este primado da palavra e com a "positividade" da
fé que aí se manifesta, relaciona-se o carácter social da fé, que conota uma
segunda diferença face à estrutura essencial individualística do pensamento
filosófico. Filosofia, pela sua natureza, é obra do indivíduo que, como tal,
reflecte sobre a verdade. O pensamento, o pensado pertencem-lhe, ao menos em
aparência, porque surgem do próprio pensador, muito embora nenhum pensamento
viva só do que lhe é próprio, mas, ciente ou inscientemente, se complique em
numerosos entrelaçamentos. O laboratório do pensamento é o âmago do espírito;
por isso ele, inicialmente, permanece circunscrito ao pensador, tendo estrutura
individualista. Torna-se comunicável só secundariamente, ao revestir-se da
palavra que, aliás, de modo geral, só consegue torná-lo compreensível aos
outros de modo aproximado. Em oposição, como vimos, a palavra anunciadora
representa o principal elemento da fé. Como o pensamento, internamente, é
apenas espiritual, a palavra constitui-lhe a ponte de comunicação. A palavra é
o modo de estabelecer a comunicação no campo espiritual, é a forma pela qual o
espírito se encarna, isto é, se torna corpo, se torna social. O primado da
palavra significa ainda que a fé está orientada para a comunidade do espírito,
de maneira diversa do que o pensamento filosófico. Na filosofia encontra-se, no
começo, a pesquisa particular da verdade, que, a seguir, secundariamente,
procura e encontra companheiros de jornada. A Fé, ao contrário, é, primeiro, o
apelo dirigido à comunidade visando a união ou unidade do espírito pela unidade
da palavra; o seu sentido é de antemão social: criar unidade de espírito pela
unidade da palavra; e só secundariamente os indivíduos encontrarão o caminho
aberto para a aventura pessoal da verdade.
Ao destacar-se na estrutura dialogal da fé uma
imagem humana, podemos acrescentar que igualmente surge ali uma imagem de Deus.
Ao homem compete tratar com Deus, quando lhe cabe tratar com o seu próximo. A
fé está essencialmente orientada para o "tu" e para o
"nós", e o homem somente consegue unir-se a Deus através destes dois
vínculos. O que, inversamente, significa não serem separáveis relação com Deus
e relação com o outro, a partir da mesma estrutura interna da fé; o nexo com
Deus, com o "tu", com o "nós" é mútuo, bilateral e não
corre em paralelo. Ainda poderíamos formular o mesmo pensamento sob outro ponto
de enfoque: Deus quer vir ao homem somente mediante o homem; não procura o
homem a não ser no meio dos seus semelhantes.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de
1967.
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
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