09/08/2014

Tratado da lei 79

Questão 106: Da lei do Evangelho, chamada nova, em si mesma considerada.

Em seguida devemos tratar da lei do Evangelho, chamada lei nova. E primeiro, em si mesmo considerada. Segundo, comparada com a lei antiga. Terceiro, do que a lei nova contém.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a lei nova é uma lei escrita.
Art. 2. — Se a lei nova justifica.
Art. 3 — Se a lei nova devia ter sido dada desde o princípio do mundo.
Art. 4 — Se a lei nova há-de durar até o fim do mundo.

Art. 1 — Se a lei nova é uma lei escrita.

[Art. Seq., q. 107, a. 1, ad 2, 3, q. 108, a. 1. II Cor., cap. III, lect, II, Ad Hebr., cap. VIII, lect. II].

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei nova é uma lei escrita.

1. — Pois, a lei nova é o Evangelho mesmo. Ora, este é escrito (Jo 20, 31): Mas, foram escritas estas coisas, a fim de que vós creiais. Logo, a lei nova é uma lei escrita.

2. Demais. — A lei infusa é a da natureza, conforme a Escritura (Rm 2, 14-15): Naturalmente fazem as coisas que são da lei os que mostram a obra da lei escrita nos seus corações. Se pois a lei do Evangelho fosse infusa, não diferiria da lei natural.

3. Demais. — A lei do Evangelho é própria dos que vivem no regime do Novo Testamento. Ora, a lei infusa é comum tanto a esses como aos que viveram no regime do Velho Testamento. Pois, diz a Escritura (Sb 7, 27), que a divina Sabedoria, pelas nações, se transfunde nas almas santas, forma os amigos de Deus e os profetas. Logo, a lei nova não é uma lei infusa.

Mas, em contrário, a lei nova é a lei do Novo Testamento. Ora, esta é infusa no coração. Pois, o Apóstolo, citando a autoridade da Escritura (Jr 31, 31-33) — Eis aí virão os dias, diz o Senhor, e farei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá — e expondo qual seja essa aliança, diz (Heb 8, 8-10): Porque este é o testamento que ordenarei à casa de Israel, imprimindo as minhas leis na mente deles, e as escreverei sobre o seu coração. Logo, a lei nova é infusa.

Todo o ser é considerado como sendo o que nele é principal, consoante o Filósofo. Ora, o que há de principal na lei do Novo Testamento, e no que consiste toda a sua virtude, é a graça do Espírito Santo, dada pela fé em Cristo. Donde, a lei nova é principalmente a graça mesma do Espírito Santo, dada aos fiéis de Cristo. E isto torna-se manifesto pelas palavras do Apóstolo (Rm 3, 27): Onde está o motivo de te gloriares? Todo ele foi excluído. Por que lei? Pela das obras? Não, mas pela lei da fé — chamando, assim, lei à graça mesma da fé. E mais expressamente (Rm 8, 2): A lei do espírito de vida em Jesus Cristo me livrou da lei do pecado e da morte. Por isso diz Agostinho, que, assim como a lei das ações foi escrita em tábuas de pedra, assim, a lei da fé o foi nos corações dos fiéis. E noutro lugar do mesmo livro: Que são as leis de Deus por Ele próprio escritas nos corações, senão a presença mesma do Espírito Santo?

Contudo, a lei nova encerra certos preceitos como que secundários disponentes à graça do Espírito Santo e ao uso dessa graça. E sobre eles era necessário que os fiéis de Cristo fossem instruídos por palavras e escrituras, tanto em relação ao que devem crer como ao que devem agir.

Donde, devemos dizer, que a lei nova é principalmente uma lei infusa, e, secundariamente, uma lei escrita.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O escrito nos Evangelhos não contém senão o que diz respeito à graça do Espírito Santo, quer dispondo, quer ordenando para o uso dessa graça. Dispondo o intelecto pela fé, pela qual se obtém a graça do Espírito Santo, o Evangelho encerra o concernente à manifestação da divindade ou da humanidade de Cristo. Quanto ao afecto, ele contém a atinente ao desprezo do mundo, que torna o homem capaz da graça do Espírito Santo, pois, o mundo, i. é, os amantes do mundo, não pode receber o Espírito Santo, como diz a Escritura (Jo 14, 17). Quanto ao uso da graça espiritual, ele consiste nos actos virtuosos, aos quais frequentemente o escrito do Novo Testamento exorta os homens.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Pode haver algo de infuso no homem de dois modos. — Primeiro, como fazendo parte da natureza humana. E nesse sentido a lei natural é nela infusa. — De outro modo, como lhe sendo acrescentado à natureza pelo dom da graça. E deste modo a lei nova é infusa no homem, e indica não só o que ele deve fazer, mas também o ajuda a cumprir a lei.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Ninguém nunca teve a graça do Espírito Santo, senão por fé explícita ou implícita em Cristo. Ora, pela fé em Cristo o homem pertence ao Novo Testamento. Donde, aqueles a quem foi infundida a lei da graça pertenciam ao Novo Testamento.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


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