Art. 2 — Se em Cristo havia virtudes.
O segundo discute-se assim. — Parece
que em Cristo não havia virtudes.
1 — Pois, Cristo tinha a abundância da
graça. Ora, a graça basta para agirmos sempre rectamente, segundo o Apóstolo:
Basta-te a minha graça. Logo, em Cristo não havia virtudes.
2. Demais. — Segundo o Filósofo, a
virtude divide-se, por oposição, de um certo hábito heroico ou divino,
atribuído aos homens divinos. Ora, isso convém sobremaneira a Cristo. Logo,
Cristo não tinha virtudes, mas algo mais elevado que a virtude.
Demais. — Como na Segunda Parte se
demonstrou, todas as virtudes são possuídas simultaneamente. Ora, a Cristo não
convinha ter simultaneamente todas as virtudes, como é o caso da liberalidade e
da magnificência, cujos actos recaem sobre as riquezas, que Cristo desprezava,
segundo o Evangelho: O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça. E também
a temperança e a continência, que reprimem as concupiscências depravadas, que
em Cristo não existiam. Logo, Cristo não tinha as virtudes.
Mas, em contrário, e segundo a
Escritura - A sua vontade está posta na lei do Senhor - diz a Glosa: Isto
mostra que Cristo era rico de todos os bens. Ora, a virtude é uma boa qualidade
da alma. Logo, Cristo teve a plenitude de todas as virtudes.
Como estabelecemos na
Segunda Parte, assim como a graça respeita à essência da alma, assim a virtude
lhe respeita a potência. Donde e necessariamente, assim: como a potências da
alma lhe derivam da essência assim as virtudes são umas derivações da graça.
Ora, quanto mais perfeito é um princípio tanto mais imprime os seus efeitos. Donde,
tendo sido perfeitíssima a graça de Cristo, consequentemente dela procederam
virtudes para aperfeiçoarem cada uma das potências da sua alma, quanto a todos
os actos desta. É portanto Cristo teve todas as virtudes.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A graça basta ao homem em relação a todas aquelas coisas pelas quais se ordena
à beatitude. Mas algumas delas a graça aperfeiçoa-as imediatamente por si mesma
como o torná-lo agradável a Deus e outras semelhantes, e certas outras mediante
as virtudes procedentes da graça.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse hábito
heroico ou divino não difere da virtude em geral, senão pelo seu modo mais
perfeito, isto é, quando alguém tem uma disposição para o bem, de um certo modo
mais alto, que geralmente os homens têm. Donde, isso não demonstra que Cristo
não tivesse as virtudes, mas que as tinha perfeitíssima e superiormente ao modo
comum. Assim também Plotino admite um certo e sublime modo das virtudes, que
dizia serem as da alma purificada.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A liberdade e a
magnificência exercem-se sobre as riquezas, porque quem é dotado dessas
virtudes não aprecia as riquezas a ponto de querer conservá-las omitindo o que
com elas devia fazer. Mas de nenhum modo aprecia as riquezas quem as despreza
de todo e as rejeita, pela perfeição do amor. Donde, por isso mesmo que Cristo
desprezou todas as riquezas mostrou possuir em sumo grau a liberalidade e a magnificência.
Embora também exercesse actos de liberalidade, enquanto isso lhe era
congruente, fazendo distribuir aos pobres os donativos que recebia. E assim,
quando o Senhor disse a Judas — O que fazes, faze-lo depressa — entenderam os
discípulos que lhe mandou dar alguma coisa aos pobres. Quanto às baixas
concupiscências, Cristo de nenhum modo as teve, como a seguir demonstraremos.
Mas isso não o impedia o exercício da temperança, tanto mais perfeita no homem
quanto mais ele carece dessas concupiscências depravadas. Por isso diz o
Filósofo, que o temperado difere do continente, por não existirem naquele as
concupiscências depravadas, cujo jugo este sofre. E portanto, entendendo assim
a continência, como a entende o Filósofo, por isso mesmo que Cristo teve todas
as virtudes não teve a continência que não é uma virtude mas algo menos que uma
virtude.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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