Tempo de Quaresma III Semana
Evangelho:
Lc 18 9-14
9 Disse também esta
parábola a uns que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e
desprezavam os outros: 10 «Subiram dois homens ao templo a fazer
oração: um era fariseu e o outro publicano. 11 O fariseu, de pé,
orava no seu interior desta forma: Graças Te dou, ó Deus, porque não sou como
os outros homens: ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano. 12
Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que possuo. 13
O publicano, porém, conservando-se a distância, não ousava nem sequer levantar
os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim,
pecador. 14 Digo-vos que este voltou justificado para sua casa e o
outro não; porque quem se exalta será humilhado e quem se humilha será
exaltado».
Comentário:
Este trecho do Evangelho
termina com uma sentença de Jesus Cristo que não admite interpretações.
Não se trata de outra
coisa senão a simplicidade que as crianças possuem, a ausência de preconceitos
e escrúpulos e, sobretudo, a sinceridade das suas escolhas.
Assim vemos que a
dificuldade realmente reside em ser-mos como as crianças, com um coração
inteiro e não corrompido totalmente entregue ao amor por aqueles em quem
confiam.
Este é o desafio e a verdadeira
luta que temos de travar para conseguir vencer. O prémio excederá em tudo as
expectativas que possamos ter.
(ama, comentário sobre Lc 18, 9-14, 2014.03.29)
Leitura espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
À
escuta do povo
154. O pregador deve
também pôr-se à escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis precisam de
ouvir.
Um pregador é um
contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo.
Desta forma, descobre «as
aspirações, as riquezas e as limitações, as maneiras de orar, de amar, de
encarar a vida e o mundo, que caracterizam este ou aquele aglomerado humano»,
prestando atenção «ao povo concreto com os seus sinais e símbolos e respondendo
aos problemas que apresenta».[i]
Trata-se de relacionar a
mensagem do texto bíblico com uma situação humana, com algo que as pessoas
vivem, com uma experiência que precisa da luz da Palavra.
Esta preocupação não é
ditada por uma atitude oportunista ou diplomática, mas é profundamente
religiosa e pastoral.
No fundo, é uma
«sensibilidade espiritual para saber ler nos acontecimentos a mensagem de
Deus», e isto é muito mais do que encontrar algo interessante para dizer.
Procura-se descobrir «o
que o Senhor tem a dizer nessas circunstâncias».[ii]
Então a preparação da
pregação transforma-se num exercício de discernimento evangélico, no qual se
procura reconhecer – à luz do Espírito – «um “apelo” que Deus faz ressoar na
própria situação histórica: também nele e através dele, Deus chama o crente».[iii]
155. Nesta busca, é
possível recorrer apenas a alguma experiência humana frequente, como, por
exemplo, a alegria dum reencontro, as desilusões, o medo da solidão, a
compaixão pela dor alheia, a incerteza perante o futuro, a preocupação com um
ser querido, etc.; mas faz falta intensificar a sensibilidade para se
reconhecer o que isso realmente tem a ver com a vida das pessoas.
Recordemos que nunca se
deve responder a perguntas que ninguém se põe, nem convém fazer a crónica da
actualidade para despertar interesse; para isso, já existem os programas
televisivos.
Em todo o caso, é possível
partir de algum facto para que a Palavra possa repercutir fortemente no seu
apelo à conversão, à adoração, a atitudes concretas de fraternidade e serviço,
etc., porque acontece, às vezes, que algumas pessoas gostam de ouvir
comentários sobre a realidade na pregação, mas nem por isso se deixam
interpelar pessoalmente.
Recursos
pedagógicos
156. Alguns acreditam que
podem ser bons pregadores por saber o que devem dizer, mas descuidam o como, a
forma concreta de desenvolver uma pregação.
Zangam-se quando os outros
não os ouvem ou não os apreciam, mas talvez não se tenham empenhado por
encontrar a forma adequada de apresentar a mensagem. Lembremo-nos de que «a
evidente importância do conteúdo da evangelização não deve esconder a importância
dos métodos e dos meios da mesma evangelização».[iv]
A preocupação com a forma
de pregar também é uma atitude profundamente espiritual.
É responder ao amor de
Deus, entregando-nos com todas as nossas capacidades e criatividade à missão
que Ele nos confia; mas também é um exímio exercício de amor ao próximo, porque
não queremos oferecer aos outros algo de má qualidade.
Na Bíblia, por exemplo,
aparece a recomendação para se preparar a pregação de modo a garantir uma
apropriada extensão: «Sê conciso no teu falar: muitas coisas em poucas
palavras»[v].
157. Apenas, para
exemplificar, recordemos alguns recursos práticos que podem enriquecer uma
pregação e torná-la mais atraente.
Um dos esforços mais
necessários é aprender a usar imagens na pregação, isto é, a falar por imagens.
Às vezes usam-se exemplos
para tornar mais compreensível algo que se quer explicar, mas estes exemplos
frequentemente dirigem-se apenas ao entendimento, enquanto as imagens ajudam a
apreciar e acolher a mensagem que se quer transmitir.
Uma imagem fascinante faz
com que se sinta a mensagem como algo familiar, próximo, possível, relacionado
com a própria vida.
Uma imagem apropriada pode
levar a saborear a mensagem que se quer transmitir, desperta um desejo e motiva
a vontade na direcção do Evangelho.
Uma boa homilia, como me
dizia um antigo professor, deve conter «uma ideia, um sentimento, uma imagem».
158. Já dizia Paulo VI que
os fiéis «esperam muito desta pregação e dela poderão tirar fruto, contanto que
ela seja simples, clara, directa, adaptada».[vi]
A simplicidade tem a ver
com a linguagem utilizada.
Deve ser linguagem que os
destinatários compreendam, para não correr o risco de falar ao vento.
Acontece frequentemente
que os pregadores usam palavras que aprenderam nos seus estudos e em certos
ambientes, mas que não fazem parte da linguagem comum das pessoas que os ouvem.
Há palavras próprias da
teologia ou da catequese, cujo significado não é compreensível para a maioria
dos cristãos.
O maior risco de um
pregador é habituar-se à sua própria linguagem e pensar que todos os outros a
usam e compreendem espontaneamente.
Se se quer adaptar à
linguagem dos outros, para poder chegar até eles com a Palavra, deve-se escutar
muito, é preciso partilhar a vida das pessoas e prestar-lhes benévola atenção.
A simplicidade e a clareza
são duas coisas diferentes.
A linguagem pode ser muito
simples, mas pouco clara a pregação.
Pode-se tornar
incompreensível pela desordem, pela sua falta de lógica, ou porque trata vários
temas ao mesmo tempo.
Por isso, outro cuidado
necessário é procurar que a pregação tenha unidade temática, uma ordem clara e
ligação entre as frases, de modo que as pessoas possam facilmente seguir o
pregador e captar a lógica do que lhes diz.
159. Outra característica
é a linguagem positiva.
Não diz tanto o que não se
deve fazer, como sobretudo propõe o que podemos fazer melhor.
E, se aponta algo
negativo, sempre procura mostrar também um valor positivo que atraia, para não
se ficar pela queixa, o lamento, a crítica ou o remorso.
Além disso, uma pregação
positiva oferece sempre esperança, orienta para o futuro, não nos deixa
prisioneiros da negatividade.
Como é bom que sacerdotes,
diáconos e leigos se reúnam periodicamente para encontrarem, juntos, os
recursos que tornem mais atraente a pregação!
IV
Uma
evangelização para o aprofundamento do querigma
160. O mandato missionário
do Senhor inclui o apelo ao crescimento da fé, quando diz: «ensinando-os a
cumprir tudo quanto vos tenho mandado»[vii].
Daqui se vê claramente que
o primeiro anúncio deve desencadear também um caminho de formação e de
amadurecimento.
A evangelização procura
também o crescimento, o que implica tomar muito a sério em cada pessoa o
projecto que Deus tem para ela.
Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo,
e a evangelização não deveria deixar que alguém se contente com pouco, mas
possa dizer com plena verdade: «Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive
em mim»[viii].
161. Não seria correcto
que este apelo ao crescimento fosse interpretado, exclusiva ou
prioritariamente, como formação doutrinal.
Trata-se de «cumprir»
aquilo que o Senhor nos indicou como resposta ao seu amor, sobressaindo, junto
com todas as virtudes, aquele mandamento novo que é o primeiro, o maior, o que
melhor nos identifica como discípulos: «É este o meu mandamento: que vos ameis
uns aos outros como Eu vos amei»[ix].
É evidente que, quando os
autores do Novo Testamento querem reduzir a mensagem moral cristã a uma última
síntese, ao mais essencial, apresentam-nos a exigência irrenunciável do amor ao
próximo: «Quem ama o próximo cumpre plenamente a lei. (…)
É no amor que está o pleno
cumprimento da lei»[x].
De igual modo, para São
Paulo, o mandamento do amor não só resume a lei mas constitui o centro e a
razão de ser da mesma: «Toda a lei se cumpre plenamente nesta única palavra:
Ama o teu próximo como a ti mesmo»[xi].
E, às suas comunidades,
apresenta a vida cristã como um caminho de crescimento no amor: «O Senhor vos
faça crescer e superabundar de caridade uns para com os outros e para com
todos»[xii].
Também São Tiago exorta os
cristãos a cumprir «a lei do Reino, de acordo com a Escritura: Amarás o teu
próximo como a ti mesmo»[xiii],
acabando por não citar nenhum preceito.
162. Entretanto, este
caminho de resposta e crescimento aparece sempre precedido pelo dom, porque o
antecede aquele outro pedido do Senhor: «baptizando-os em nome...»[xiv].
A adopção como filhos que
o Pai oferece gratuitamente e a iniciativa do dom da sua graça [xv]
são a condição que torna possível esta santificação constante, que agrada a
Deus e Lhe dá glória.
É deixar-se transformar em
Cristo, vivendo progressivamente «de acordo com o Espírito»[xvi].
Uma
catequese querigmática e mistagógica
163. A educação e a
catequese estão ao serviço deste crescimento.
Já temos à disposição vários textos do
Magistério e subsídios sobre a catequese, preparados pela Santa Sé e por
diversos episcopados. Lembro a Exortação Apostólica Catechesi tradendae (1979),
o Directório Geral para a Catequese (1997) e outros documentos cujo conteúdo,
sempre actual, não é necessário repetir aqui.
Queria deter-me apenas
nalgumas considerações que me parece oportuno evidenciar.
164. Voltámos a descobrir
que também na catequese tem um papel fundamental o primeiro anúncio ou
querigma, que deve ocupar o centro da actividade evangelizadora e de toda a
tentativa de renovação eclesial.
O querigma é trinitário.
É o fogo do Espírito que
se dá sob a forma de línguas e nos faz crer em Jesus Cristo, que, com a sua
morte e ressurreição, nos revela e comunica a misericórdia infinita do Pai.
Na boca do catequista,
volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida
para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar,
fortalecer, libertar».
Ao designar-se como
«primeiro» este anúncio, não significa que o mesmo se situa no início e que, em
seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o superam; é o
primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que
sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que sempre se
tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese, em todas
as suas etapas e momentos.[xvii]
Por isso, também «o
sacerdote, como a Igreja, deve crescer na consciência da sua permanente
necessidade de ser evangelizado».[xviii]
(cont)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[i] Ibid., 63: o .c.,
53.
[ii] Ibid., 43: o. c.,
33.
[iii] João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 10: AAS 84
(1992), 672.
[iv] Paulo VI, Exort.
ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 40: AAS 68 (1976), 31
[v] Sir 32, 8
[vi] Ibid., 43: o. c.,
33.
[vii] Mt 28, 20
[viii] Gal 2, 20
[ix] Jo 15, 12
[x] Rm 13, 8.10
[xi] Gal 5, 14
[xii] 1 Ts 3, 12
[xiii] Ib. 2, 8
[xiv] Mt 28, 19
[xv] cf. Ef 2, 8-9; 1
Cor 4, 7
[xvi] Rm 8, 5
[xvii] Cf. Propositio 9.
[xviii] João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 26: AAS 84
(1992), 698.
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