Evangelho: Lc 1 46-56
46 Então Maria disse:
«A minha alma glorifica o Senhor; 47 e o meu espírito exulta de
alegria em Deus meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade da
Sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão
ditosa, 49 porque o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas. O Seu
nome é Santo, 50 e a Sua misericórdia se estende de geração em
geração sobre aqueles que O temem. 51 Manifestou o poder do Seu
braço, dispersou os homens de coração soberbo. 52 Depôs do trono os
poderosos, elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e aos
ricos despediu de mãos vazias. 54 Tomou cuidado de Israel, Seu
servo, lembrado da Sua misericórdia; 55 conforme tinha prometido a
nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre». 56 Maria
ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa.
Comentário:
Desde sempre o Magnificat, é, por
excelência, o hino da alegria das acções de graças. Logicamente, quando se
sente a necessidade de dar graças é porque algo de muito bom provoca uma
alegria que temos de extravasar.
Assim a Santíssima Virgem,
profundamente alegre com a sua gravidez, e depois da saudação de Isabel, não
pode conter o que lhe vai na alma e rompe nesse hino maravilhoso de
reconhecimento, de louvor e agradecimento a Deus que tudo pode, que fez tão
grandes coisas, que se mostra misericordioso ao olhar com complacência e
escolher para sua Mãe, uma simples jovem do povo anónimo e humilde que, não
obstante a grandeza do papel que lhe cumpre desempenhar na salvação da
humanidade, se considera uma simples escrava Senhor.
(ama, comentário sobre, Lc 1, 46-56, 2012.12.20)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 146 a 150
146
Piedade, intimidade de
filhos
A
piedade que nasce da filiação divina é uma atitude profunda da alma, que acaba
por informar toda a existência: está presente em todos os pensamentos, em todos
os desejos, em todos os afectos. Não tendes visto como, nas famílias, os
filhos, mesmo sem repararem, imitam os pais: repetem os seus gestos, seguem os
seus costumes, se parecem com eles em tantos modos de comportar-se?
Pois
o mesmo acontece na conduta de um bom filho de Deus. Chega-se também, sem se
saber como nem por que caminho, a esse endeusamento maravilhoso que nos ajuda a
olhar os acontecimentos com o relevo sobrenatural da fé; amam-se todos os
homens como o nosso Pai do Céu os ama e - isto é o que mais importa -
consegue-se um brio novo no esforço quotidiano para nos aproximarmos do Senhor.
As misérias não têm importância, insisto, porque aí estão ao nosso lado os
braços amorosos do nosso Pai Deus para nos levantar.
Se
reparardes bem, é muito diferente a queda de uma criança e a queda de uma
pessoa crescida. Para as crianças, uma queda, em geral, não tem importância;
tropeçam com tanta frequência! E se começam a chorar, o pai lembra-lhes: os
homens não choram. Assim se encerra o incidente com o empenho do miúdo por
contentar o seu pai.
Vede,
pelo contrário, o que acontece quando um homem adulto perde o equilíbrio e cai
no chão. Se não fosse por compaixão, provocaria hilaridade, riso. Mas, além
disso, a queda talvez tenha consequências graves e, num ancião, pode mesmo
produzir uma fractura irreparável. Na vida interior, a todos nos convém ser
quasi modo geniti infantes, como esses miuditos que parecem de borracha, que se
divertem até com os seus trambolhões, porque imediatamente se põem de pé e
continuam com as suas correrias e também porque não lhes falta, quando é
precisa, a consolação dos pais.
Se
procurarmos portar-nos como eles, os tropeções e os fracassos - aliás
inevitáveis - na vida interior, nunca se transformarão em amargura. Reagiremos
com dor, mas sem desânimo, e com um sorriso que brota, como a água límpida, da
alegria da nossa condição de filhos desse Amor, dessa grandeza, dessa sabedoria
infinita, dessa misericórdia, que é o nosso Pai. Aprendi durante os meus anos de
serviço ao Senhor a ser filho pequeno de Deus. E isto vos peço: que sejais
quasi modo geniti infantes, meninos que desejam a palavra de Deus, o pão de
Deus, o alimento de Deus, a fortaleza de Deus para se comportarem de agora em
diante, como homens cristãos.
147
Que
sejais, espiritualmente, muito crianças! Quanto mais, melhor. Di-lo a
experiência deste sacerdote que teve de se levantar muitas vezes, ao longo
destes trinta e seis anos (que longos e ao mesmo tempo, que curtos me parecem!)
em que tem procurado cumprir uma Vontade precisa de Deus. Houve uma coisa que
sempre me ajudou: ser sempre criança e meter-me continuamente no regaço de
minha Mãe e no Coração de Cristo, meu Senhor.
As
grandes quedas, as que causam destroços sérios na alma, e às vezes com
resultados quase irremediáveis, procedem sempre da soberba de nos crermos
adultos, auto-suficientes. Nesses casos, torna-se predominante na pessoa uma
espécie de incapacidade de pedir ajuda a quem a pode dar: não só a Deus, mas
também ao amigo ou ao sacerdote. E aquela pobre alma, isolada na sua desgraça,
afunda-se na desorientação e no descaminho.
Peçamos
a Deus, agora mesmo, que nunca permita que nos sintamos satisfeitos, que
aumente sempre em nós a ânsia do seu auxílio, da sua Palavra, do seu Pão, do
seu consolo, da sua fortaleza: rationabile, sine dolo lac concupiscite.
Fomentai a fome, a aspiração de ser como crianças. Convencei-vos de que é a
melhor forma de vencer a soberba. Persuadi-vos de que é o único remédio para
que a nossa maneira de actuar seja boa, grande, divina. Em verdade vos digo
que, se não vos converterdes e vos tornardes como meninos, não entrareis no
reino dos céus.
148
Vêm-me
de novo à memória as recordações da minha juventude. Que demonstração de fé!
Ainda julgo ouvir o cantar litúrgico, respirar o aroma do incenso, ver milhares
de milhares de homens, cada um com um grande círio, como que simbolizando a sua
miséria, mas com coração de meninos: como crianças que talvez não se atrevam a
levantar os olhos para a cara do pai. Reconhece e compreende que má e amarga
coisa é para ti o teres abandonado o Senhor teu Deus. Renovemos a firme decisão
de nunca nos afastarmos do Senhor por causa dos interesses terrenos. Façamos
crescer a sede de Deus, com propósitos concretos para a nossa vida: como
crianças que reconhecem a sua indigência e procuram e chamam incessantemente o
Pai.
Mas
volto àquilo que antes estava a comentar. Precisamos de aprender a portar-nos
como crianças, precisamos de aprender a ser filhos de Deus. E, simultaneamente,
ir transmitindo aos outros essa mentalidade que, no meio das naturais
fraquezas, nos tornará fortes na fé, fecundos nas obras, seguros no caminho, de
tal forma que, seja qual for a espécie de erro que possamos cometer, mesmo o
mais desagradável, nunca hesitaremos em reagir e em voltar ao caminho da nossa
filiação divina, que nos leva aos braços abertos e expectantes do nosso Pai,
Deus.
Qual
de vós não se lembra dos braços de seu pai? Provavelmente não seriam tão
carinhosos, tão meigos e delicados como os da mãe. Mas aqueles braços robustos,
fortes, apertavam-nos com calor e com segurança. Senhor, obrigado por esses
braços duros! Obrigado por essas mãos fortes! Obrigado por esse coração terno e
firme! E ia agradecer-Te também os meus erros! Mas isso não, porque não os
queres! No entanto, compreende-los, desculpa-los, perdoa-los.
Esta
é a sabedoria que Deus espera que vivamos nas relações com Ele, verdadeira
manifestação de ciência matemática: reconhecer que somos um zero à esquerda...
Mas o nosso Pai Deus ama-nos a cada um de nós, tal como somos! Eu, que não
passo de um pobre homem, gosto de cada um de vós tal como sois; imaginai como
será o Amor de Deus, se lutarmos, se nos empenharmos em viver de acordo com a
nossa consciência bem formada.
149
Plano de vida
Ao
examinarmos como é e como devia ser a nossa piedade, em que pontos determinados
devia melhorar a nossa relação pessoal com Deus, se me entendestes, afastareis
a tentação de imaginar façanhas insuperáveis, porque tereis descoberto que o
Senhor se contenta com que lhe ofereçamos pequenas provas de amor em cada
momento.
Procura
cingir-te a um plano de vida com constância: alguns minutos de oração mental; a
assistência à Santa Missa, diária, se te é possível, e a Comunhão frequente; o
recurso regular ao Santo Sacramento do Perdão, ainda que a tua consciência não
te acuse de qualquer pecado mortal; a visita a Jesus no Sacrário; a recitação e
a contemplação dos mistérios do terço e tantas outras práticas excelentes que
conheces ou podes aprender.
Mas
estas práticas não se deverão transformar em normas rígidas ou em
compartimentos estanques. Indicam um itinerário flexível, acomodado à tua
condição de homem que vive no meio da rua, com um trabalho profissional intenso
e com deveres e relações sociais que não podes descuidar, porque é nessas
ocupações que prossegue o teu encontro com Deus. O teu plano de vida há-de ser
como uma luva de borracha que se adapta perfeitamente à mão de quem a usa.
Não
te esqueças também de que o que é importante não é fazer muitas coisas;
limita-te com generosidade àquelas que possas cumprir no dia-a-dia, quer te
apeteça quer não. Essas práticas conduzir-te-ão, quase sem reparares, à oração
contemplativa. Brotarão da tua alma mais actos de amor, jaculatórias, acções de
graças, actos de desagravo, comunhões espirituais. E tudo isto, enquanto te
ocupas das tuas obrigações: ao pegar no telefone, ao subir para um meio de
transporte, ao fechar ou abrir uma porta, ao passar diante de uma igreja, ao
começar um novo trabalho, ao executá-lo e ao concluí-lo. Referirás tudo ao teu
Pai Deus.
150
Descansai
na filiação divina. Deus é um Pai cheio de ternura, de amor infinito. Chama-lhe
Pai muitas vezes durante o dia e diz-lhe - a sós, na intimidade do teu coração
- que o amas, que o adoras, que sentes o orgulho e a força de seres seu filho.
Tudo isto pressupõe um autêntico programa de vida interior, que é preciso
canalizar através das tuas relações de piedade com Deus - poucas, mas
constantes, insisto - que te permitirão adquirir os sentimentos e as maneiras
de um bom filho.
Devo
prevenir-te, no entanto, contra o perigo da rotina - verdadeiro sepulcro da
piedade - a qual se apresenta frequentemente disfarçada com ambições de
realizar ou empreender gestas importantes, enquanto se descuida comodamente a
devida ocupação quotidiana. Quando notares essas insinuações, põe-te diante do
Senhor com sinceridade. Pensa se não te terás aborrecido de lutar sempre nas mesmas
coisas, porque na realidade não estavas à procura de Deus. Vê se não terá
decaído a tua perseverança fiel no trabalho, por falta de generosidade, de
espírito de sacrifício. Nesse caso, as tuas normas de piedade, as pequenas
mortificações, a actividade apostólica que não produz fruto imediato parecem-te
tremendamente estéreis. Estamos vazios e talvez comecemos a sonhar com novos
planos, para calar a voz do nosso Pai do Céu, que exige de nós uma lealdade
total. E, com um pesadelo de grandezas na alma, lançamos no esquecimento a realidade
mais certa, o caminho que sem dúvida nos conduz direitos à santidade. Aí temos
um sinal evidente de que perdemos o ponto de vista sobrenatural, a convicção de
que somos meninos pequenos, a persuasão de que o nosso Pai fará em nós
maravilhas, se recomeçarmos com humildade.
(cont)
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