Tempo comum XXX Semana
Evangelho: Lc 6 12-19
«12 Naqueles dias Jesus retirou-se para o monte a orar, e
passou toda a noite em oração a Deus. 13 Quando se fez dia, chamou
os Seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos:
14 Simão, a quem deu o sobrenome de Pedro, seu irmão André, Tiago,
João, Filipe, Bartolomeu, 15 Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu,
Simão, chamado o Zelote, 16 Judas, irmão de Tiago, e Judas
Iscariotes, que foi o traidor. 17 Descendo com eles, parou numa planície.
Estava lá um grande número dos Seus discípulos e uma grande multidão de povo de
toda a Judeia, de Jerusalém, do litoral de Tiro e de Sidónia, 18 que
tinham vindo para O ouvir, e para ser curados das suas doenças. Os que eram
atormentados pelos espíritos imundos ficavam também curados. 19 Todo
o povo procurava tocá-l'O, porque saía d'Ele uma virtude que os curava a todos.»
Comentário:
Fica-nos
sempre no espírito esta pergunta: como se explica que, o Senhor que tudo sabe,
tenha escolhido como seu apóstolo alguém que haveria de o trair?
Deus sabe tudo, sem dúvida, mas nem por isso desiste do homem.
Três anos de constante companhia não foram bastantes para demover Judas do seu intento mas, o Senhor, bem o tentou até ao derradeiro momento na noite de quinta-feira.
(ama, comentário sobre Lc 6, 12-19,
2013.10.28)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
Manuscrito "A" - Parte II
…/1
Acontecia que até os próprios
passeios, feitos antes de recolher-nos aos Buissonnets, me deixavam na alma um
sentimento de tristeza. A família, então, já não se reunia toda, porque Papai,
querendo agradar a Titio, deixava-lhe Maria ou Paulina todas as tardes de
Domingo. Havia a única circunstância de que, para mim, era grande alegria poder
ficar também. Gostava que assim acontecesse, mais do que ser convidada
exclusivamente, porque então se ocupavam menos comigo. Meu máximo prazer era
escutar tudo quanto meu Tio falava. Não apreciava, porém, que me fizesse
perguntas, e sentia bastante medo, quando me punha sobre um joelho só, enquanto
cantava o Barba-Azul com voz formidável... Era, pois, com satisfação que
aguardava a chegada do Papai para nos buscar.
Na volta, olhava para as estrelas que
cintilavam docemente, e esta vista me enlevava... Havia, sobretudo, uma
constelação de pérolas de ouro que notava com alegria, por achar que tinha a
forma de um T (aqui ponho mais ou menos sua forma). Fazia com que Papai a
visse, dizendo-lhe que meu nome estava inscrito no Céu. Depois, não querendo
ver nada desta terra mesquinha, pedia-lhe que me guiasse. Então, sem olhar onde
punha os pés, erguia a cabecinha bem alto para o ar, e não me cansava de
contemplar o azul do Céu estrelado! ...
Que direi de nossos serões de inverno,
mormente dos de Domingo? Ah! como me era agradável, depois do jogo de damas,
sentar-me com Celina nos joelhos de Papai... Como sua bela voz, entoava canções
que enchiam a alma de pensamentos elevados... ou então, embalando-nos de
mansinho, recitava poesias inspiradas nas verdades eternas... Depois, subíamos
para fazer a oração em comum, e a rainhazinha ficava só ao pé do seu Rei, não
precisando senão olhar para ele para saber como rezam os Santos... Afinal,
íamos por ordem de idade dar boa-noite a Papai e receber um beijo. A rainha
vinha naturalmente por última. Para a beijar, o rei tomava-a pelos cotovelos, e
ela exclamava bem alto: "Boa noite, Papai, boa noite, dorme bem".
Todas as noites era a mesma repetição...
Em seguida, minha mãezinha tomava-me
nos braços e levava-me à cama de Celina. Então eu dizia: "Paulina, fui
boazinha hoje?... Será que os anjinhos voarão em redor de mim?" A resposta
era sempre que sim. Do contrário, passaria a noite toda a chorar. .. Depois de
me beijar, como também o fazia minha querida madrinha, Paulina tornava a
descer, e a coitada da Teresinha ficava completamente só na escuridão. Por mais
que imaginasse os anjinhos a voarem em redor, o pavor logo a dominava, as
trevas faziam-lhe medo, porque da cama não divisava as estrelas que fulgiam
levemente...
Considero verdadeira graça que vós,
minha querida Mãe, me acostumastes a vencer meus temores. De vez em quando,
mandáveis-me de noite ir buscar sozinha algum objeto num cômodo distante. Se
não fora tão bem orientada, teria ficado muito medrosa, ao passo que agora é
realmente difícil assustar-me... Ocasiões há em que indago a mim mesma como
pudestes educar-me com tanto amor e delicadeza sem me deixar baldosa; pois, a
verdade é que não me deixáveis passar nenhuma imperfeição. Nunca me censuráveis
sem razão de ser, como também nunca voltáveis atrás numa coisa já decidida.
Sabia-o tão bem que eu não teria podido nem desejado dar um passo se mo
proibistes. Até papai era obrigado a conformar-se com vossa vontade. Sem o
consentimento de Paulina, não ia a passeio e quando papai dizia para eu ir eu
respondia: "Paulina não quer". Então, ele ia pedir por mim. Para
agradar-lhe, algumas vezes Paulina dizia sim, mas Teresinha percebia pela sua
fisionomia que contra sua vontade. Punha-se a chorar sem aceitar consolo até
que Paulina dissesse sim e a beijasse cordialmente.
Quando Teresinha adoecia, o que
acontecia todos os invernos, não é possível dizer com que ternura era tratada.
Paulina fazia-a dormir em sua cama (favor indizível) e lhe dava tudo o que ela
queria. Um dia, Paulina pegou debaixo do travesseiro uma linda faquinha que lhe
pertencia e, dando-a à sua filhinha, deixou-a mergulhada num deslumbramento
indescritível: "Ah! Paulina", exclamou ela, "tu me amas muito
para te desfazeres por mim da tua linda faquinha que tem uma estrela de
madrepérola... Mas, sendo que me amas tanto, farias o sacrifício do teu relógio
para eu não morrer?" "Não só para tu não morreres, daria meu relógio;
mas faria logo o sacrifício dele para ficares boa logo". Ao ouvir essas
palavras de Paulina, meu espanto e minha gratidão foram tantos que não sei
expressá-los... No verão, às vezes, eu tinha náuseas; Paulina tratava-me ainda
com ternura. Para distrair-me, o que era o melhor remédio, carregava-me num
carrinho de mão em volta do jardim e, fazendo-me descer, colocava no lugar um
bonito pé de margaridas que ela carregava com muita precaução até meu jardim,
para onde ele era transplantado com grande solenidade...
Paulina recebia todas as minhas
confidências íntimas, dissipava todas as minhas dúvidas... Uma vez, estranhei
que Deus não desse glória igual no Céu a todos os eleitos e receava que não
fossem todos felizes, Então, Paulina fez-me buscar o copo grande de papai e
colocá-lo ao lado do meu pequeno dedal e disse para encher os dois. A seguir,
perguntou-me qual dos dois estava mais cheio. Respondi que os dois estavam
cheios e não podiam conter mais. Minha mãe querida fez-me então compreender que
o Céu Deus dá a seus eleitos tanta glória quanto podem conter e que, assim, o
último nada tem a cobiçar ou invejar do primeiro. Assim é que, pondo ao meu
alcance os mais sublimes segredos, sabíeis, Madre, dar à minha alma o alimento
que lhe era necessário...
Com quanta alegria via, a cada ano,
chegar a atribuição de prémios pelo estudo!... Aí, como sempre, a justiça reinava e só
recebia as recompensas merecidas. Sozinha, de pé no meio da nobre assembleia,
ouvia minha sentença, lida pelo Rei França e de Navarra. Meu coração batia forte
ao receber os prémios e a coroa... para mim, era como uma representação do
juízo final!... Logo após a distribuição dos prémios, a rainhazinha tirava o
vestido branco e apressavam-se em fantasiá-la para tomar parte na grande peça
teatral!...
Como eram alegres essas festas
familiares... Como eu estava longe, então, ao ver meu rei querido e radiante,
de prever as provações que iriam visitá-lo!...
Um dia, porém, Deus mostrou-me, numa
visão verdadeiramente extraordinária", a imagem viva da provação que Ele
estava preparando para nós, seu cálice já enchia".
Papai estava viajando há vários dias e
ainda faltavam dois para seu regresso. Era duas ou três horas da tarde, o sol
brilhava e a natureza parecia em festa. Eu estava sozinha na janela de uma
água-furtada que dava para o grande jardim; olhava diante de mim, a mente ocupada
por pensamentos alegres, quando avistei frente à lavandaria que se encontrava
logo adiante um homem vestido exactamente como papai, mesma estatura e mesmo
modo de andar, apenas muito mais curvado... Sua cabeça estava coberta por uma
espécie de avental de cor indefinida, de sorte que eu não podia ver-lhe o
rosto. Estava com chapéu igual ao de papai. Vi-o andar em passos regulares,
beirando meu jardinzinho... Logo, um sentimento de pavor sobrenatural invadiu
minha alma. Num instante, imaginei que papai tivesse voltado e que se
escondesse a fim de surpreender-me. Então, chamei-o em voz bem alta, com voz trémula de emoção: "Papai, Papai!..." Mas o estranho personagem não
parecia ouvir-me. Continuou sua caminhada regular sem olhar para trás.
Seguindo-o com os olhos, vi-o dirigir-se para o pequeno bosque que cortava ao
meio a grande alameda. Esperava vê-lo aparecer do outro lado das grandes
árvores, mas a visão profética esvaíra-se!... Tudo isso só durou um instante,
mas gravou-se tão profundamente em meu coração que hoje, depois de quinze
anos... a lembrança me é tão presente como se a visão estivesse ainda diante
dos meus olhos...
Maria estava convosco, Madre, num
quarto que se comunicava com aquele onde eu me encontrava. Ouvindo-me chamar
por papai, sentiu impressão de pavor, percebendo que, contou-me depois, devia
estar acontecendo algo extraordinário. Sem exteriorizar a sua emoção, correu junto a
mim e me perguntou por que eu estava chamando papai, que fora a Alençon.
Contei, então, o que acabara de ver. Para me acalmar, Maria disse que, sem
dúvida, Vitória quisera pregar-me uma peça e escondera a cabeça com seu
avental. Interrogada, essa afirmou não ter saído da cozinha. Aliás, eu tinha
certeza de ter visto um homem que se parecia com papai. Então fomos as três ao
bosque, mas como não achamos sinal nenhum da passagem de alguém dissestes-me
para não mais pensar nisso...
Não mais pensar estava além do meu
poder. Muitas vezes minha imaginação representou-me a cena misteriosa que eu
presenciara... Muitas vezes procurei levantar o véu que me escondia o sentido,
pois no fundo do meu coração conservava a convicção íntima de que essa visão
possuía um sentido que havia de ser-me revelado um dia... Esse dia demorou a
chegar, mas após catorze anos Deus rasgou o véu misterioso. Estando de licença
com Irmã Maria do Sagrado Coração, falávamos, como sempre, das coisas da outra
vida e das nossas recordações de infância, quando lembrei-lhe a visão que eu
tivera na idade de 6 para 7 anos. De repente, relatando os pormenores dessa
cena estranha, ambas compreendemos o que significava... Era papai, sim, que eu
vira andando, curvado pela idade... Era ele carregando no seu rosto venerável,
na sua cabeça branca, a marca da sua gloriosa provação... Como a Face Adorável
de Jesus, velada durante sua Paixão, assim a face do seu fiel servo devia ficar
velada nos dias dos seus sofrimentos, a fim de poder resplandecer na Pátria
Celeste junto a seu Senhor, o Verbo Eterno!... Foi do seio dessa glória
inefável onde reina no céu que nosso pai querido obteve para nós a graça de
compreender a visão que sua rainhazinha tivera numa idade em que não é
necessário temer a ilusão! Foi desde o seio da glória que obteve para nós esse
doce consolo de podermos compreender que, dez anos antes da nossa grande
provação, Deus no-la mostrou como um pai deixa seus filhos entreverem o futuro
que lhes prepara e se compraz em considerar por antecipação as riquezas
incalculáveis que lhes são destinadas...
Ah! por que foi a mim que Deus deu
essa luz? Por que mostrou a uma criança tão nova unia coisa que ela não podia
compreender, uma coisa que, se a tivesse compreendido, a teria matado de dor,
por quê?... Sem dúvida, esse é mais um daqueles mistérios que só compreenderemos
no céu e que nos causará uma admiração eterna!...
Como o Bom Deus é bom! ... Como põe as
provações em exacta equação com a forças que nos confere. Nunca, como acabo de
afirmá-lo, poderia aturar a própria ideia dos amargos sofrimentos que o futuro
me reservava... Sem frémito não conseguia sequer pensar em que o Papai podia
morrer... Certa vez trepara ele ao topo de uma escada de mão. Como me
encontrava justamente por debaixo, gritou-me: "Arreda-te, pobre bichinho,
se despenhar, esmago-te''. Ao ouvir isso, tive uma reacção interior. Em vez de
afastar-me, apoiei-me contra a escada, pensando comigo: "Pelo menos, se o
Papai cair, não terei a dor de vê-lo morrer, pois morrerei com ele". Não
consigo exteriorizar quanto amava Papai. Tudo nele me causava admiração. Quando me
explicava suas ideias (como se fora menina crescida), dizia-lhe com sinceridade
que, por certo, se falasse tudo isso aos grandes homens do governo, toma-lo-iam
para o constituir Rei, e que então a França seria feliz como nunca o fora
antes... No fundo, porém, alegrava-me (e disso me inculpava como de um
pensamento egoísta) por não haver ninguém senão eu que conhecia bem Papai.
Pois, se viesse a ser Rei de França e de Navarra, sabia que se daria por
infeliz, porque tal é a sorte de todos os monarcas, e sobretudo porque já não
seria o meu Rei, só para mim!...
Tinha eu seis ou sete anos, quando
Papai nos levou a Trouville. Jamais esquecerei a impressão que o mar me causou.
Não podia coibir-me de contemplá-lo sem interrupção. Sua majestade, o bramir
das ondas, tudo me falava à alma a respeito da Grandeza e do Poder do Bom Deus.
Recordo-me de que, no passeio que fazíamos pela praia, um senhor e uma senhora,
como me vissem a correr alegre em redor do Papai, aproximaram-se e perguntaram-lhe
se eu era dele, dizendo que era uma menininha muito graciosa. Respondeu-lhes
Papai que sim, mas notei que lhes deu sinal para não me elogiar... Era a
primeira vez que ouvia dizer que eu era graciosa. Isto me deixou bem contente,
pois não supunha que o fosse. Vós tomáveis, minha querida Mãe, tanta precaução
em não permitir, junto a mim, nada que pudesse comprometer minha inocência,
principalmente em não me deixar ouvir alguma palavra que insinuasse vaidade em
meu coração. Como só dava atenção às vossas palavras e às de Maria (e de vossa
parte nunca me dirigistes uma única lisonja), não liguei muita importância às
palavras e aos olhares admirados da senhora.
Ao entardecer, à hora que o sol parece
banhar-se na imensidão das ondas, deixando atrás de si um sulco luminoso, ia
sentar-me sozinha com Paulina no rochedo... Então, acudia-me à lembrança a
comovente história do "Sulco de ouro" Fiquei a contemplar longamente
a esteira luminosa, imagem da graça a clarear a rota do barquinho de graciosa
vela branca... Junto a Paulina, tomei a resolução de nunca distanciar minha
alma do olhar de Jesus, a fim de que navegue tranquila em direcção da Pátria
dos Céus!...
Minha vida deslizava tranquila e
feliz. A afeição de que era cercada nos Buissonnets, fazia-me crescer, por
assim dizer, mas não havia dúvida de que já era bem desenvolvida, para começar
a conhecer o mundo e as misérias de que anda cheio...
(cont.)
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