Art.
2 — Se Cristo, como homem, teve o uso do livre-arbítrio no primeiro instante da
sua concepção.
O segundo discute-se assim. — Parece que
Cristo, como homem, não teve o uso do livre arbítrio desde o primeiro instante
da sua concepção.
1. — Pois, antes de um ser agir ou
obrar, deve existir. Ora, o uso do livre arbítrio é uma acção. Mas, como a alma
de Cristo começou a existir no primeiro instante da sua concepção, segundo do
sobredito se colhe, parece impossível que tivesse o uso do livre arbítrio no
primeiro instante da sua concepção.
2. Demais. — O uso do livre arbítrio é
a eleição. Ora, a eleição pressupõe a deliberação do conselho; assim, como diz
o Filósofo, a eleição é o desejo do que
foi deliberado. Logo, parece impossível que no primeiro instante da sua
concepção Cristo tivesse o uso do livre arbítrio.
3. Demais. — O livre arbítrio é uma faculdade
da vontade e da razão, como se estabeleceu na Primeira Parte; e assim, o uso do
livre arbítrio é o acto da vontade e da razão, ou do intelecto. Ora, o acto do
intelecto pressupõe o acto do sentido, que não pode existir sem órgãos capazes.
Ora, Cristo não tinha tais órgãos no primeiro instante da sua concepção. Logo,
parece que Cristo não podia ter tido o uso do livre arbítrio no primeiro
instante da sua concepção.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Logo que o Verbo desceu ao ventre da Virgem,
como nada perdeu da sua natureza, tornou-se carne e homem perfeito. Ora, o
homem perfeito tem o uso do livre arbítrio. Logo, Cristo teve o uso do livre
arbítrio desde o primeiro instante da sua concepção.
Como dissemos, à natureza
humana assumida por Cristo, é própria a perfeição espiritual, na qual não
progrediu por tê-la perfeita desde o princípio. Ora, a perfeição última não
consiste na potência nem no hábito, mas na operação. Por isso, Aristóteles diz,
que a operação é um acto segundo.
Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro instante da sua concepção, teve
aquela operação da alma que se pode ter num instante. Ora, tal é a operação da
vontade e do intelecto, na qual consiste o uso do livre arbítrio. Pois mais
súbita e instantaneamente se desfaz a operação do intelecto e da vontade, que a
da visão corpórea. Porque inteligir, querer e sentir não são movimentos, actos
do imperfeito, que se realizam sucessivamente; mas são actos do ser já
perfeito, como diz Aristóteles. Donde devemos concluir, que Cristo, no primeiro
instante da sua concepção teve o uso do livre arbítrio.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Existir é por natureza anterior ao agir, mas não temporalmente; ao mesmo
tempo porém que o agente começa a ser perfeito começa a agir, se nada lho
impede. Assim, o fogo logo que é gerado começa a esquecer e a iluminar; mas a
calefacção não termina num instante, senão num tempo sucessivo; ao passo que a
iluminação se perfaz instantaneamente. E tal modo de agir é o uso do livre
arbítrio, como dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Simultaneamente
com o termo do conselho ou da deliberação pode existir a eleição. Assim, os que
precisam da deliberação do conselho, logo que este está terminado, adquirem a
certeza do que devem eleger e por isso imediatamente o fazem. Donde é claro,
que a deliberação do conselho não é pre-exigida para a eleição, senão para
sairmos da incerteza. Ora, Cristo, no primeiro instante da sua concepção, assim
como teve a plenitude da graça santificante, assim teve conhecimento pleno da
verdade, segundo o Evangelho: Cheio de
graça e de verdade. Donde, como quem tinha a certeza total, podia eleger
logo e instantaneamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O intelecto de
Cristo podia, pela sua ciência infusa, inteligir, mesmo sem se servir dos
fantasmas, como estabelecemos. Por isso podia exercer a actividade da vontade e
do intelecto separadamente da operação dos sentidos. Contudo, pode exercer a
operação dos sentidos, no primeiro instante da sua concepção, sobretudo a do
sentido do tacto. Por este sentido é que filho concebido já tem sensibilidade,
no ventre materno, mesmo antes de receber a alma racional, como diz
Aristóteles. Donde, tendo Cristo no primeiro instante da sua concepção a alma
racional, quando já tinha o corpo formado e organizado, com muito maior razão
podia exercer, no mesmo instante, a actividade do sentido do tacto.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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