Evangelho: Mt 25, 1-13
1 «Então, o Reino dos Céus será semelhante a dez virgens, que, tomando
as suas lâmpadas, saíram ao encontro do esposo. 2 Cinco delas eram
néscias, e cinco prudentes. 3 As cinco néscias, tomando as lâmpadas,
não levaram azeite consigo; 4 as prudentes, porém, levaram azeite
nas vasilhas juntamente com as lâmpadas. 5 Tardando o esposo,
começaram todas a cabecear e adormeceram. 6 À meia-noite, ouviu-se
um grito: “Eis que vem o esposo! Saí ao seu encontro”. 7 Então
levantaram-se todas aquelas virgens, e prepararam as suas lâmpadas. 8
As néscias disseram às prudentes: “Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas
lâmpadas apagam-se”. 9 As prudentes responderam: “Para que não suceda
que nos falte a nós e a vós, ide antes aos vendedores, e comprai para vós”. 10
Mas, enquanto elas foram comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam
preparadas entraram com ele a celebrar as bodas, e foi fechada a porta. 11
Mais tarde, chegaram também as outras virgens, dizendo: “Senhor, Senhor,
abre-nos”. 12 Ele, porém, respondeu: “Em verdade vos digo que não
vos conheço”. 13 Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a
hora.
Comentário:
Algumas traduções
chamam “néscias” às virgens “imprudentes”. Ser néscio é ser pouco atilado,
prudente ou coerente.
Alguém que não leva
as coisas muito a sério, que está disposto a “esperar para ver o que acontece”,
não se preocupar ou não dar importância a algo que a deve ter.
Neste caso, parece
evidente, que aquelas virgens a que o Senhor se refere na Sua parábola, são
retrato, a imagem destas pessoas que vão pela vida como se não tivessem
qualquer responsabilidade ou dever e, pior, que não lhes venham a ser pedidas
contas do que deveriam ter feito e não fizeram.
Preparar-se é sinal
de prudente coerência de quem se diz empenhado na sua salvação, o maior bem a
que pode aspirar.
(ama, comentário sobre Mt 25, 1-13, 2013.08.09)
Leitura espiritual
Magistério
cardeal joseph ratzinger
Algumas perguntas pessoais
Um auto-retrato.
Poderia descrever-se a si
mesmo?
É
impossível fazer um auto-retrato; é difícil julgar-se a si mesmo. Posso apenas
dizer que venho de uma família muito simples, muito humilde, e por isso, mais
do que um cardeal, sinto-me um homem simples.
Tenho
a minha casa na Alemanha, numa cidade pequena, cujos habitantes trabalham na agricultura,
em ofícios manuais, e ali sinto-me no meu ambiente. Também procuro ser assim no
meu trabalho: não sei se o consigo, não me atrevo a julgar-me.
Recordo
sempre com grande carinho a profunda bondade do meu pai e da minha mãe; naturalmente,
para mim, bondade inclui a capacidade de dizer "não", pois uma
bondade que deixasse o outro fazer qualquer coisa não lhe faria bem. Algumas
vezes, bondade significa ter que dizer "não" e correr assim o risco
de que nos contradigam.
Esses
são os meus critérios, essa é a minha origem; quanto ao resto, deveriam ser os outros
a julgar [i].
Homem de consciência.
Seu irmão fez a seguinte
caracterização da sua pessoa:
"Custa-lhe ter de
agir com força, mas, quando precisa combater, actua segundo a sua
consciência". O senhor é um homem de consciência?
Procuro
sê-lo. Não ouso dizer que o seja. Mas parece-me bastante importante não colocar
a aprovação ou o ambiente simpático do meio a que se pertence acima da verdade,
embora isto seja sempre uma grande tentação. É claro que o apelo à consciência
pode transformar-se na mania de ter sempre razão, de modo que uma pessoa pense
que tem de se opor a tudo. Mas, entendido num sentido correto, o homem que ouve
a sua consciência, e para quem aquilo que se conhece - o bem - está acima da aprovação
e da aceitação dos outros, é para mim, de facto, um ideal e uma tarefa. E figuras
como Thomas More, o Cardeal Newman e outras grandes testemunhas – entre elas,
os que foram implacavelmente perseguidos pelo regime nazi, como por exemplo Dietrich
Bonhoeffer [ii]
são, para mim, grandes modelos [iii].
Medo de Deus? Eminência,
às vezes o senhor também sente medo de Deus?
Não
falaria de medo. Graças a Cristo, sabemos como Deus é, sabemos que nos ama
[...]. No entanto, sempre experimento a consciência fulminante de não estar à
altura da ideia que Deus faz de mim [iv].
O
primado da verdade na vida. Ao longo do meu caminho espiritual, senti muito intensamente
o problema de saber se, no fundo, não é presunção dizer que podemos conhecer a
verdade, em virtude de todas as nossas limitações. Também me interroguei até
que ponto não seria talvez melhor pôr essa categoria em segundo plano. Ao aprofundar
essa questão, pude observar, e também compreender, que a renúncia à verdade não
resolve nada: pelo contrário, conduz à ditadura da arbitrariedade. Tudo o que
resta só pode então ser decidido por nós e é substituível. O homem perde a dignidade
quando não é capaz de conhecer a verdade, quando tudo não passa de produto de
uma decisão individual ou colectiva.
Assim,
vi como é importante que não se perca o conceito de verdade, mas permaneça como
categoria central, não obstante as ameaças e os riscos que sem dúvida envolve.
Como
exigência que nos é feita, não nos dá direitos, mas, pelo contrário, requer a
nossa humildade e a nossa obediência, como também nos pode pôr no caminho
daquilo que é comum a todos os homens. A partir de um longo confronto com a
situação espiritual em que nos encontramos, este primado da verdade foi
lentamente tornando-se visível para mim; como disse, não pode ser simplesmente
entendido de forma abstracta, mas precisa estar envolvido em sabedoria [v].
Verdade e bondade.
Certa vez, o senhor
afirmou que um homem deveria acentuar o primado da verdade sobre a bondade.
Julgo que é uma atitude que pode ser perigosa. Isso não corresponderia à imagem
do Grande Inquisidor, tal como Dostoievski a descreveu?
É
preciso interpretar todo o contexto. Nessa frase, a bondade é entendida no
sentido de uma falsa bondade, do tipo "não pretendo aborrecer-me". É
uma atitude muito comum, que se verifica também, e sobretudo, no campo da
política: não se quer ser impopular.
Em
vez de ter aborrecimentos e de os criar, prefere-se contemporizar, mesmo com o
que é errado, com o que não é puro, nem verdadeiro, nem bom. Está-se disposto a
comprar bem-estar, sucesso, reconhecimento público e aceitação por parte da
opinião dominante, à custa da renúncia à verdade. Não quis atacar a bondade em geral.
A verdade só pode ter sucesso e vencer com a bondade. Referia-me a uma
caricatura da bondade que é bastante comum: que se negligencie a consciência
com o pretexto da bondade, que se coloque acima da verdade a aceitação e a
preocupação de evitar problemas, o comodismo, o ser bem-visto [vi].
Autoridade em matéria de
fé.
Como é possível, hoje em
dia, ter autoridade em questões de fé?
Certamente
é uma tarefa difícil, em parte porque já não existe o conceito de autoridade.
O
facto de haver uma autoridade que decida coisas parece hoje incompatível com a liberdade
para fazer o que se quiser. É difícil também porque muitas tendências gerais da
nossa época se opõem à fé católica. Busca-se uma visão do mundo simplificada:
Cristo
não poderia ser o Filho de Deus, mas um mito ou uma grande personalidade humana,
pois Deus não poderia ter aceito o sacrifício de Cristo, Deus não seria um Deus
cruel... Em última análise, há muitas ideias que se opõem ao cristianismo, e
seria necessário reformular muitas verdades de fé para que se adequassem ao
homem de hoje.
Mas
tenho de dizer que muitas pessoas também agradecem que a Igreja continue a ser uma
força que transmite a fé católica e ofereça um fundamento sobre o qual se pode viver
e morrer. E isso é consolador para mim [vii].
Posição incómoda.
Eminência, [...] o senhor
escreveu um livro chamado Deus e o mundo, no qual disse que a sua posição como
Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé era a posição mais incómoda que
já tinha ocupado. (O cardeal Ratzinger ri tranquilamente) O que quis dizer com isso?
Sim,
é uma posição incómoda de muitas maneiras. Sobretudo porque, com frequência, somos
obrigados a enfrentar todos os problemas da Igreja: relativismo, heresias, teologias
inaceitáveis, teólogos complicados e o resto, juntamente com os casos disciplinares;
o problema dos pedófilos, por exemplo, também é problema nosso. Nesta
Congregação,
temos de lutar com os aspectos mais complicados da vida da Igreja hoje.
Além
disso, somos atacados como "a Inquisição"; o senhor deve sabê-lo
melhor do que eu...
Isso
por um lado. Mas, por outro, comprovo todos os dias que as pessoas estão agradecidas
quando dizem: "Sim, a Igreja tem uma identidade, uma continuidade; a fé é real
e está presente também hoje, e é possível professá-la..." E o mesmo quando
vou à Praça de São Pedro e vejo tantas pessoas de lugares tão variados do mundo
que me dizem: "Obrigado, padre. Estamos agradecidos pelo difícil trabalho
que faz, porque nos ajuda". Muitos amigos protestantes chegam também a dizer-me:
"O que o senhor vem fazendo é útil para nós porque também defende a nossa
fé e a validade da fé em Cristo.
Precisamos
de uma instância como a sua, mesmo quando não compartilhamos o que diz.
E
é útil também para ver que temos de prosseguir na contínua defesa da fé; o
senhor alenta-nos a perseverar na fé, a continuar a vivê-la". E nos
últimos dias, aproximou-se de mim uma delegação de ortodoxos que me disseram o
mesmo. Portanto, o nosso trabalho tem uma dimensão ecuménica que, com
frequência, não é apreciada. [viii]
Deus
O Deus escondido. Onde
está Deus, onde pode ser encontrado? Está escondido?
Parece
que se revela muito raramente. As pessoas desesperam-se porque pensam que Ele
não fala com elas, não dá sinais, não interfere na sua vida.
Ele
manifesta-se, mas não de forma ruidosa, não necessariamente sob a forma de uma catástrofe
natural, embora as catástrofes naturais também possam ser manifestações suas.
Não o faz, pois, de forma ruidosa, mas sempre se está manifestando. É claro que
o receptor tem de estar, por assim dizer, sintonizado para captar o emissor.
Na
nossa maneira de viver e de pensar, há tantas interferências perturbadoras que
não somos capazes de captar o som, que também se tornou tão estranho para nós
que não o reconhecemos como vindo dEle. Mas eu diria que qualquer pessoa que
esteja atenta pode fazer essa experiência e perceber: neste momento, Ele
dirige-se a mim; é uma oportunidade que me é dada para conhecê-lo. [...] Ele
pode manifestar-se se eu estiver vigilante, e também se houver alguém que me
ajude a decifrar a realidade. É claro que Ele não fala de forma ruidosa, mas
sim através de sinais e dos acontecimentos da vida, e através das outras
pessoas. É necessário, pois, ter uma certa vigilância, e perseverança para não
ser dominado pelas coisas que ocupam o primeiro plano [ix].
O Deus marginalizado.
Onde está Deus na
sociedade contemporânea?
Está
muito marginalizado. Na vida política, parece quase indecente falar de Deus,
como se fosse um ataque à liberdade de quem não crê. O mundo político segue as
suas normas e os seus caminhos, excluindo Deus como uma realidade que não
pertence a esta terra.
O
mesmo acontece no mundo do comércio, da economia e da vida privada. Deus fica à
margem. No entanto, parece-me necessário voltar a descobrir [...] que também a
esfera política e económica têm necessidade de uma responsabilidade moral, de
uma responsabilidade que nasce do coração do homem e que, em última análise,
tem a ver com a presença ou a ausência de Deus. Uma sociedade em que Deus
esteja absolutamente ausente autodestrói-se [x].
Existência de Deus e
existência humana.
Li
recentemente as afirmações de um intelectual alemão que, em relação à
"questão de Deus", se dizia agnóstico e, ao mesmo tempo, acrescentava
que não se poderia nem provar nem excluir totalmente a existência de Deus, de
modo que esse problema permaneceria sempre em aberto. No entanto, declarava-se
firmemente convencido da existência do inferno: bastava-lhe ligar a televisão
para comprová-lo sem sombra de dúvida.
Se
a primeira parte dessa afirmação corresponde plenamente ao sentir moderno, a segunda
parece extravagante, ao menos à primeira vista. Como é possível crer no inferno
se Deus não existe? Mas, se considerarmos essas palavras com um pouco mais de
atenção, veremos que encarnam uma certa lógica. O inferno é, por definição,
viver na ausência de Deus. Onde Deus não está, ali está o inferno. Certamente,
não é tanto o espetáculo diário da televisão que nos fornece a prova, quanto um
olhar sobre o século que terminou e que nos deixou palavras como
"Auschwitz" ou "Arquipélago Gulag", e nomes como Hitler,
Stalin, Pol Pot. Esses infernos foram construídos para preparar um mundo futuro
de homens auto-suficientes que não teriam nenhuma necessidade de Deus.
Mas
onde Deus não está, surge o inferno, e o inferno persiste, muito simplesmente,
pela ausência de Deus. Pode-se chegar a esse extremo também de maneiras subtis,
que quase sempre afirmam que o que se busca é o bem dos homens. Hoje, quando se
comercializam órgãos humanos, quando se fabricam fetos para dispor de órgãos de
reposição ou para promover o avanço da ciência e da prevenção médicas, muitos consideram
implícito o caráter humanitário dessas práticas. Mas o desprezo pelo homem que
esse usar e abusar do ser humano pressupõe, conduz, quer se queira quer não, à
descida aos infernos.
Isto
não significa que não possa haver ou não haja ateus com um grande senso ético.
Seja
como for, atrevo-me a afirmar que essa ética se baseia na luz que emanou um dia
do Monte Sinai e que continua a brilhar até hoje: a luz de Deus. Nietzsche
tinha razão ao sublinhar que, quando a notícia da morte de Deus se tornasse
conhecida por todo o mundo, quando a sua luz se tivesse apagado
definitivamente, esse momento seria necessariamente terrível.
O
cristianismo não é uma filosofia complicada e envelhecida com o passar do
tempo, não é uma imensa coleção de dogmas e preceitos: a fé cristã consiste em
sermos tocados por Deus e sermos as suas testemunhas.
Precisamente
por isso podemos dizer: a Igreja existe para que Deus, o Deus vivente, seja
anunciado, para que o homem possa aprender a viver com Deus, sob o seu olhar e em
comunicação com Ele. A Igreja existe para evitar o avanço do inferno sobre a
terra e para fazer com que esta se torne mais habitável à luz de Deus.. Graças
a Ela, e somente graças a Ela, a terra será humana. Nem que seja apenas por
este motivo, a Igreja deve continuar a existir, porque a sua eventual
desaparição arrastaria a humanidade para o torvelinho das trevas, da escuridão,
até à destruição de tudo o que torna humano o homem. [...] Sem Deus, o mundo
não consegue iluminar-se. A Igreja serve ao mundo fazendo com que Deus viva
nela, permitindo que Ele transpareça nEla, e estando pronta assim para levá-lo
à humanidade [xi].
Encontro pessoal com Deus.
O
cristianismo apresenta-se hoje como uma antiga tradição carregada de antigos
mandamentos, algo que já conhecemos e que não nos diz nada de novo, uma
instituição forte, uma das grandes instituições que pesam sobre os nossos
ombros. [...] Mas se pararmos nesta impressão, não viveremos o núcleo do cristianismo,
que é um encontro sempre novo, um acontecimento graças ao qual podemos encontrar
o Deus que fala connosco, que se aproxima de nós, que se faz nosso amigo. [...]
É decisivo chegar a este ponto fundamental de um encontro pessoal com Deus, que
também hoje se faz presente e que é nosso contemporâneo. [...] Se encontrarmos
este centro essencial, compreenderemos também o restante; mas se este acontecimento
que toca o coração não se realizar, tudo o mais passará a ser como que um peso,
quase que algo absurdo [xii].
(cont.)
(Revisão da versão portuguesa por ama)
[i] Entrevista à Radio Vaticano, 23.11.2001
[ii]
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), teólogo e pastor luterano alemão que se opôs à
ditadura nazi; foi condenado à morte e enforcado (N. do T.).
[iii] O
sal da terra, págs. 55-56.
[iv]
Dios y el mundo, repr. em Avvenire, 27.09.2001
[v] O
sal da terra, pág. 55
[vi]
Ibid., pág. 56
[vii]
Entrevista à Radio Vaticana
[viii] A
crise da Igreja: uma fé fraca, entrevista a Raymond Arroyo, canal de televisão
EWTN, Irondale (Alabama), 23.08.2003; repr. por Zenit, 24.08.2003
[ix] O
sal da terra, pág. 26
[x] El
laicismo está poniendo en peligro la libertad religiosa, entrevista a La
Reppublica, repr. por Zenit, 19.11.2004
[xi] 1Testigos
de Ia luz de Dios, em La Razôn, 23.04.2001
[xii] Por
qué el cristianismo no es visto como fuente de alegria, declarações ao
semanário Vita Trentina, Zenit, 07.05.2004
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