Tempo comum XXXIII Semana
35 Sucedeu que,
aproximando-se eles de Jericó, estava sentado à beira da estrada um cego a
pedir esmola. 36 Ouvindo a multidão que passava, perguntou que era
aquilo. 37 Disseram-lhe que era Jesus Nazareno que passava. 38
Então ele clamou: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim!». 39
Os que iam adiante repreendiam-no para que se calasse. Porém, ele, cada vez
gritava mais: «Filho de David, tem piedade de mim!». 40 Jesus,
parando, mandou que Lho trouxessem. Quando ele chegou, interrogou-o: 41
«Que queres que te faça?». Ele respondeu: «Senhor, que eu veja». 42
Jesus disse-lhe: «Vê; a tua fé te salvou». 43 Imediatamente,
recuperou a vista, e foi-O seguindo, glorificando a Deus. Todo o povo, vendo
isto, deu louvores a Deus.
Comentário:
Detenhamo-nos um pouco
no frenesim das nossas vidas e pensemos:
“Se o
Senhor Se dirigisse a mim e dissesse: Tu… que queres que te faça?”
Qual
seria a nossa resposta? Talvez: “Senhor… deixa-me pensar um pouco… preciso de
tanta coisa…”
Esta
resposta que denota, desde logo, que não sabemos bem o que precisamos ou,
melhor, o que efectivamente nos faz falta, talvez seja mais comum que o que
possamos imaginar!
Cá por
mim, penso, que o melhor… muito melhor, seria responder-Lhe:
“Tu,
Senhor, que sabes tudo, sabes muito o bem o que preciso!”
(AMA, Comentário sobre
Lc 18, 35-43, 2013.11.18)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
MANUSCRITO ENDEREÇADO A MADRE MARIA DE
GONZAGA
…/5
Nem sempre pratiquei a caridade com
tais enlevos de alegria, mas no início da minha vida religiosa quis Jesus que
eu sentisse como é bom vê-la na alma das suas esposas. Por isso, quando levava
minha Irmã São Pedro, fazia-o com tanto amor que me teria sido impossível fazer
melhor, mesmo que tivesse levado o próprio Jesus. A prática da caridade não foi
sempre tão suave para mim, como vos dizia há pouco, Madre querida. Para
prová-lo, vou relatar alguns pequenos combates que, certamente, vos farão
sorrir. Por muito tempo, na oração da noite, sentava-me em frente de uma irmã
que tinha uma mania estranha e, penso... muitas luzes, pois raramente usava
livro. Eis como o percebia: Logo que essa irmã chegava, punha-se a fazer um
estranho barulhinho semelhante ao que se faria esfregando duas conchas um
contra a outra. Só eu percebia, pois tenho ouvido muito bom (às vezes, um pouco
demais). Impossível dizer-vos, Madre, como esse ruído me incomodava. Tinha
muita vontade de olhar a autora que, por certo, não se dava conta do seu
cacoete; era a única maneira de avisá-la, mas no fundo do coração sentia que
mais valia sofrer isso por amor a Deus e não magoar a irmã. Ficava quieta,
procurava unir-me a Deus, esquecer esse ruído... tudo inútil. Sentia o suor
inundar-me e ficava obrigada a uma oração de sofrimento. Embora sofrendo,
procurava fazê-lo não com irritação, mas com paz e alegria, pelo menos no
íntimo da minha alma. Procurei gostar do barulhinho tão desagradável. Em vez de
procurar não ouvi-lo, coisa que me era impossível, pus-me a prestar atenção
nele como se fosse um concerto maravilhoso e minha oração toda, que não era de
quietude, consistia em oferecer esse concerto a Jesus.
Em outra ocasião, estava na lavandaria
diante de uma irmã que me jogava água suja no rosto toda vez que levantava a
roupa na tábua de bater. Meu primeiro movimento foi de recuar enxugando o
rosto, a fim de mostrar à irmã que me aspergia que me prestaria serviço ficando
quieta. Mas pensei logo que seria tolice recusar tesouros oferecidos tão
generosamente. Evitei demonstrar minha luta. Esforcei-me por desejar receber
muita água suja, de sorte que, no final, passara a gostar desse novo gênero de
aspersão e prometi a mim mesma voltar a esse feliz lugar onde se recebiam tantos
tesouros.
Madre querida, estais vendo que sou
uma alma muito pequena que só pode oferecer a Deus coisas muito pequenas. Assim
mesmo, acontece-me com frequência deixar escapar esses pequenos sacrifícios que
dão tanta paz e tranquilidade à alma. Isso não me desanima, suporto ter um
pouco menos de paz e procuro ser mais vigilante na ocasião seguinte.
Ah! o Senhor é tão bom para mim que me
é impossível temê-lo. Deu-me sempre o que desejei, ou melhor, fez-me desejar o
que queria dar-me. Foi assim que, pouco antes de começar minha provação contra
a fé, dizia a mim mesma: Francamente, não tenho grandes provações exteriores e,
para tê-Ias no interior, seria preciso Deus mudar a minha via. Não creio que
Ele o faça, mas não posso viver sempre assim no repouso'... portanto, que meio
Jesus irá encontrar para me provar? A resposta não demorou e mostrou-me que
Aquele que amo não está desprovido de meios. Sem alterar minha via, mandou-me a
prova que devia misturar amargura salutar em todas as minhas alegrias. Não é só
quando quer me provar que Jesus me manda um pressentimento e o desejo. Há
muito, tinha um desejo totalmente irrealizável, o de ter um irmão sacerdote.
Pensei muitas vezes que se meus irmãozinhos não tivessem ido para o Céu teria
tido a felicidade de vê-los subir ao altar; mas, como Deus os escolheu para
fazer deles anjinhos, não podia mais esperar ver meu sonho realizar-se. Eis que
não só Jesus concedeu-me o favor pedido, mas uniu-me, pelos laços da alma, a
dois dos seus apóstolos que passaram a ser meus irmãos... Quero, Madre querida,
relatar-vos minuciosamente como Jesus atendeu a meu desejo e até o ultrapassou,
pois eu desejava apenas um irmão sacerdote que, todo dia, pensasse em mim no santo
altar.
Foi nossa Santa Madre Teresa que me
mandou, a título de buquê de festa, em 1895, meu primeiro irmãozinho. Estava na
lavandaria, muito atarefada com meu trabalho, quando Madre Inês de Jesus, puxando-me
à parte, leu uma carta que acabava de receber. Tratava-se de um jovem
seminarista inspirado, dizia ele, por santa Teresa, e que vinha pedir uma irmã
que se dedicasse especialmente à salvação da alma dele e o ajudasse com suas
orações e sacrifícios quando missionário, a fim de salvar muitas almas.
Prometia lembrar-se sempre dela, que passaria a ser sua irmã, quando pudesse
oferecer o Santo Sacrifício. Madre Inês de Jesus disse que queria fosse eu a
irmã desse futuro missionário.
Madre, seria impossível descrever a
minha felicidade. Meu desejo atendido de modo inesperado fez nascer em meu
coração uma alegria que chamarei de infantil, pois preciso remontar aos tempos
da minha infância para encontrar a lembrança dessas alegrias tão vivas que a
alma se sente pequena demais para conter. Nunca mais, durante muitos anos,
tinha provado esse tipo de felicidade. Sentia que, nesse aspecto, minha alma
permanecera nova; era como se tivessem tocado, pela primeira vez, cordas
musicais até então deixadas no esquecimento.
Tinha consciência das obrigações que
me impunha, por isso pus logo mãos à obra procurando redobrar meu fervor. É
preciso admitir que, inicialmente, não tive consolações para estimular meu
zelo. Depois de ter escrito uma gentil cartinha cheia de coração e nobres
sentimentos, a fim de agradecer a madre Inês de Jesus, meu irmãozinho só voltou
a se manifestar em Julho, a bem da verdade enviou a sua carta em Novembro para
comunicar que se alistava no exército. Foi a vós, Madre querida, que o Senhor
reservou completar a obra iniciada. Sem dúvida, é pela oração e pelo sacrifício
que se pode ajudar os missionários. Mas, às vezes, quando agrada a Jesus unir
duas almas para a sua glória, Ele permite que, de vez em quando, elas possam
comunicar os pensamentos e estimular-se mutuamente a amar mais a Deus. Porém,
para isso, é preciso uma autorização expressa da superiora, pois creio que, sem
essa, a correspondência faria mais mal que bem; se não ao missionário, pelo
menos à carmelita que, pelo seu gênero de vida, está continuamente levada a
ensimesmar-se. Em vez de uni-la a Deus, essa correspondência que teria
solicitado, embora esporádica, ocuparia seu espírito. Imaginando realizar mundos
e fundos, só procuraria, a pretexto de zelo, uma distracção inútil. Para mim,
essa situação não difere das demais: sinto que minhas cartas só produzirão
algum bem se forem escritas por obediência e se eu sentir mais repugnância que
prazer ao escrevê-las. Quando falo com uma noviça, procuro fazê-lo
mortificando-me; evito perguntar para satisfazer a minha curiosidade. Se ela
inicia um assunto interessante e passa de repente, sem concluir o primeiro, a
outro que me aborrece, evito lembrar-lhe o assunto que deixou de lado, pois parece-me
que não se pode fazer bem algum quando se procura a si mesmo.
Madre querida, dou-me conta de que
nunca vou corrigir-me. Eis-me, mais um vez, muito longe do meu assunto, com
todas as minhas digressões. Desculpai-me, peço, e permiti que recomece na
próxima oportunidade, pois não consigo fazer diferente!... Agi como Deus, que
não se cansa de me ouvir quando lhe conto simplesmente minhas penas e minhas
alegrias, como se Ele não as conhecesse... Vós também, Madre, conheceis há
muito o que penso e todos os acontecimentos um pouco memoráveis da minha vida.
Não conseguiria informar-vos de nenhuma coisa nova. Não posso impedir o riso ao
pensar que vos relato escrupulosamente tantas coisas que sabeis tão bem quanto
eu. Enfim, Madre querida, obedeço-vos. E se, agora, não encontrais interesse na
leitura destas páginas, talvez possam distrair-vos na vossa velhice e servir
depois para acender o fogo. Não terei perdido meu tempo... Mas estou brincando
de falar como criança. Não creiais, Madre, que procuro saber qual a utilidade
que meu pobre trabalho possa ter. Faço-o por obediência e isso me é suficiente.
Não sentiria nenhuma mágoa se o queimásseis diante dos meus olhos, sem o terdes
lido.
Chegou o momento de voltar a falar dos
meus irmãos que ocupam, agora, tanto espaço em minha vida. No ano passado, em
fins de maio, lembro-me de que mandastes chamar-me antes de irmos ao
refeitório. O coração batia-me forte quando fui ao vosso encontro, Madre
querida. Cismava no que podíeis ter para me dizer, pois era a primeira vez que
mandáveis chamar-me dessa forma. Depois de convidar-me a sentar, eis a proposta
que me fizestes: "Quereis encarregar-vos dos interesses espirituais de um
missionário que deve ser ordenado sacerdote e partir brevemente?", e,
Madre, lestes para mim a carta desse jovem padre, a fim de que eu soubesse exactamente o que ele pedia. Meu primeiro sentimento foi de alegria, logo
substituído pelo temor. Expliquei, Madre querida, que, tendo já oferecido meus
pobres méritos para um futuro apóstolo, acreditava não poder fazê-lo às
intenções de outro e que, aliás, havia muitas irmãs melhores do que eu que
poderiam responder ao desejo dele. Todas as minhas objecções foram inúteis,
respondestes que é possível ter diversos irmãos. Perguntei, então, se a
obediência poderia duplicar meus méritos. Respondestes afirmativamente, dizendo
muitas coisas que me fizeram ver que era preciso aceitar sem receio um novo
irmão. No fundo, Madre, pensava igual a vós e, até, sendo que "o zelo de
uma carmelita deve abranger o mundo", espero, com a graça divina, ser útil
a mais de dois missionários, e não poderia esquecer de rezar por todos, sem
deixar de lado os simples padres cuja missão é, às vezes, tão difícil de
cumprir quanto a dos apóstolos pregando para infiéis. Enfim, quero ser filha da
Igreja como o era nossa Madre santa Teresa e rezar nas intenções do nosso Santo
Padre, o Papa, sabendo que as intenções dele abrangem o universo. Eis a meta
geral da minha vida, mas isso não me teria impedido de rezar e unir-me
especialmente às obras dos meus anjinhos queridos se tivessem sido sacerdotes.
Bem! eis como me uni espiritualmente aos apóstolos que Jesus me deu como
irmãos: tudo o que me pertence pertence a cada um deles, sinto muito bem que
Deus é bom demais para fazer partilhas, é tão rico que dá sem medida tudo o que
peço a Ele... Mas não penseis, Madre, que eu me perco em longas enumerações.
Depois que passei a ter dois irmãos e
minhas irmãzinhas as noviças, se eu quisesse pedir para cada alma o que ela
necessita e pormenorizá-lo, os dias seriam curtos demais e recearia muito
esquecer alguma coisa importante. Para as almas simples, não são necessários
meios complicados. Como sou uma delas, certa manhã, durante minha acção de
graças, Jesus deu-me um meio simples de cumprir minha missão. Fez-me
compreender a seguinte palavra dos Cânticos: "Atraí-me, corramos ao odor
de vossos perfumes". Ó Jesus, nem é necessário dizer: atraindo-me, atraí
as almas que amo. Essa simples palavra: "Atraí-me", é suficiente.
Compreendo-o, Senhor, quando uma alma se deixou cativar pelo odor inebriante
dos vossos perfumes, não conseguiria mais correr sozinha; todas as almas que
ela ama são arrastadas por ela. Isso se dá sem coação, sem esforço; é
consequência natural da sua atracão por vós. Assim como uma torrente que se lança
com impetuosidade no oceano arrasta atrás de si tudo o que encontrou -na sua
passagem, assim, ó meu Jesus, a alma que mergulha no oceano sem margens do
vosso amor arrasta consigo todos os tesouros que possui... Sabeis, Senhor, não
tenho outros tesouros senão as almas que vos dignastes unir à minha; fostes vós
que me confiastes esses tesouros, por isso ouso tomar de empréstimo as palavras
que dirigistes ao Pai celeste na última noite que passastes na terra, viajante
e mortal. Jesus, meu Bem-Amado, não sei quando acabará meu exílio... mais de
uma tarde me verá cantar ainda no exílio as vossas misericórdias, mas, enfim,
para mim também, chegará a última noite"''. Gostaria, então, de poder
dizer-vos: "Eu glorifiquei-vos na terra, consumando a obra que me destes a
fazer. Manifestei o vosso nome aos homens que me destes, separando-os do mundo.
Eram vossos e os destes a mim; eles guardaram a vossa palavra. Sabem agora que
tudo quanto me destes vem de vós, porque eu lhes transmiti as palavras que vós
me comunicastes, e eles receberam-nas, e conheceram verdadeiramente que eu saí
de vós e creram que vós me enviastes. Por eles é que eu rogo; não é pelo mundo
que rogo, é por aqueles que me destes, porque são vossos. Já não estou no
mundo, ao passo que eles ficam no mundo, enquanto eu vou para vós. Pai santo,
guardai por causa do vosso nome os que me destes. Mas agora vou para vós e digo
estas coisas estando ainda no mundo para que tenham em si a plenitude da minha
alegria. Não peço que os tireis do mundo, mas que os guardeis do mal. Eles não
são do mundo, como eu não sou do mundo. Não rogo só por eles, mas também por
aqueles que vão crer em vós, por meio da vossa palavra.
"ó Pai, que onde eu estiver, os
que me destes estejam também comigo, e que o mundo conheça que vós os amastes
como amastes a mim".
Eis, Senhor, o que queria repetir para
vós antes de voar para os vossos braços. Talvez seja temeridade. Mas há algum
tempo permitis que seja audaciosa convosco. Como o pai do filho pródigo,
falando para seu filho primogénito, dissestes-me: "Tudo o que é meu é
teu". Portanto, vossas palavras são minhas e posso servir-me delas para
atrair sobre as almas, que me são unidas, os favores do Pai celeste. Mas,
Senhor, quando digo que onde eu estiver desejo que os que me destes também
estejam, não pretendo que não possam alcançar uma glória muito mais elevada que
aquela que vos agradar conceder-me. Apenas quero que sejamos todos reunidos no
vosso belo Céu. Sabeis, Deus meu, nunca desejei nada senão amar-vos, não almejo
outra glória. Vosso amor preservou-me desde a minha infância, cresceu comigo e,
agora, é um abismo cuja profundeza não posso avaliar. O amor atrai o amor, por
isso, meu Jesus, o meu se lança para vós, queria encher o abismo que o atrai,
mas ai! não é nem uma gota de orvalho perdida no oceano!... Para amar-vos como
me amais, preciso tomar de empréstimo o vosso próprio amor, só então encontro o
repouso. Ó meu Jesus, talvez seja uma ilusão, mas parece-me que não podeis
encher uma alma com mais amor do que o que me destes. É por isso que ouso
pedir-vos para amar os que me destes como amastes a mim mesma. Um dia, no Céu,
se eu descobrir que os amais mais do que a mim, regozijar-me-ei, reconhecendo
desde agora que essas almas merecem muito mais que a minha o vosso amor. Mas na
terra não posso conceber amor maior que aquele que vos dignastes prodigalizar-me
gratuitamente, sem mérito algum da minha parte.
Madre querida, enfim, volto para vós,
toda espantada pelo que acabo de escrever, pois não era minha intenção. Mas,
como está escrito, tem de ficar. Antes de voltar à história dos meus irmãos,
quero vos dizer, Madre, que não aplico a eles, mas às minhas irmãzinhas, as
primeiras palavras tomadas de empréstimo ao Evangelho: Comuniquei-lhes as
palavras que me comunicastes etc., pois não me sinto capaz de instruir os
missionários, felizmente não sou bastante orgulhosa ainda para tanto! Nem teria
sido capaz de dar alguns conselhos às minhas irmãs, se vós, Madre, que
representais Deus para mim, não me tivésseis dado graça para isso.
Ao contrário, era nos vossos filhos
espirituais, meus irmãos, que eu pensava ao escrever essas palavras de Jesus e
as que seguem: "Não vos peço para retirá-los do mundo... rogo ainda para
os que acreditarão em vós pelo que ouvirão dizer". Como, de facto, não
poderia rezar pelas almas que salvarão em suas missões longínquas pelo sofrimento
e pela pregação?
Madre, creio ser necessário dar-vos
mais algumas explicações referentes à passagem do Cântico dos Cânticos:
"Atraí-me, corramos". O que disse me parece pouco compreensível.
"Ninguém", disse Jesus, "pode vir a mim, se meu Pai que me enviou
não o atrair". Depois, por meio de parábolas sublimes e, muitas vezes, sem
mesmo usar desse meio tão familiar ao povo, Ele nos ensina que basta bater para
que se abra, procurar para encontrar e estender humildemente a mão para receber
o que se pede... Acrescenta que tudo o que se pedir a seu Pai, em seu nome, Ele
o concede. É por isso sem dúvida que o Espírito Santo, antes do nascimento de
Jesus, ditou essa oração profética: Atraí-me, corramos.
O que é pedir para ser atraído, senão
unir-se de maneira íntima ao objecto que cativa o coração? Se o fogo e o ferro
tivessem raciocínio, que este último dissesse ao outro: Atraí -me, não provaria
que deseja identificar-se com o fogo de maneira que o penetre e o impregne da
sua ardente substância e passe a fazer um só com ele? Madre querida, eis a
minha oração: peço a Jesus que me atraia às chamas do seu amor, que me una tão
estreitamente a Ele, que seja Ele quem viva e aja em mim. Sinto que quanto mais
o fogo do amor abrasar meu coração, mais repetirei: "Atraí-me". Mais
as almas se aproximarem de mim (pobres pequenos escombros de ferro inúteis, se
eu fosse afastada do braseiro divino), mais rápido correrão em direção ao odor
dos perfumes do seu Bem-amado, pois uma alma abrasada de amor não pode
permanecer inactiva. Sem dúvida, como santa Madalena, fica aos pés de Jesus,
escuta suas palavras suaves e calorosas. Parecendo nada dar, dá muito mais que
Marta, que se atormenta a respeito de muitas coisas e gostaria que sua irmã a
imitasse. Não são os afazeres de Marta que Jesus censura, esses trabalhos, sua
divina Mãe submeteu-se humildemente a eles a vida toda, pois cabia a ela preparar
as refeições da Sagrada Família. É apenas a inquietação de sua dedicada
anfitriã que Ele quer corrigir. Todos os santos compreenderam isso e, mais
particularmente, talvez, os que iluminaram o universo com a doutrina
evangélica. Não foi na oração que os santos Paulo, Agostinho, João da Cruz,
Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e tantos outros ilustres amigos de Deus
foram encontrar essa ciência divina que encanta os maiores gênios? Um cientista
disse: "Dêem-me uma alavanca, um ponto de apoio, e levantarei o
mundo". O que Arquimedes não conseguiu obter, porque seu pedido não foi
feito a Deus e era feito só do ponto de vista material, os santos o obtiveram
em toda a sua plenitude. O Todo-Poderoso deu-lhes como ponto de apoio: Ele
próprio e só Ele. Como alavanca: a oração que abrasa pelo fogo do amor. Foi com
isso que ergueram o mundo. É com isso que os santos que ainda militam o erguem.
Até o final dos séculos, será com isso também que os santos que vierem haverão
de erguê-lo.
Madre querida, quero falar-vos agora
do que entendo por odor dos perfumes do Bem-amado. Como Jesus voltou ao Céu, só
posso segui-Lo pelas pistas que deixou. Como são luminosas essas pistas, como
são perfumadas! Basta lançar o olhar nos santos Evangelhos, que logo respiro os
perfumes da vida de Jesus e sei a que lado me dirigir.... Não para o primeiro
lugar que vou, mas para o último. Em vez de avançar com o fariseu, repito,
cheia de confiança, a humilde oração do publicano e, sobretudo, imito o
comportamento de Madalena, seu espantoso, ou melhor, seu amoroso atrevimento,
que encanta o Coração de Jesus, conquista o meu. Sinto-o. Mesmo que eu tivesse
na consciência todos os pecados que se possa cometer, iria, com o coração
dilacerado pelo arrependimento, lançar-me nos braços de Jesus, pois sei o
quanto ama o filho pródigo que volta para Ele. Não é porque Deus, na sua
obsequiosa misericórdia, preservou minha alma do pecado mortal que me elevo
para Ele pela confiança e pelo amor.
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