Tempo comum XXXII Semana
Evangelho:
Lc 18, 1-8
1 Disse-lhes também
uma parábola, para mostrar que importa orar sempre e não cessar de o fazer: 2
«Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3
Havia também na mesma cidade uma viúva, que ia ter com ele, dizendo: Faz-me
justiça contra o meu adversário. 4 Ele, durante muito tempo, não a
quis atender. Mas, depois disse consigo: Ainda que eu não tema a Deus nem
respeite os homens, 5 todavia, visto que esta viúva me importuna,
far-lhe-ei justiça, para que não venha continuamente importunar-me». 6
Então o Senhor acrescentou: «Ouvi o que diz este juiz iníquo. 7 E
Deus não fará justiça aos Seus escolhidos, que a Ele clamam dia e noite, e
tardará em socorrê-los? 8 Digo-vos que depressa lhes fará justiça.
Mas, quando vier o Filho do Homem, julgais vós que encontrará fé sobre a
terra?».
Comentário:
Muitos autores espirituais têm versado este
tema da oração perseverante e fazem-no, na convicção íntima e na certeza
absoluta que o Senhor não Se engana nem pode enganar-nos.
Ele próprio insistiu nesta necessidade de
orar sem descanso e, mais, garantindo que Deus, que gosta de ser instado, não
deixará nunca de atender ao que pedimos.
Parece, contudo, que há alguma tendência,
absolutamente natural, para considerar que essa perseverança se aplica,
sobretudo, à petição quando, na verdade, temos muito mais a agradecer do que
pedir.
Talvez que, para “resolver” o assunto,
devamos pedir perseverantemente ao Senhor que nos ajude a ser agradecidos e,
Ele, com a nossa atitude, não deixará de nos dar o que necessitamos.
(ama
comentário sobre Lc 18, 1-8, 2013.10.20)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/6
Como vemos, nem essa boa
mãe, nem as outras pessoas acima evocadas como exemplo, conseguiam viver a
paciência à base de truques de “pensamento positivo”, mas de esforços de fé e de
amor cristão. De maneira que, sem terem a mínima noção disso, todas elas estavam
dando a razão a São Tomás de Aquino que, com o seu habitual laconismo,
sintetizou assim a questão:
Manifestum
est quod patientia a caritate causatur – “é evidente que a
paciência é causada pelo amor”, ou, por outras palavras que traduzem com igual
precisão as do santo: “Só o amor é causa da paciência” [i]
HISTÓRIAS DE AMOR PACIENTE
O AMOR QUE SABE SOFRER
Víamos no começo que a
paciência é a arte de sofrer.
Depois das considerações
que acabamos de fazer, pode-se modificar um pouco esse enunciado e dizer que a
paciência é o amor que sabe sofrer.
Uma das coisas mais
comoventes e edificantes do mundo é ter conhecido uma pessoa que, durante longo
tempo, soube sofrer com amor.
Nenhuma teoria, nenhuma
ciência, nenhum livro nos pode ensinar melhor do que ela o que é a beleza e a
grandeza da paciência.
É bem certo que poucas realidades
mostram tão bem a presença de Deus e a marca da sua graça num ser humano como o
faz – quase que por transparência – o bom sofredor, o sofredor amoroso, sereno
e esquecido de si mesmo.
Não é por acaso que São
Paulo, quando começa a enumerar as qualidades do amor cristão, como quem
apresenta as facetas de uma pedra preciosa, menciona em primeiro lugar que a caridade é paciente, e remata os elogios
dizendo que a caridade tudo sofre [ii].
A vida dos santos, ou
simplesmente a vida dos homens e mulheres bons, que optaram por transformar a
sua existência numa amorosa tarefa de edificar, confirma o que Deus nos diz por
meio de São Paulo.
Por isso, como o exemplo é
o melhor livro e o testemunho vivido a mais pedagógica das escolas, vamos
adentrar neste novo capítulo em quatro histórias de amor paciente ou, para
sermos mais precisos, vamos relatar numas poucas pinceladas alguns episódios
significativos de quatro vidas que souberam encarnar o amor paciente.
Dos dois primeiros casos,
quem escreve estas páginas foi, em parte, testemunha presencial.
Os outros dois, conhece-os
pela tocante narração de um médico.
UM MESTRE DE BOM HUMOR
Durante dois anos, tive o
privilégio – seria mais exato dizer a graça – de conviver em Roma com o
Fundador do Opus Dei, o Bem-aventurado Josemaría Escrivá.
Muito alegre e desportivamente,
uns cento e vinte alunos do Colégio Romano da Santa Cruz acomodávamo-nos como
podíamos nos escassos e surrealistas espaços de um prédio ainda em construção.
Mas, para nós, o sol raiava todos os dias, mesmo quando a Cidade Eterna se
cobria de nuvens, porque saboreávamos a experiência de estar convivendo com um
santo.
Todos os biógrafos de
Mons. Escrivá, hoje já numerosos, coincidem em afirmar que uma das
características da sua personalidade era a alegria, patenteada num constante
bom humor. Um desses biógrafos dá justamente o título de Mestre de bom humor à
obra de recordações pessoais que lhe dedica. [iii]
Os que convivemos durante
algum tempo com ele somos testemunhas de que esse título é exacto.
Quase diariamente, os
alunos do Colégio Romano da Santa Cruz, anexo então à sede central do Opus Dei
em Roma, tínhamos a feliz oportunidade de estar e de conversar uns bons
momentos com Mons. Escrivá.
Eu, que chegara a Roma em
Outubro de 1953 e só sairia de lá no fim do ano lectivo de 1955, guardo a viva
lembrança do Fundador do Opus Dei como um sacerdote inflamado em amor de Deus,
amor que fundia maravilhosamente com um enorme carinho humano, sempre sorridente,
sempre otimista, sempre vibrante, sempre bem- disposto.
Todos os que o conhecíamos
de perto víamos nele a extraordinária harmonia das diversas virtudes cristãs –
mesmo das aparentemente contraditórias, como a mais terna compreensão e a firmeza
mais exigente –, a erguer-se como picos elevados na cordilheira compacta da sua
vida santa.
Pois bem, um desses cumes
elevados era, sem dúvida alguma, a paciência.
Esta virtude manifestava-se,
no dia-a-dia, de diversas formas; uma das mais patentes era a equanimidade que
se percebia a todas as horas e em todas as circunstâncias.
Equanimidade, ou seja,
igualdade de ânimo, boa disposição permanente, que atraía com força irradiante
e estimulava a imitá-lo.
Não é que tudo fosse um
mar calmo à sua volta, nem que ele – homem de temperamento vivo, sensível e
ardente – fosse impassível. Mesmo sem conhecermos muitos detalhes, todos nós tínhamos
noção das dificuldades grandes que o Padre – assim o chamávamos – tivera e
tinha que enfrentar para levar a Obra de Deus para a frente. Sabíamos em parte,
ou imaginávamos saber, o calibre das provações e sofrimentos por que Deus
permitiu que passasse, forjando-lhe assim a têmpera do santo: incompreensões
dolorosas, incríveis calúnias, perseguições, carência absoluta de meios
materiais...
Contradições brutais, que
acabaram por deixar a sua farpa na saúde do Padre.
Desde os anos quarenta, de
facto, padecia de uma séria diabete mellitus.
Mas, se alguém nos perguntasse:
– ‘Como vai a saúde do
Padre?’, teríamos respondido, com a maior naturalidade: – ‘Ora, graças a Deus,
vai muito bem’.
E, com efeito, era assim
mesmo que víamos o Fundador: muito bem.
Todos os dias nos deixava
a imagem de um homem cheio de Deus e plectórico de humanidade, transbordante de alegria
e de dinamismo.
TUDO CABE NUM SORRISO POR
AMOR A DEUS
Por isso, a todos nos
surpreendeu, como um choque inesperado, a notícia de que tivemos conhecimento
na primavera de 1954.
O Padre, no dia 27 de Abril,
estivera a ponto de morrer. Uma crise de saúde muito forte só não o levara por
um triz.
Perguntávamo-nos, no
primeiro momento, que tipo de achaque podia tê-lo acometido.
Nem nos passava pela mente
a ideia de que poderia ter sido – como de facto foi – uma crise devida à própria
diabetes.
Para nós, “diabetes” era
uma palavra ouvida alguma vez, mas já arquivada no esquecimento.
Nada notávamos, o Padre de
nada se queixava nem com a palavra nem com a expressão do rosto e, por isso,
nada nos preocupava.
Não sabíamos que, na
verdade, durante todos aqueles meses felizes, vividos junto de um Padre que
irradiava dinamismo e felicidade, Mons. Escrivá estivera atravessando uma das
piores fases da sua doença.
Assim descreve Vázquez de
Prada o que na realidade se estava passando naquele período:
“Trabalhava e mexia-se
como se estivesse bem de saúde: sem o cansaço que o medo produz, livre da
psicose de febre que amiúde excita os enfermos ou os deprime. Para o caso de
que chegasse em qualquer momento a sua hora, tinha tomado precauções. Fez
colocar uma campainha junto da cabeceira da sua cama, para pedir os sacramentos.
Deitava-se com a mente posta em Deus:
Senhor – dizia –, não sei
se me levantarei amanhã; dou-te graças pela vida que me deres e estou contente
de morrer em teus braços. Espero na tua misericórdia.
“Custava-lhe sorrir; mas
os seus filhos recordam-no sempre com o sorriso nos lábios. A doença
deparava-lhe surpresas variadas: um dia, não se tinha em pé; outro,
sobrevinha-lhe uma infecção furibunda; na semana seguinte, falhava-lhe o olho
direito...
“Tomava com alegria e
paciência as peças que lhe pregavam as suas indisposições [...]. Nas viagens,
não tinha outro remédio senão carregar com o seu pequeno arsenal de botica.
Assim andaram as coisas, até que o Dr. Faelli resolveu tentar uma variante no
tipo de medicação, prescrevendo-lhe insulina retardada. O P. Álvaro, que
conhecia perfeitamente o tratamento, as quantidades e o seu efeito, acertou a
nova dose.
Tudo andou bem por dois ou
três dias, embora seja possível que o enfermo se tivesse sensibilizado com a
mudança”[iv]
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [v]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[ii] cf. 1 Cor 13, 4.7
[iii] José Luis Soria,
Maestro de buen humor, Rialp, Madrid, 1994.
[iv] andrés vázquez de prada, O Fundador do Opus Dei, Quadrante, São
Paulo, 1989, págs. 325-326.
[v]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.
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