Em seguida devemos tratar da assunção
das partes da natureza humana.
E nesta questão discutem-se quatro
artigos:
Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu um
verdadeiro corpo.
Art. 2 — Se Cristo tinha um corpo
carnal ou terrestre ou celeste.
Art. 3 — Se o Filho de Deus assumiu a
alma.
Art. 4 — Se o Filho de Deus assumiu o
entendimento humano ou intelecto.
Art.
1 — Se o Filho de Deus assumiu um verdadeiro corpo.
O primeiro discute-se assim. — Parece
que o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.
1. — Pois, diz o Apóstolo, que ele se
fez semelhante aos homens. Ora, o que verdadeiramente existe não existe por
semelhança. Logo, o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.
2. Demais. — A assunção do corpo em
nada contrariava à dignidade da divindade, assim, como diz Leão Papa, nem a
glorificação destruiu a natureza inferior, nem a assunção diminuiu a superior.
Ora, a dignidade de Deus exige que seja totalmente separado do corpo. Logo,
parece que, pela assunção, Deus não se uniu a um corpo.
3. Demais. — Os sinais devem responder
aos assinalados. Ora, as aparições do Antigo Testamento, que foram os sinais e
as figuras da aparição de Cristo, não eram realmente de natureza corpórea, mas
construíam visões imaginárias, como o adverte a Escritura: Vi o Senhor sentado,
etc. Logo, parece que também a aparição do Filho de Deus no mundo não foi a de
um corpo real, mas só em figura.
Mas, em contrário, diz Agostinho, se o
corpo de Cristo foi um fantasma, Cristo enganou, e enganou-se, não é a verdade.
Ora, Cristo é a verdade. Logo, o seu corpo não foi fantasma. E assim, é claro
que assumiu um verdadeiro corpo.
Como foi dito, o Filho de
Deus não nasceu putativamente, quase com um corpo figurado, mas, com um
verdadeiro corpo. E disto podemos dar três razões. — A primeira é deduzida da
natureza humana, à qual é próprio ter um corpo. Suposto, pois, pelo que já
dissemos, que era conveniente o Filho de Deus assumir a natureza humana,
resulta, como consequência, que teve um verdadeiro corpo. — A segunda razão
pode ser deduzida do que se realizou no mistério da Encarnação. Pois, se o
corpo de Cristo não era real mas fantástico, também consequentemente não
padeceu uma verdadeira morte, nem nada do que dele narram os Evangelistas
realmente praticou, mas só na aparência. Donde também resultaria que não operou
a verdadeira salvação do género humano, pois, há-de o efeito proporcionar-se à
causa. — A terceira razão pode ser concluída da dignidade própria da Pessoa
assumente, a qual, sendo a verdade, não lhe era decente existir qualquer ficção
na sua obra. Por isso, o próprio Senhor se dignou excluir esse erro quando os
discípulos, conturbados e aterrados, julgavam ver um espírito e não um corpo
verdadeiro. Por isso, ofereceu-se para que o apalpassem, dizendo: Apalpai e
vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— A referida semelhança exprime a verdade da natureza humana em Cristo, ao modo
pelo qual todos os que têm verdadeiramente a natureza humana se consideram
semelhantes, pela espécie. Mas não se entende por ela uma semelhança
fantástica. E para evidenciá-lo o Apóstolo acrescenta — Feito obediente até à
morte e morte de cruz, o que não poderia ser, se a semelhança fosse somente em
imagem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Pelo facto do
Filho de Deus ter assumido um corpo real em nada se lhe diminuiu a dignidade.
Por isso diz Agostinho: Abateu-se a si mesmo, tomando a forma de servo, para
que se tornasse servo, mas não perdeu a plenitude da forma de Deus. Pois o
Filho de Deus não assumiu um corpo real para que se fizesse a forma do corpo, o
que repugna à divina simplicidade e pureza, pois tal seria assumir um corpo na
unidade de natureza, o que é impossível, como do sobredito se colhe. Mas, salva
a distinção da natureza, assumiu um corpo na unidade da pessoa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A figura deve
corresponder à realidade quanto à semelhança e não quanto à verdade própria
dessa realidade, pois, se a semelhança o fosse em tudo, já não seria um sinal,
mas a própria realidade, como diz Damasceno. Logo, era conveniente que as
aparições do Antigo Testamento fossem só aparências, quase figuras, mas a
aparição do Filho de Deus no mundo seria segundo a verdade do corpo, quase uma
realidade figurada pelas anteriores figuras. Donde o dizer o Apóstolo: Que são
sombra das coisas vindouras, mas o corpo é de Cristo.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.
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