Evangelho: Lc 21 29-33
29 Acrescentou esta
comparação: «Vede a figueira e todas as árvores. 30 Quando começam a
desabrochar, conheceis que está perto o Verão. 31 Assim, também,
quando virdes que acontecem estas coisas, sabei que está próximo o reino de
Deus. 32 Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que
todas estas coisas se cumpram. 33 Passará o céu e a terra, mas as
Minhas palavras não hão-de passar.
Comentário:
Esta
é uma certeza que temos… todos, cristãos e não cristãos: as palavras de Cristo
não hão-de passar e tudo se cumprirá conforme determinou.
O que podemos fazer?
Lógicamente… considerar
com atenção e detalhe essas mesmas palavras – são palavras de Vida Eterna – que
nos indicam como proceder para aceder-mos ao Seu Reino Eterno.
(ama, Cascais, comentário sobre Lc 21,
29-33, 2013.11.29)
132
Dar a conhecer a Cristo
Todos
os acontecimentos da VIDA - os de cada existência individual e, de algum modo,
os das grandes encruzilhadas da História - vejo-os como outros tantos
chamamentos que Deus faz aos homens para olharem de frente a verdade e como
ocasiões oferecidas a nós, cristãos, para anunciarmos com as nossas obras e as
nossas palavras, auxiliados pela graça, o Espírito a que pertencemos.
Cada
geração de cristãos deve redimir e santificar o seu tempo: para tanto, precisa
de compreender e de compartilhar os anseios dos homens, seus iguais, a fim de
lhes dar a conhecer, com dom de línguas, como corresponder à acção do Espírito
Santo, à efusão permanente das riquezas do Coração divino. A nós, cristãos,
compete anunciar nestes dias, ao mundo a que pertencemos e em que vivemos, a
antiga e sempre nova mensagem do Evangelho.
Não
é verdade que toda a gente de hoje - assim, em geral ou em bloco - esteja
fechada ou permaneça indiferente ao que a fé cristã ensina sobre o destino e o
ser do Homem. Não é certo que os homens do nosso tempo se ocupem só das coisas
da Terra e se desinteressem de olhar para o Céu. Embora não faltem ideologias -
e pessoas para as sustentarem - que estão fechadas, na nossa época não há
apenas atitudes rasteiras, mas também altos ideais; não há apenas cobardia, mas
heroísmo, e ao lado das desilusões permanecem grandes aspirações. Há pessoas
que sonham com um mundo novo, mais justo e mais humano, enquanto outras, talvez
decepcionadas diante do fracasso dos seus primeiros ideais, se refugiam no
egoísmo de buscarem a sua própria tranquilidade ou de se deixarem ficar
mergulhadas no erro.
A
todos os homens e todas as mulheres, estejam onde estiverem, em momentos de
exaltação ou de crise ou de derrota, devemos fazer chegar o anúncio solene e
claro de S. Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a
pedra angular, o Redentor, tudo da nossa vida, pois fora d'Ele não foi dado
outro nome, aos homens, debaixo do céu, pelo qual possamos ser salvos
133
Entre
os dons do Espírito Santo, eu diria que há um de que todos nós, cristãos, temos
especial necessidade: o dom da Sabedoria, que, fazendo-nos conhecer a Deus e
tomar-Lhe o sabor, nos coloca em condições de poder julgar com verdade as
situações e as coisas da vida presente. Se fôssemos consequentes com a nossa
fé, quando olhássemos à nossa volta e contemplássemos o espectáculo da História
e do Mundo, não poderíamos deixar de sentir crescer nos nossos corações os
mesmos sentimentos que animaram o de Jesus Cristo: ao ver aquelas multidões,
compadeceu-se delas, porque estavam maltratadas e fatigadas e como ovelhas sem
pastor.
Não
é que o cristão não veja todo o bem que há na Humanidade, não aprecie as
alegrias puras, não participe dos anseios e dos ideais terrenos. Pelo
contrário, sente tudo isso desde o mais recôndito da alma e compartilha-o e
vive-o com especial intensidade, pois conhece melhor do que ninguém os arcanos
do espírito humano.
A
fé cristã não nos torna pusilânimes nem cerceia os impulsos nobres da alma,
pois é ela que os engrandece, ao revelar o seu verdadeiro e mais autêntico
sentido: não estamos destinados a uma felicidade qualquer, porque fomos
chamados à intimidade divina, a conhecer e amar Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito Santo e, na Trindade e na Unidade de Deus, todos os anjos e todos os
homens.
Essa
é a grande ousadia da fé cristã: proclamar o valor e a dignidade da natureza
humana e afirmar que, mediante a graça que nos eleva à ordem sobrenatural,
fomos criados para alcançar a dignidade de filhos de Deus. Ousadia de certo
incrível, se não se baseasse no desígnio salvador de Deus Pai e não houvesse
sido confirmada pelo Sangue de Cristo e reafirmada e tornada possível pela
acção constante do Espírito Santo.
Temos
de viver de Fé, crescer na Fé, até poder dizer de cada um de nós, de cada
cristão, o que há muitos séculos escreveu um dos grandes Doutores da Igreja
Oriental: Da mesma maneira que os corpos transparentes e límpidos, quando
recebem os raios luminosos, se tornam resplandecentes e irradiam brilho, assim
as almas que são conduzidas e iluminadas pelo Espírito Santo se tornam também
espirituais e levam às outras a luz da graça. Do Espírito Santo procede o
conhecimento das coisas futuras, a inteligência dos mistérios, a compreensão
das verdades ocultas, a distribuição dos dons, a cidadania celeste, a
conversação com os Anjos. D'Ele, a alegria que nunca termina, a perseverança em
Deus, a semelhança com Deus e - a coisa mais sublime que pode ser pensada - a
transformação em Deus
A
consciência da grandeza da dignidade humana - de um modo eminente e inefável,
pois fomos, pela acção da graça, constituídos filhos de Deus - é no cristão uma
só coisa com a humildade, visto que não são as nossas forças que nos salvam e
nos dão a vida, mas o favor divino. É uma verdade que não se pode esquecer,
porque senão pervertia-se o nosso endeusamento, convertendo-se em presunção, em
soberba e, mais cedo ou mais tarde, em ruína espiritual perante a experiência
da nossa fraqueza e miséria.
Atrever-me-ei
a dizer que sou santo? - perguntava a si mesmo Santo Agostinho - Se dissesse
santo como santificador e não necessitado de ninguém que me santificasse, seria
soberbo e mentiroso. Mas, se entendo por santo o santificado, segundo aquilo
que se lê no Levítico: sede santos, porque Eu, Deus, sou santo, então também o
corpo de Cristo, até ao último homem situado nos confins da Terra, poderá dizer
ousadamente, unido à sua Cabeça e a ela subordinado: sou santo
Amemos
a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade; escutemos na intimidade do nosso ser
as moções divinas - alentos, censuras - ; caminhemos sobre a Terra dentro da
luz derramada na nossa alma; e o Deus da esperança nos encherá de todas as
formas de paz, para que essa esperança vá crescendo em nós cada vez mais, pela
virtude do Espírito Santo.
134
Amizade com o Espírito
Santo
Viver
segundo o Espírito Santo é viver de Fé, de Esperança, de Caridade; é deixar que
Deus tome posse de nós e mude os nossos corações desde a raiz, para os fazer à
sua medida. Uma vida cristã madura, profunda e firme não é coisa que se
improvise, porque é fruto do crescimento em nós da graça de Deus. Nos Actos dos
Apóstolos, descreve-se a situação da primitiva comunidade cristã numa frase
breve, mas cheia de sentido: perseveravam todos na doutrina dos Apóstolos e na
comum fracção do pão e nas orações.
Assim
viveram os primeiros cristãos e assim devemos viver nós: a meditação da
doutrina da Fé, de modo assimilá-la, o encontro com Cristo na Eucaristia, o
diálogo pessoal - a oração sem anonimato - face a face com Deus, hão-de
constituir como que a substância última da nossa vida. Se isso faltar, talvez
haja reflexão erudita, actividade mais ou menos intensa, devoções e práticas
piedosas. Não haverá, porém, existência cristã autêntica, porque faltará a
compenetração com Cristo, a participação real e vivida na obra divina da
salvação.
A
qualquer cristão se aplica esta doutrina, porque todos estamos igualmente
chamados à santidade. Não há cristãos de segunda classe, obrigados a pôr em
prática apenas uma versão reduzida do Evangelho: todos recebemos o mesmo
baptismo e, embora exista uma ampla diversidade de carismas e de situações
humanas, um mesmo é o Espírito que distribui os dons divinos, uma mesma a Fé,
uma só a Esperança, uma só a Caridade.
Podemos,
pois, ter por dirigida a nós mesmos a pergunta do Apóstolo: não sabeis que sois
templo de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? e recebê-la como um
convite a um trato mais pessoal e directo com Deus. Infelizmente, o Paráclito é
para alguns cristãos o Grande Desconhecido, um nome que se pronuncia, mas que
não é Alguém - uma das Três Pessoas do Único Deus - com Quem se fala e de Quem
se vive.
Ora
é indispensável ter com Ele familiaridade e confiança, cheia de simplicidade
como nos ensina a Igreja através da Liturgia. Assim conheceremos melhor Nosso
Senhor e ao mesmo tempo compreenderemos melhor o imenso dom que significa ser
cristão; veremos como é grande e verdadeiro o "endeusamento", a
participação na vida divina a que atrás me referi.
Porque
o Espírito Santo não é um artista que desenha em nós a divina substância, como
se lhe fosse alheio; não é assim que nos conduz à semelhança divina: é Ele
mesmo, que é Deus e de Deus procede, que Se imprime nos corações que O recebem,
à maneira de selo sobre a cera, e é assim, por comunicação de si mesmo e pela
semelhança, que restabelece a natureza segundo a beleza do modelo divino e
restitui ao homem a imagem de Deus.
135
Para
pôr em prática, ainda que seja de um modo muito genérico, um estilo de vida que
nos anime a conviver com o Espírito Santo - e, ao mesmo tempo com o Pai e o
Filho - numa verdadeira intimidade com o Paráclito, devemos firmar-nos em três
realidades fundamentais: docilidade - digo-o mais uma vez - vida de oração,
união com a Cruz.
Em
primeiro lugar, docilidade - porque é o Espírito Santo que, com as suas
inspirações, vai dando tom sobrenatural aos nossos pensamentos, desejos e
obras. É Ele que nos impele a aderir à doutrina de Cristo e a assimilá-la em
profundidade; que nos dá luz para tomar consciência da nossa vocação pessoal e força
para realizar tudo o que Deus espera de nós. Se formos dóceis ao Espírito
Santo, a imagem de Cristo ir-se-á formando, cada vez mais nítida, em nós e
assim nos iremos aproximando cada vez mais de Deus Pai. Os que são conduzidos
pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus.
Se
nos deixarmos guiar por esse princípio de vida, presente em nós, que é o
Espírito Santo, a nossa vitalidade espiritual irá crescendo e
abandonar-nos-emos nas mãos do nosso Pai Deus, com a mesma espontaneidade e
confiança com que um menino se lança nos braços do pai. Se não vos tornardes
como meninos, não entrareis no Reino dos Céus, disse o Senhor. É este o antigo
e sempre actual caminho da infância espiritual, que não é sentimentalismo nem
falta de maturidade humana, mas sim maioridade sobrenatural, que nos leva a
aprofundar as maravilhas do amor divino, reconhecer a nossa pequenez e a
identificar plenamente a nossa vontade com a de Deus.
136
Em
segundo lugar, vida de oração, porque a entrega, a obediência, a mansidão do
cristão nascem do amor e para o amor caminham. E o amor conduz ao convívio, à
conversação, à intimidade. A vida cristã requer um diálogo constante com Deus
Uno e Trino, e é a essa intimidade que o Espírito Santo nos conduz. Quem
conhece as coisas que são do homem, senão o espírito do homem, que está nele?
Assim também as coisas que são de Deus, ninguém as conhece senão o Espírito de
Deus. Se tivermos assídua relação com o Espírito Santo, também nós nos faremos
espirituais, nos sentiremos irmãos de Cristo e filhos de Deus, a Quem não
teremos dúvida de invocar como Pai nosso que é.
Acostumemo-nos
a conviver com o Espírito Santo, que é quem nos há-de santificar; a confiar
n'Ele, a pedir a sua ajuda, a senti-Lo ao pé de nós. Assim se irá tornando
maior o nosso pobre coração, e teremos mais desejos de amar a Deus e, por Ele,
a todas as criaturas. E nas nossas vidas reproduzir-se-á a visão com que
termina o Apocalipse: o Espírito e a Esposa, o Espírito Santo e a Igreja - e
cada um dos cristãos - dirigem-se a Jesus Cristo, pedindo-lhe que venha, que
esteja connosco para sempre.
137
Por
último, união com a Cruz. Porque, na vida de Cristo, o Calvário precedeu a
Ressurreição e o Pentecostes, e esse mesmo processo deve reproduzir-se na vida
de cada cristão: somos - diz-nos S. Paulo - co-herdeiros de Cristo; mas isto,
se sofrermos com Ele, para sermos com Ele glorificados. O Espírito Santo é o
fruto da Cruz, da entrega total a Deus, de buscarmos exclusivamente a sua
glória e de renunciarmos completamente a nós mesmos.
Só
quando o homem, sendo fiel à graça, se decide a colocar no centro da sua alma a
Cruz, negando-se a si mesmo por amor de Deus, estando realmente desapegado do
egoísmo e de toda a falsa segurança humana, quer dizer, só quando vive
verdadeiramente de Fé, é que recebe com plenitude o grande fogo, a grande luz,
a grande consolação do Espírito Santo.
É
então que vêm à alma essa paz e essa liberdade que Cristo ganhou para nós e que
se nos comunicam com a graça do Espírito Santo. Os frutos do Espírito Santo são
caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade,
mansidão, fé, modéstia, continência, castidade; e onde está o Espírito do
Senhor, aí há libeldade.
138
No
meio das limitações inseparáveis da nossa situação presente, porque o pecado
ainda habita em nós de algum modo, o cristão vê com nova clareza toda a riqueza
da sua filiação divina, quando se reconhece plenamente livre porque trabalha
nas coisas do seu Pai, quando a sua alegria se torna constante por nada ser
capaz de lhe destruir a esperança.
Pois
é também nesse momento que é capaz de admirar todas as belezas e maravilhas da
Terra, de apreciar toda a riqueza e toda a bondade, de amar com a inteireza e a
pureza para que foi criado o coração humano.
Também
é nessa altura que a dor perante o pecado não degenera num gesto amargo,
desesperado ou altivo porque a compunção e o conhecimento da fraqueza humana
conduzem-no a identificar-se outra vez com as ânsias redentoras de Cristo e a
sentir mais profundamente a solidariedade com todos os homens. É então,
finalmente, que o cristão experimenta em si com segurança a força do Espírito
Santo, de tal maneira que as suas quedas pessoais não o abatem; são um convite
a recomeçar e a continuar a ser testemunha fiel de Cristo em todas as encruzilhadas
da Terra, apesar das misérias pessoais, que nestes casos costumam ser faltas
leves, que apenas turvam a alma; e, ainda que fossem graves, acudindo ao
Sacramento da Penitência com compunção, volta-se à paz de Deus e a ser de novo
uma boa testemunha das suas misericórdias.
Tal
é, em breve resumo que mal consegue traduzir em pobres palavras humanas a
riqueza da fé, a VIDA do cristão, quando se deixa guiar pelo Espírito Santo.
Não posso, portanto, terminar melhor do que fazendo minha a súplica que se contém
num dos hinos litúrgicos da festa de Pentecostes, que é como um eco da oração
incessante da Igreja inteira: Vem, Espírito Criador, visita as inteligências
dos teus, enche de graça celeste os corações que criaste. Na tua escola,
faz-nos conhecer o Pai e também o FILHO; faz, enfim, com que acreditemos
eternamente em Ti, Espírito que procedes de Um e do Outro.
(cont)
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