Art.
5 — Se a carne de Cristo foi concebida do sangue mais puro da Virgem.
O quinto discute-se assim. — Parece que a
carne de Cristo não foi concebida do sangue mais puro da Virgem.
1. — Pois, diz a colecta (da festa da
anunciação da Santa Virgem Maria), que Deus quis que o seu Verbo assumisse a
carne, de uma Virgem. Ora, carne não é o mesmo que sangue. Logo, o corpo de
Cristo não foi assumido do sangue da Virgem.
2. Demais. — Assim como a mulher foi
milagrosamente formada do varão, assim o corpo de Cristo foi milagrosamente
formado da Virgem. Ora, não se diz que a mulher foi formada do sangue do varão,
mas antes, da sua carne e dos seus ossos segundo a Escritura: Eis aqui agora o osso de meus ossos e a
carne de minha carne. Logo, parece que também o corpo de Cristo não devia
ser formado do sangue da Virgem, mas das suas carnes e dos seus ossos.
3. Demais. — O corpo de Cristo era da
mesma espécie que o corpo dos outros homens. Ora, o corpo dos outros homens não
é formado do sangue mais puro, mas do sémen e do sangue menstrual. Logo, parece
que também o corpo de Cristo não foi concebido do sangue mais puro da Virgem.
Mas, em contrário, Damasceno diz, que o Filho de Deus formou para si, do mais
casto e mais puro sangue da Virgem, o seu corpo animado da alma racional.
Como dissemos, na concepção
de Cristo o ter ele nascido de uma mulher foi condição da natureza; mais
ultrapassou a condição da natureza o ter nascido de uma virgem. Ora, a condição
natural da geração animal. é que a fêmea ministre a matéria, sendo o macho o
princípio activo da geração, como o prova o filósofo. Donde, a mulher que
concebe de um homem não pode ser virgem. Donde, o modo sobrenatural da geração
de Cristo esteve no principio activo dela ter sido um poder sobrenatural
divino. E o modo natural da mesma esteve na matéria de que o seu corpo foi
concebido ter sido a mesma que as outras mulheres subministram na concepção dos
filhos. E essa matéria, segundo o Filósofo, é o sangue da mulher, não qualquer,
mas tendo já sofrido uma transformação maior pela virtude geratriz da mãe, de
modo a tornar-se matéria apta à concepção. E assim, dessa matéria é que foi
concebido o corpo de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como a Santa Virgem era da mesma natureza que as outras mulheres, havia
consequentemente de ter carne e ossos dessa mesma natureza. Ora, nas outras
mulheres, as carnes e os ossos são partes actuais do seu corpo, dos quais
consta a sua integridade; e por isso não podem separar-se dele sem lhe causar a
destruição ou um detrimento. Mas Cristo, que veio reparar a corrupção do pecado,
não podia ser causa de nenhuma corrupção ou detrimento da integridade de sua
mãe. Por isso, o corpo de Cristo não devia ser formado da carne nem dos ossos
da Virgem; mas do sangue, que ainda não é parte actual, mas é o todo só
potencialmente, como diz Aristóteles. Por isso quando se diz, que assumiu a
carne da Virgem, não significa isso que a matéria do seu corpo fosse carne actualmente,
mas sangue, que é carne em potência.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como se disse na
Primeira Parte, Adão que foi instituído como o princípio da natureza humana,
tinha no seu corpo carne e ossos que não faziam parte da sua integridade
pessoal, mas só enquanto era principio da natureza humana. E dessa carne foi
formada a mulher, sem detrimento do homem. Mas nada de tal existiu no corpo da
Virgem, de que pudesse formar-se o corpo de Cristo sem corrupção do corpo
materno.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O sémen da
mulher não é capaz de geração, mas é um género imperfeito do sémen, que não
podia chegar à perfeição da natureza seminal, por causa da imperfeição da virtude
feminina. Por isso, um tal sémen não é matéria necessária para a concepção,
como o ensina o Filósofo. Donde, o não ter existido na concepção do corpo de
Cristo; sobretudo porque, apesar de um género imperfeito de sémen, é emitido
com uma certa concupiscência, como o sémen masculino. Ora, na concepção
virginal de Cristo não podia haver nenhum lugar para a concupiscência. Por
isso, Damasceno diz, que o corpo de
Cristo não foi concebido seminalmente.
Quanto ao sangue menstrual, que as
mulheres emitem cada mês, ele traz consigo uma certa impureza e corrupção
natural como as outras superfluidades, que a natureza expele, por não precisar
delas. E desse menstruo corrupto, que a natureza expulsa, não se forma o ser
concebido; mas constitui uma como purificação daquele sangue puro, preparado
para a concepção depois de mais elaborado, e sendo um sangue como mais puro e
mais perfeito que qualquer outro. É acompanhado porém da impureza da
concupiscência, na concepção dos outros homens, pois pela conjunção do macho e
da fêmea é que esse sangue é levado ao local apto para a geração. Ora, tal não
teve lugar na concepção de Cristo, porque por obra do Espírito Santo é que esse
sangue se acumulou no ventre virginal e formou o corpo de Cristo. Por isso é
que se diz que o corpo de Cristo foi formado de sangue mais casto e mais puro
da Virgem.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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