01/11/2014

Evangelho diário, coment. Leit esp. (História de uma alma)

Tempo comum XXX Semana

Todos os Santos

Evangelho: Mt 5 1-12

1 Vendo Jesus aquelas multidões, subiu a um monte e, tendo-Se sentado, aproximaram-se d'Ele os discípulos. 2 E pôs-Se a falar e ensinava-os, dizendo: 3 «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 «Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. 5 «Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. 6 «Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 «Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 «Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11 «Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem, vos perseguirem, e disserem falsamente toda a espécie de mal contra vós por causa de Mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós.

Comentário

Este discurso de Jesus Cristo deve ter tido tal impacto naqueles que O escutaram que não admira que, terminado este, quisessem fazê-lo rei.
Ainda hoje em dia, com toda a sabedoria e conhecimentos que fomos acumulando, os cristãos encontram nestas palavras inúmeros temas de reflexão e, sobretudo, de esperança.
Sentimos que, de uma forma ou outra, o Senhor se referiu a cada um de nós em particular, às nossa dificuldades e problemas e, também, à forma de encarar as múltiplas circunstâncias que se nos vão deparando ao longo da vida.
Não admira… Ele, é o Senhor da Vida e da Morte, do passado, do presente e do futuro; tudo sabe e tudo conhece e, sobretudo, conhece-nos a nós, a cada um individualmente e sabe muito bem o que necessitamos para ser felizes.

(ama, comentário sobre Mt 5, 1-12, 2013.11.01)

Leitura espiritual



HISTÓRIA DE UMA ALMA

Santa Teresinha do Menino Jesus

Manuscrito "A" - Parte III

…/2

O dia que se seguiu à minha primeira Comunhão foi ainda um dia bonito, mas repassado de melancolia. A roupa linda que Maria comprara para mim, todos os presentes recebidos, não me enchiam o coração. Não havia senão Jesus que pudesse contentar-me. Anelava pelo momento em que me fosse dado recebê-lo pela segunda vez. Cerca de um mês após minha primeira comunhão fui confessar-me para a festa da Ascensão, e animei-me a pedir licença de fazer a Santa Comunhão. Contra toda a expectativa, o senhor sacerdote mo permitiu, e coube-me a felicidade de ajoelhar à Sagrada Mesa entre Papai e a Maria. Que doce recordação guardei da segunda visita de Jesus! Desta vez ainda, corriam minhas lágrimas com inefável doçura. Sem cessar repetia a mim mesma as palavras de São Paulo: "Já não sou eu que vivo, Jesus é quem vive em mim!..." A partir dessa Comunhão, meu desejo de receber o Bom Deus tornou-se cada vez maior; obtive permissão de fazê-lo em todas as festas principais. Na véspera desses ditosos dias, Maria punha-me à noite sobre os joelhos e preparava-me, como o fizera para minha primeira Comunhão. Tenho lembrança de que me falou, certa vez, a respeito do sofrimento, dizendo-me que provavelmente não andaria por tal caminho, mas que o Bom Deus sempre me guiaria, como se faz com uma criança...

No dia seguinte, depois de ter comungado, as palavras de Maria voltaram-me ao pensamento. Senti nascer no coração grande desejo de sofrer e, ao mesmo tempo, a íntima segurança de que Jesus me reservava grande número de cruzes. Senti-me inundada de tão grandes consolações, que as considero como uma das maiores graças de minha vida. O sofrer tornou-se-me um atractivo. Tinha encantos que me arrebatavam, sem os conhecer com clareza. Até então, sofria sem amar o sofrimento; desde aquele dia senti por ele verdadeiro amor. Sentia também o desejo de amar só a Deus, de não encontrar alegria senão Nele. Muitas vezes, repetia em minhas comunhões as palavras da Imitação de Cristo: "Ó Jesus! Doçura inefável, convertei-me em amargura todas as consolações da terra!..." Esta oração saía-me dos lábios sem esforço, sem constrangimento. Vinha-me a impressão de que a repetia, não por minha vontade, mas como criança que repete as palavras que uma pessoa amiga lhe sugere... Mais adiante, a minha querida Mãe, dir-vos-ei como aprouve a Jesus realizar meu desejo, como só Ele foi sempre minha inefável doçura. Se disso vos falasse desde já, seria obrigada a antecipar-me ao tempo de minha adolescência. Ainda me restam muitas particularidades de minha infância que vos devo contar.

Pouco tempo depois da minha primeira Comunhão entrei em novo retiro para a Crisma. Tinha-me preparado, com bastante empenho, para receber a visita do Espírito Santo. Não conseguia compreender que se não dê maior cuidado à recepção deste sacramento de Amor. De ordinário, fazia-se um só dia de retiro para a Crisma. Como, porém, o Senhor Bispo não podia vir no dia marcado, coube-me o consolo de ter dois dias de solidão. Para nos distrair, a nossa mestra levou-nos ao Monte Cassino, onde colhi grandes margaridas para a festa do Corpo de Deus. Oh! Como estava exultante a minha alma! Igual aos apóstolos, eu aguardava, venturosa, a visita do Espírito Santo... Folgava com a ideia de que dentro em breve seria perfeita cristã, sobretudo que eternamente teria na fronte a misteriosa cruz que o bispo traça, quando faz a imposição do Sacramento ... Chegou afinal o ditoso momento. Não senti, quando desceu o Espírito Santo nenhum vento impetuoso, mas antes aquela leve brisa, cujo murmúrio o profeta Elias ouviu no monte Horeb... Nesse dia, recebi a força para sofrer, pois logo em seguida devia começar o martírio de minha alma... Foi minha querida e gentil Leónia que me serviu de madrinha. Estava tão comovida que não pôde conter a efusão de lágrimas todo o tempo da cerimônia. Recebeu, comigo, a Santa Comunhão, pois nesse belo dia tive ainda a felicidade de unir-me a Jesus.

Terminadas as deliciosas e inolvidáveis festas, a minha vida retornou ao ritmo ordinário, isto é, tive de retomar a vida colegial, que tanto me custava. Quando fiz minha Primeira Comunhão, apreciava a convivência com crianças de minha idade, todas cheias de boa vontade, tendo tomado, como eu, a resolução de praticar seriamente a virtude. Mas, era preciso pôr-me em contato com alunas bem diferentes, dissipadas, não desejosas de cumprir o regulamento, e isto me deixava muito desconsolada. Tinha um génio folgaz, mas não sabia entregar-me aos brinquedos próprios de minha idade. No recreio, apoiava-me muitas vezes contra uma árvore e contemplava o andamento do jogo, enquanto me engolfava em sérias reflexões! Inventara um jogo que me agradava. Era o de enterrar as pobres avezinhas que encontrávamos mortas debaixo das árvores. Muitas alunas tiveram gosto em ajudar-me, de sorte que nosso cemitério se tornou muito bonito, plantado de árvores e flores, proporcionais ao tamanho de nossos pequenos emplumados.
Gostava, outrossim, de contar histórias. Inventava-as na medida que me acudiam à imaginação. As minhas colegas rodeavam-me com entusiasmo, e de vez em quando alunas maiores integravam-se ao grupo de ouvintes. Ia continuando a mesma história por vários dias, pois tinha prazer em torná-la cada vez mais interessante, na proporção que via as impressões despertadas, marcadas na fisionomia de minhas companheiras. Sem embargo, a mestra logo me proibiu continuar a minha actividade oratória, pois queria ver-nos brincar e correr, e não discorrer...

Apanhava com facilidade o sentido das matérias que aprendia, mas tinha dificuldade em decorar os textos. Por isso, quanto ao catecismo, no ano que precedeu minha Primeira Comunhão, pedia quase todos os dias a permissão para decorá-lo no tempo dos recreios. Os meus esforços coroaram-se de bom êxito, e fui sempre a primeira. Perdendo casualmente meu lugar, por causa de uma única palavra esquecida, minha dor manifestava-se por lágrimas amargas, que o Padre Domin não sabia como estancar... Estava muito satisfeito comigo (quando não chorava), e chamava-me sua doutorazinha, por causa de meu nome Teresa. Certa vez, a aluna que vinha depois de mim, não soube formular a arguição de catecismo para sua colega. Depois de passar, em vão, toda a roda das alunas, o Sr. Padre voltou-se novamente para mim, declarando que ia verificar se eu merecia o lugar de primeira da classe. Em minha profunda humildade, era só o que esperava. Levantei-me com segurança, respondi às arguições, sem cometer erro nenhum, com grande surpresa de todo o mundo... Feita a minha Primeira Comunhão, continuei o meu zelo pelo catecismo até a saída do colégio. Dava boa conta dos estudos. Era quase sempre a primeira. Os meus maiores sucessos eram em História e redacção, Todas minhas mestras tinham-me como aluna muito inteligente. Outro tanto não acontecia em casa de Titio, onde passava por ignorantinha, boa e meiga, dotada de juízo recto, mas incapaz e desajeitada... Não me surpreende a opinião que Titio e Titia tinham e certamente ainda terão a meu respeito. Por ser muito tímida, quase não falava. Quando escrevia, meu rabisco e minha ortografia - nada mais natural - não eram de feição que encantassem... Verdade é que, em costurinhas, em bordados e noutras tarefas, me desempenhava bem, a gosto de minhas mestras. Mas, o modo desajeitado com que manejava meu trabalho de agulha justificava a opinião pouco lisonjeira que tinham de mim. Considero tudo isso como uma graça. Uma vez que o Bom Deus queria meu coração só para Si, já atendia a minha oração, quando "trocava em amargura as consolações da terra". Para mim, isso tornava-se tanto mais necessário, quanto mais não me conservaria insensível a louvores. Muitas vezes, gabavam diante de mim a inteligência das outras, e jamais a minha. Daí concluí que a não tinha, e resignei-me a carecer dela...

Meu coração, sensível e amoroso, facilmente ter-se-ia entregue, se tivesse encontrado um coração capaz de compreendê-lo... Tentei ligar-me a meninas de minha idade, principalmente a duas dentre elas. Tinha-lhes amor, e elas por sua vez me amavam tanto, quanto eram capazes de fazê-lo. Mas, que lástima! Como é mesquinho e volúvel o coração das criaturas!... Não demorei em perceber que o meu amor era incompreendido. Uma de minhas amigas precisou procurar a família, e voltou alguns meses depois. Durante a sua ausência, pensava nela e guardava cuidadosamente um anelzinho que me dera. Quando tornei a ver a minha companheira, grande foi minha alegria, mas não obtive, ainda mal, senão um olhar indiferente... Meu amor não fora compreendido. Percebi-o, e não mendiguei uma afeição que me era negada. O Bom Deus, porém, deu-me um coração tão leal que, amando com pureza, ama para sempre. Por isso, continuei a rezar pela minha companheira, e ainda lhe tenho afeição... Ao ver que Celina queria bem a uma de nossas mestras, quis imitá-la, mas não pude consegui-lo, pois não sabia conquistar as boas graças das criaturas. Ó ditosa ignorância! Como me livrou de grandes males!... Quanto não agradeço a Jesus de me fazer encontrar só "amargura nas amizades da terra"! Com um coração como o meu, deixar-me-ia prender e cercear as asas. Como pode ria, então, "voar e repousar?" Como pode unir-se intimamente a Deus, um coração entregue à afeição das criaturas?... Tenho, o sentimento de que não é possível. Sem beber da taça envenenada do amor por demais ardente das criaturas, sinto em mim que me não é possível estar equivocada. Vi tantas almas que, seduzidas por essa luz falsa, esvoaçaram como míseras mariposas e queimaram as asas. Depois, volveram-se à verdadeira e meiga luz do amor. Esta deu-lhes novas asas, mais brilhantes e mais ligeiras, a fim de poderem voar para junto de Jesus, Fogo Divino, "que arde sem se consumir". Oh! Eu o sinto, Jesus conhecia-me como fraca demais para me expor à tentação. Quiçá, deixar-me-ia queimar toda inteira pela enganadora luz, se a visse fulgurar diante dos olhos... Não aconteceu assim. Só encontrei amargura, onde almas mais robustas deparam com alegria, e desta se desfazem por fidelidade. Não tenho, portanto, nenhum mérito em me não ter entregue ao amor das criaturas, uma vez que só fui preservada pela grande misericórdia do Bom Deus!... Reconheço que, sem Ele, poderia cair tão baixo como Santa Madalena. E com grande doçura ecoa em minha alma a profunda palavra de Nosso Senhor a Simão... Eu o sei, "menos ama aquele, a quem menos se perdoa". Mas, não ignoro também que a mim Jesus perdoou mais do que a Santa Madalena, pois me perdoou por antecipação, porquanto me impediu que caísse. Oh! Pudera explicar o que sinto!... Dou aqui um exemplo que traduzirá um pouco meu modo de pensar. - Suponho que o filho de um entendido doutor depare no caminho com uma pedra, que o faz cair e fracturar um membro. De pronto lhe acorre o pai, ergue-o com amor, pensa-lhe as lesões, aplicando todos os recursos de sua arte. E o filho, completamente curado, logo lhe testemunha sua gratidão. Não resta dúvida, o filho tem todo o motivo de querer bem ao Pai! Farei, contudo, outra suposição ainda. Sabendo que, no caminho do filho, se encontra uma pedra, o pai apressa-se em tomar a dianteira, e remove-a, sem que ninguém o veja. O filho, por certo, objecto de seu previdente carinho, não  tendo conhecimento da desgraça, da qual o pai o livrara, não lhe mostrará gratidão, e ter-lhe-á menos amor do que se fora curado por ele... No entanto, se souber o perigo, do qual acaba de escapar, não o amará ainda mais? Ora, tal filha sou eu, objecto do amor previdente de um Pai, que enviou seu Verbo para resgatar não os justos, mas os pecadores ". Quer que eu o ame, porque me perdoou, não digo muito, mas tudo. Não esperava que eu muito o amasse, como Santa Madalena, mas quis que soubesse como me amou com um amor de inefável previdência, a fim de que agora o ame até a loucura!... Ouvi dizer que se não encontra alma pura mais amorosa do que uma alma arrependida. Oh! Quem me dera desmentir a afirmação!...

Percebo estar muito longe do meu assunto, motivo pelo qual me apresso em retomá-lo. O ano seguinte à minha Primeira Comunhão escoou-se quase todo sem provações interiores para minha alma. No retiro para a segunda Comunhão é que fui assaltada pela terrível doença dos escrúpulos... É preciso passar por tal martírio, para o compreender. Ser-me-ia impossível dizer quanto não sofri em ano e meio... Todos os meus pensamentos e as minhas mais acções mais simples se tornavam para mim motivo de perturbação. Só tinha sossego, quando os contava à Maria, e isto era-me muito penoso, por sentir a obrigação de lhe dizer todas as ideias extravagantes que me vinham à mente a respeito dela própria. Alijado o meu fardo, desfrutava um instante de paz, mas a paz desvanecia-se como um relâmpago, e logo começava novamente meu martírio. De quanta paciência não precisava minha querida Maria, para me ouvir, sem dar mostras de nenhum aborrecimento!... Mal chegava eu da Abadia, punha-se ela a arrumar-me os cabelos para o dia seguinte (pois, querendo agradar ao Papai, a rainhazinha andava todos os dias com os cabelos em cachinhos, para grande admiração das colegas, mormente das professoras que não viam crianças tão mimadas pelos pais). E durante a arrumação não parava de chorar, contando todos os meus escrúpulos. Como tivesse terminado os estudos, Celina voltou para casa no fim do ano, e a pobre Teresa, obrigada a ficar sozinha, não demorou a ficar doente, pois o único interesse que a mantinha interna consistia em estar com sua inseparável Celina, sem a qual "sua filhinha" já não poderia ali continuar... Deixei, pois, a Abadia na idade de 13 anos e continuei meus estudos, tomando várias aulas semanais em casa da Sra. Papinau". Era uma pessoa boníssima, muito culta, com uns ares de solteirona. Vivia com a mãe, e encantava ver-se o pequeno lar, que juntas constituíam a três (pois a gata fazia parte da família e eu tinha de suportar as suas sonecas em cima dos meus cadernos e, inclusive, admirar o seu porte). Tinha a vantagem de viver na intimidade da família. Como os Buissonnets ficavam muito longe para as pernas já um tanto envelhecidas da minha professora, ela pedira que fosse tomar as aulas em sua casa. Ao chegar, encontrava ordinariamente a velha senhora Cochain. Fitava-me "com os seus olhos grandes e límpidos", e depois chamava com voz descansada e sentenciosa: "Senhô rra Papineau... a Se nho rrita Teresa já chegou!". A sua filha respondia-lhe prontamente, com voz acriançada: "Já vou, Mamã". E logo começava a aula. Essas lições tinham a vantagem (além dos conhecimentos que adquiria) de fazer-me conhecer o mundo... Quem o diria?... Na sala, mobiliada à moda antiga, rodeada de livros e cadernos, presenciava muitas vezes visitas de todos os géneros, de sacerdotes, senhoras, moças, etc. Na medida possível, a conversa ficava por conta da Sra. Cochain, a fim de que a filha pudesse dar-me aula, mas, em tais dias, não aprendia grande coisa. Com o nariz metido no livro, ouvia tudo o que se falava, até o que para mim seria melhor não escutar. A vaidade insinua-se tão facilmente no coração!... Dizia uma senhora que eu tinha cabelos bonitos... Na saída, uma outra, julgando não ser ouvida, indagava quem era essa menina tão bonita. E tais palavras, tanto mais lisonjeiras, quanto não eram ditas diante de mim, deixavam-me na alma uma impressão de gozo, que claramente me indicava como eu era cheia de amor-próprio. Oh! Quanta compaixão não sinto das almas que se perdem!... É tão fácil perder-se nas sendas floridas do mundo... Não há dúvida, para uma alma mais formada a doçura que ele oferece, vem mesclada de amargura, e o imenso vácuo dos desejos não poderia preencher-se com louvores momentâneos... No entanto, se o meu coração desde o seu despertar não se erguera até Deus, se o mundo me tivera sorrido desde minha entrada na vida, que teria acontecido comigo?... Ó minha Mãe querida, com que gratidão canto as misericórdias do Senhor!... De acordo com as palavras da Sabedoria, não foi ele que "me retirou do mundo, antes que meu espírito se pervertesse com sua malícia, e que ad suas enganosas aparências me seduzissem a alma?" A Santíssima Virgem também velava a sua florzinha. Não querendo que perdesse o brilho ao contato com as coisas da terra, retirou-a para o alto da sua montanha, antes que desabrochasse... Enquanto aguardava o ditoso momento, Teresinha crescia no amor à sua Mãe do Céu. Para lhe dar prova desse amor, praticou uma acção que muito lhe custou, e que a despeito de sua extensão vou historiar em poucas palavras... Quase logo depois de minha admissão na Abadia, fui recebida na associação dos Santos Anjos. Apreciava muito as práticas de devoção que se me impunham, pois sentia um atractivo todo particular em rezar aos bem-aventurados espíritos celestiais, especialmente àquele que o Bom Deus me dera para ser companheiro do meu exílio. Algum tempo depois da minha Primeira Comunhão, a fita de aspirante a Filha de Maria substituiu a dos Santos Anjos. Antes, porém, de ser admitida na Associação da Santíssima Virgem, deixei a Abadia. Por ter saído antes de concluir os estudos, não tinha o direito de ingressar como antiga aluna. Considerando, contudo, que todas as minhas irmãs tinham sido "Filhas de Maria", tive receio de ser, menos do que elas, filha de minha Mãe do Céu, e fui com toda a humildade (apesar do muito que me custava) pedir a licença de ser recebida na Associação da Santíssima Virgem na Abadia. A mestra directora não quis recusar-me, mas pôs como condição que, duas vezes por semana, me recolhesse uma tarde na Abadia, para mostrar se era digna de ser admitida. Bem ao invés de me causar prazer, a concessão foi-me custosa ao extremo. Não tinha, como outras antigas alunas, uma professora amiga, com a qual pudesse passar algumas horas. Contentava-me, por conseguinte, em cumprimentar a mestra, e depois trabalhava em silêncio até ao final da lição programada. Ninguém me dava atenção, e por isso subia à tribuna do coro da capela, ficando diante do Santíssimo Sacramento até o momento em que Papai ia buscar-me. Esta era minha exclusiva consolação. Não era Jesus meu único amigo? Não conseguia falar senão com Ele. Fatigava-me a alma conversar com as criaturas, ainda que se tratasse de conversas piedosas... Sentia que era maior vantagem falar com Deus do que falar de Deus, pois em conversas espirituais se intromete muito amor próprio!... Oh! bem era, única e exclusivamente, pela Santíssima Virgem que me apresentava na Abadia... Por vezes, sentia-me sozinha. Muito sozinha. Como nos dias de minha vida de semi-interna, quando triste e doente espairecia no grande pátio, repetia as palavras que sempre me fizeram renascer paz e alento no coração: "A vida é o teu navio, não é tua morada!"... Quando ainda pequenina, estas palavras restituíam-me a coragem. Ainda agora, a despeito dos anos que apagam tantas impressões da piedade infantil, a imagem da embarcação enleva a minha alma, ajudando-lhe a suportar o exílio em paciência... Não nos diz também a Sabedoria que "a vida é como uma nau que sulca as ondas agitadas, e de cuja rápida passagem não fica nenhum vestígio?... " Quando penso tais coisas, minha alma submerge no infinito. Afigura-se-me que já abordo a praia da eternidade... Afigura-se-me receber os amplexos de Jesus... Creio avistar minha Mãe do Céu que me vem ao encontro na companhia do Papá... da Mamã... dos quatro anjinhos... Creio, afinal, gozar para sempre da verdadeira vida eterna em família...

(cont.)




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