Evangelho:
Mt 9, 14-15
14 Então foram ter com Ele os discípulos de João e
disseram-Lhe: «Qual é a razão por que nós e os fariseus jejuamos e os Teus
discípulos não jejuam?». 15 Jesus respondeu-lhes: «Porventura podem
estar tristes os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? Mas
virão dias em que lhes será tirado o esposo e então eles jejuarão.
Comentário:
Jejuar é uma prática muito aconselhada
por todos os directores espirituais como uma salutar medida para fortalecer a
temperança.
Esta virtude fundamental para o cristão, não se resume ao jejum mas a toda a forma de viver e comportar-se, não apenas consigo próprio mas, sobretudo, com os outros.
(ama, comentário
sobre Mt 9, 14-17, 2015.07.04)
Leitura espiritual
Ano Santo da Misericórdia
É
eterna a Sua misericórdia
«O Espírito do Senhor repousou sobre
Mim; pelo que Me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; Me enviou para
anunciar a redenção aos cativos e a recuperação da vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos e a pregar um ano de graça da parte do Senhor» [i]. O
Senhor volta pela primeira vez a Nazaré durante a Sua vida pública e levanta-Se
para ler na sinagoga. Entregam-lhe o livro de Isaías e proclama esta passagem,
que se refere a Ele próprio. Depois senta-Se e, perante o assombro de todos,
começou a dizer-lhes: «hoje cumpriu-se este passo da Escritura que acabais de
ouvir» [ii].
Têm ali, à frente dos seus olhos,
Aquele que vem de Deus, e é o próprio Deus, que vem tirar o pecado do mundo [iii]. Mas
os conterrâneos do Senhor não estão ainda preparados para O acolher, e adotam
uma atitude hostil, lançam-no fora da cidade para o precipitarem do cume do
monte, como se se tratasse de um falso profeta. Então Jesus, relata o
Evangelho, numa reviravolta misteriosa, «passando pelo meio deles, retirou-se» [iv]. Jesus
segue o Seu caminho porque nada pode deter o coração de Deus.
A liberdade que só Deus pode dar
Ao convocar um jubileu, a Igreja
sabe-se portadora desse impulso irrefreável do Senhor: a salvação é hoje. «Utinam hodie vocem eius audiatis: nolite
obdurare corda vestra, Oxalá escuteis hoje a Sua voz! Não endureçais o
vosso coração [v].
No Antigo Testamento, uma prefiguração da salvação de Deus é precisamente o ano
jubilar, que ocorria cada 50 anos. Ao cumprir-se «sete semanas de anos» [vi] - sete
vezes sete anos – iniciava-se um ano no qual os escravos eram libertados e cada
um regressava à sua propriedade e à sua família [vii],
porque os homens não pertencem a ninguém, senão a Deus [viii]. Se
uma palavra tivesse que resumir o que significava um jubileu para o Povo de
Israel, poderia ser “liberdade” [ix].
Liberdade, não está esta palavra, hoje
mais do que nunca, na boca de todos? E, no entanto, muitas vezes esquecemos que
a liberdade, no seu sentido mais profundo, provém de Deus. Com a Sua paixão
salvadora e a Sua ressurreição, Ele liberta-nos da pior escravidão, o pecado.
«Graças ao coração misericordioso do nosso Deus, que das alturas nos visita
como sol nascente, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte e
dirigir os nossos passos no caminho da paz.» [x].
A fonte da verdadeira liberdade está
na misericórdia de Deus. Para uma lógica meramente mundana, esta afirmação
pareceria uma ingenuidade; admitir-se-ia talvez que um pouco de misericórdia
poderia estar bem para dulcificar as relações, mas só depois de ter resolvido
muitas outras coisas mais urgentes. Pelo contrário, pôr a misericórdia em
primeiro lugar, «humanamente falando é de loucos, mas “o que é loucura em Deus
é mais sábio que os homens; e o que é fraqueza em Deus é mais forte que os
homens” [xi]» [xii]. O
mundo necessita dela para sair de tantas espirais de ressentimento, de inveja,
de frustração; precisam dela as famílias, a sociedade.
«Fraqueza em Deus»: com o sim do
Senhor a fazer-se homem, a ser pregado na Cruz, e a ser recebido nas entranhas
da terra, surge no mundo um novo gérmen de liberdade que já não morre mais. A
ressurreição gloriosa de Cristo prolonga, através dos séculos, o «ano de graça
do Senhor» [xiii].
Mas com o trigo cresce, até ao fim do mundo, a cizânia [xiv]; junto
aos sinais da autêntica libertação, aparecem constantemente na história os da
escravidão. Satanás tenta crivar-nos como o trigo, mas o Senhor rogou por
Pedro, para que a sua fé não desfalecesse. E ele confirma-nos na nossa fé [xv]. A um
mundo que suspira pela liberdade sem a conseguir encontrar, a Igreja
oferece-lhe incansavelmente a misericórdia do Senhor, que traz consigo «a
liberdade dos filhos de Deus» [xvi].
Percorrendo todo um itinerário
espiritual da Igreja
«No meio das luzes e sombras que
aparecem no caminhar dos cristãos, nunca faltaram as intervenções da
indulgência divina; por meio do Espírito Santo que habita na Igreja e com a
presença real de Cristo na Eucaristia, além da intercessão sempre atual da
Santíssima Virgem, revelam-se-nos as torrentes de misericórdia que se vertem
constantemente sobre o mundo» [xvii]. Em
2002, São João Paulo II - que tinha dedicado a sua segunda encíclica, Dives in misericordia, ao amor de Deus
Pai pelos homens - proclamou o segundo domingo de Páscoa como domingo da divina
misericórdia, seguindo uma sugestão de Santa Maria Faustina Kowalska,
canonizada por ele próprio. «É preciso transmitir ao mundo este fogo de
misericórdia. Na misericórdia de Deus o mundo encontrará a paz» [xviii].
Bento XVI fez-se muitas vezes eco
desta urgência do seu predecessor. «Como a irmã Faustina, João Paulo II fez-se,
por sua vez, apóstolo da Misericórdia divina. A tarde do inolvidável sábado,
dia 2 de Abril de 2005, quando fechou os olhos para este mundo, era precisamente
a véspera do segundo domingo de Páscoa e muitos notaram a singular
coincidência, que unia em si a dimensão mariana - era o primeiro sábado do mês
- e a da Misericórdia divina. Com efeito, o seu longo e multiforme pontificado
tem aqui o seu núcleo central; toda a sua missão ao serviço da verdade sobre
Deus e sobre o homem e da paz no mundo se resume neste anúncio» [xix].
Também na Prelatura se verificou essa providencial coincidência, pela mão de
Nossa Senhora, Mater misericordiae,
decorrem juntos o final do Ano Mariano da família e o início do Jubileu da
misericórdia.
«O rosto de Deus – dizia o Papa
Francisco no seu primeiro Angelus - é
o de um pai misericordioso, que sempre tem paciência» [xx]. A decisão
com que o Santo Padre fala da misericórdia remete também para a sua própria
vocação. Torna-se mais eloquente agora o seu lema episcopal, «miserando atque eligendo», que manteve
ao ser eleito para a sede de Pedro; são palavras que aludem à vocação de
Mateus: Jesus olhou-o com muita misericórdia e escolheu-o para Ele.
«Do coração da Trindade, da intimidade
mais profunda do mistério de Deus, brota e corre sem parar o grande rio da
misericórdia» [xxi].
A decisão do Papa de convocar um Jubileu da Misericórdia abarca, afinal, todo
um itinerário espiritual da Igreja, um impulso do Espírito Santo para o tempo
presente. No dia seguinte a abrir a Porta Santa em São Pedro, o Papa
explicava-o assim: «A Igreja necessita deste momento extraordinário. Na nossa
época de profundas mudanças, a Igreja é chamada a oferecer a sua contribuição
peculiar, tornando visíveis os sinais da presença e da proximidade de Deus. E o
Jubileu é um tempo favorável para todos nós, para que contemplando a Divina
Misericórdia, que supera todo o limite humano e resplandece sobre a obscuridade
do pecado, cheguemos a ser testemunhas mais convencidas e eficazes» [xxii].
A porta da misericórdia
«Dai graças ao Senhor porque é Ele é
bom, porque é eterna a Sua misericórdia» [xxiii]. No
rito de abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro cantou-se o salmo 117
(118), que abre e termina com este mesmo verso. E com o motivo da misericórdia
conflui o da porta: «abri-me as portas da justiça: entrarei e darei graças ao
Senhor. Esta é a porta do Senhor, os justos entrarão por ela» [xxiv].
Dum ponto de vista pragmático, uma
porta é, afinal de contas, um simples lugar de passagem, que une e distingue
dois ambientes. A porta não parece ter, em si mesma, mais importância.
Importantes, são, em todo o caso, os ambientes; mas não a porta. E, no entanto,
o Ano santo convida a que nos detenhamos neste motivo, a vê-lo como um símbolo
da nossa vida, da nossa peregrinação na terra; a considerar o que implica
atravessar esse umbral de esperança, numa expressão querida de São João Paulo
II.
Na Escritura, a porta tem um grande
valor simbólico: desde a entrada da tenda de Abraão, em que está sentado o
Patriarca quando recebe a visita de Yahvé [xxv],
passando pela porta da tenda do Encontro, onde Moisés falava cara a cara com
Deus [xxvi], até
às portas da cidade na grande visão de Ezequiel [xxvii].
Todas estas referências convergem no momento do evangelho de João em que o
Senhor se apresenta, Ele próprio, como «a porta das ovelhas» [xxviii].
A Porta Santa recorda-nos, de um modo
mais vivo, de onde vem a salvação: do redil de Deus, do espaço de Deus, para
onde Ele nos convida a entrar. «Como o soldado que está de guarda, assim temos
que estar nós à porta de Deus Nosso Senhor: e isso é oração. Ou como se deita o
cachorrinho aos pés do seu dono» [xxix]. A
salvação não vem do que nós podemos fazer, mas do que Deus faz por nós. «Fora
da misericórdia de Deus não existe outra fonte de esperança para o homem» [xxx].
Sucede que, por vezes, os
homens pensam que na realidade não há porta que abrir para os nossos problemas,
mesmo aqueles de caráter mais pequeno. Aspiramos, simplesmente, a sobreviver
mais mal do que bem aos nossos medos e dificuldades. Preferimos talvez não lhes
pôr nomes, preferimos não pensar demasiado neles... Porque, embora estejamos
mal, não acreditamos que Deus possa pôr remédio a essas coisas. Com as obras,
mais do que com as palavras, dizemos-Lhe muitas vezes: «Eu não vou viver
sempre. Deixa-me, pois os meus dias são apenas um sopro» [xxxi]. E,
no entanto, Deus «faz-se encontradiço com os que o não procuram» [xxxii] e
convida-nos a abrir uma porta de esperança. O Jubileu é «um Ano Santo para
sentir intensamente dentro de nós a alegria de ter sido encontrados por Jesus,
que, como Bom Pastor, veio procurar-nos porque estávamos perdidos» [xxxiii].
O que mais agrada a Deus
Estamos, pois, diante de um momento
especial para experimentar a força libertadora da misericórdia divina, que
perdoa os nossos pecados e nos abre aos outros homens: «Este Jubileu, em
resumo, é um momento privilegiado para que a Igreja aprenda a escolher unicamente
“o que agrada mais a Deus”. E, o que é que “agrada mais a Deus”? Perdoar aos
seus filhos, ter misericórdia com eles, a fim de que eles possam, por sua vez,
perdoar aos irmãos, resplandecendo como tochas da misericórdia de Deus no
mundo. Isto é o que mais agrada a Deus» [xxxiv].
A reconciliação com Deus - que
recebemos na Confissão, sacramento que está colocado no centro do Ano jubilar [xxxv] -
abre uma porta para deixar entrar na nossa vida aqueles que nos rodeiam. Porque
a misericórdia de Deus não é um simples manto que tapa as nossas misérias, sem
que na realidade nada mude na nossa vida. Pelo contrário, a sua misericórdia
transforma-nos radicalmente, faz-nos homens e mulheres misericordiosos como o
Pai [xxxvi]:
somo-lo quando perdoamos a quem nos tinha ofendido, realizamos, talvez com
esforço, alguma obra de caridade, damos a conhecer a mensagem salvadora do
Evangelho a quem vive longe do Senhor. Aproximar-se da misericórdia de Deus
implica necessariamente converter-se em instrumentos da Sua compaixão para com
aqueles que nos rodeiam: «O coração do Senhor é coração de misericórdia, que se
compadece dos homens e se aproxima deles. A nossa entrega, ao serviço das
almas, é uma manifestação dessa misericórdia do Senhor, não só para connosco,
mas para com toda a humanidade» [xxxvii].
carlos ayxelà
[i] Is
61, 1-2 (cfr. Lc 4, 16).
[ii] Lc
4, 21.
[iii] Cfr.
Jo 1, 29.
[iv] Lc
4, 30.
[v] Sal
95, 7-8.
[vi] Lv
25, 8.
[vii] Cfr.
Lv 25, 10.39ss.
[viii] Cfr.
Lv 25, 55.
[ix] Cfr.
Lv 25, 10.
[x] Lc
1, 78-79.
[xi] 1 Cor 1, 25
[xii] Francisco,
Audiência, 9-XII-2015.
[xiii] Lc
4, 16.
[xiv] Cfr.
Mt 13, 24-30.
[xv] Cfr.
Lc 22, 31.
[xvi] São
Josemaria, Amigos de Deus, n. 297. Cfr. Ga 5, 1.
[xvii] Javier
Echevarría, Carta pastoral, 4-XI-2015, n. 4.
[xviii] São
João Paulo II, Homilia, 17-VIII-2002.
[xix] Bento
XVI, Angelus, 30-III-2008.
[xx] Francisco,
Angelus, 17-III-2013.
[xxi] Francisco,
Bula Misericordiæ Vultus, n. 25.
[xxii] Francisco,
Audiência, 9-XII-15.
[xxiii] Sl
117 (118), 1.29.
[xxiv] Sl
117 (118), 19-20.
[xxv] Cfr.
Gn 18, 1.
[xxvi] Cfr.
Nm 12, 5.
[xxvii] Cfr.
Ez 48, 31.
[xxviii] Jo
10, 7
[xxix] São
Josemaria, Forja, 73
[xxx] São
João Paulo II, Homilia, 17-VIII-2002.
[xxxi] Job
7, 16.
[xxxii] São
Josemaria, Amar a Igreja, n. 39.
[xxxiii] Francisco,
Homilia, 11-IV-2005.
[xxxiv] Francisco,
Audiência, 9-XII-2015.
[xxxv] Cfr.
Francisco, Bula Misericordiæ Vultus, n. 17.
[xxxvi] Cfr.
Lc, 6, 36.
[xxxvii] São
Josemaría, Carta 24-III-1930, n. 1.
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