Tempo comum XII Semana
São Josemaria
Escrivá
Evangelho: Mt 7, 21-29
21 «Nem todo o que Me diz: “Senhor, Senhor”,
entrará no Reino dos Céus, mas só o que faz a vontade de Meu Pai que está nos
céus. 22 Muitos Me dirão naquele dia: “Senhor, Senhor, não
profetizámos nós em Teu nome, e em Teu nome expulsámos os demónios, e em Teu
nome fizemos muitos milagres?”. 23 E então Eu lhes direi bem alto:
“Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade”. 24
«Todo aquele, pois, que ouve estas Minhas palavras e as observa será semelhante
ao homem prudente que edificou a sua casa sobre rocha. 25 Caiu a
chuva, transbordaram os rios, sopraram e investiram os ventos contra aquela
casa, mas ela não caiu, porque estava fundada sobre rocha. 26 Todo
aquele que ouve estas Minhas palavras e não as pratica será semelhante a um
homem insensato que edificou a sua casa sobre areia. 27 Caiu a
chuva, transbordaram os rios, sopraram e investiram os ventos contra aquela
casa, e ela caiu, e foi grande a sua ruína». 28 Quando Jesus acabou
estes discursos, estavam as multidões admiradas com a Sua doutrina, 29
porque os ensinava como quem tinha autoridade, e não como os seus escribas.
Comentário:
Atentemos neste texto – que pode parecer
controverso – e veremos com meridiana clareza o que se passa em tantas partes
do mundo, talvez hoje mais que nunca, com pessoas, organizações e grupos que
fazem e actuam em nome de Cristo quando, na verdade, o que pretendem, na maior
parte dos casos, é encontrar uma “forma de ganhar a vida” à custa de outros.
Procuram os incautos, pouco cultos ou formação, para inculcarem as suas ideias
dando aos que os ouvem e seguem uma falsa impressão de que actuam com
autoridade concedida por Deus e, não poucas vezes, até com poderes extraordinários.
Na terra, esta terra em que vivemos,
existe uma única entidade que pode actuar em nome de Jesus Cristo: A Santa
Igreja Católica Apostólica Romana que Ele próprio instituiu e cuja cabeça
visível é o Papa.
A PAZ NA FAMÍLIA
…/7
O
CUME DA MISERICÓRDIA
O cume da misericórdia,
como ensina Cristo, é o perdão. Mas, na vida em família, o perdão, muitas vezes
é o cúmulo da dificuldade. Como custa perdoar no lar! E, no entanto, é muito
mais daninho para a paz familiar guardar rancores, curtir ressentimentos e
andar com revides, do que explodir momentaneamente, dando vazão à ira, ao grito
e ao sopapo.
Creio que todos nós
experimentamos um estremecimento quando encaramos de frente duas declarações de
Cristo:
– depois de ensinar-nos a
rezar: perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem
ofendido, Jesus acrescenta: Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso
Pai vos perdoará (Mt 6, 12.15).
Já imaginamos o que seria,
para nós, o dia do Juízo, se Deus nos perdoasse só como nós perdoamos os
outros?
– o segundo ensinamento
deixa-nos pensativos e um tanto perturbados.
Repetindo de certa forma o
anterior, introduz um novo matiz. Cristo acaba de narrar a parábola do servo
cruel, que tendo sido perdoado de uma grande dívida pelo seu senhor, não perdoa
um companheiro que lhe deve uma insignificância. O senhor do servo castiga-o
severamente e, como moral da parábola, Cristo conclui: Assim vos tratará meu
Pai celeste, se cada um não perdoar a seu irmão de todo o coração (Mt 18, 35).
Há pessoas que parecem ter
no coração um computador com capacidade de muitos gigas, em cuja memória se vão
guardando todas as mágoas, perfeitamente contabilizadas:
“Não se lembrou do meu
aniversário”,
“Faz dez anos que não me
traz flores nem bombons”,
“Ela não aceitou a minha
explicação «verdadeira» sobre os meus atrasos à noite e acusa-me de
infidelidade”,
“Quando éramos namorados,
no dia tantos de tantos de mil novecentos e tantos, às dezoito e trinta e cinco
horas, na esquina das ruas tal e qual, ele me ofendeu dizendo xis ou ípsilon”,
“Ela passa o dia na casa
da sua mãe, como se não tivesse marido e filhos”,
“Ele não quis ir ao
casamento do meu sobrinho, sabendo que magoava toda a minha família”,
“Você disse isso porque
meus pais são pobres”, e assim por diante.
Basta que qualquer faísca
provoque uma irritação, basta uma má interpretação, uma crítica, uma zombaria
ou um protesto, para que a pessoa que se sente ofendida “clique” no seu
computador invisível e apareça no vídeo o arquivo dos “agravos”, com uma lista interminável.
Essa enxurrada de
reminiscências negativas cai então como um raio sobre o outro, reacende a
fogueira das acusações mútuas e aumenta o círculo vicioso dos rancores e das
recriminações.
Adeus à paz!
São Paulo sabia bem de que
massa estamos feitos e, por isso, pensando no amor que gera a paz, dizia, como
víamos acima:
Suportai-vos uns aos outros
e perdoai-vos mutuamente, se um tiver contra outro motivo de queixa. Como o Senhor
vos perdoou, assim perdoai também vós (Ef 3, 13).
Como são importantes os
pequenos perdões no lar!
Esforcemo-nos, pelo menos,
por calar-nos: não retruquemos, não firamos sensibilidades.
Façamos um propósito
espiritual altamente recomendável:
“Nas discussões, lá em
casa, eu faço questão de dizer a penúltima palavra”.
Quem se obstina em dizer a
última, inevitavelmente atiça a chama da discussão.
Mas calar-se não é
carneirismo?
Será que tenho que aceitar
todas as injustiças e humilhações?
Não.
Às vezes, pode-se – e
deve-se – cortar energicamente e na hora um despropósito, mas não há
necessidade de cair numa interminável discussão, nem de ficar remoendo horas e
dias.
Outras vezes, convirá
calar e esperar, e mais tarde, tentar um diálogo sereno e esclarecedor ou fazer
uma correção tranquila; em outras ocasiões, nada facilitará tanto o
arrependimento do outro como mostrar-lhe – sem humilhá-lo – grandeza de alma.
Uma pessoa ofendida que
trata bem, com coração magnânimo, aquele que o ofendeu, é moralmente
“superior”, não pelo orgulho, mas pela bondade. Com isso, desarma o agressor,
que pode perceber a sua tola mesquinhez em contraste com esse amor maior.
PERDOAR DE TODO O CORAÇÃO
“Certo – pode dizer alguém
–, eu perdoo, gostaria de perdoar, mas não consigo esquecer.
Portanto, o meu perdão não
vale nada, pois Cristo manda perdoar de todo o coração”.
Quantos não sofrem,
angustiados, por essa incapacidade que têm de esquecer mágoas e ofensas!
“Eu tento – dizem –, eu
quereria esquecer, eu me esforço, mas continuo lembrando-me e, de cada vez que
lembro, vem-me aquela fervura, sinto raiva, sinto antipatia, não agüento ver a
pessoa na minha frente”.
Deus não nos pede
impossíveis, e mudar sentimentos involuntários, muitas vezes, é um impossível.
Então, o que é que Deus
pede quando nos fala de perdoar de todo o coração? Com muita clareza no-lo diz
o Catecismo da Igreja Católica:
“Não está em nosso poder não mais sentir e
esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo transforma a
ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão”
(n. 2843).
É um jato de luz e um
conforto, porque é algo que uma pessoa de boa vontade sempre pode fazer.
Primeiro, transformar “a
ferida em compaixão”.
Não, naturalmente, na
compaixão que despreza, olhando o “coitado” de cima para baixo.
Mas na compaixão
verdadeira que, sabendo passar por alto a mágoa pessoal – ainda que essa
continue como um sentimento que não conseguimos eliminar –, percebe que a
atitude errada do outro é uma ferida que ele próprio infligiu a si mesmo.
Como é lógico, a
“compaixão” vivida conscientemente – com autêntico esforço de compreensão –
deixa cada vez menos espaço no nosso coração para o rancor.
Depois, o Catecismo fala
de “purificar a memória, transformando a ofensa em intercessão”, isto é, em
oração, pedindo a Deus por aquele que nos ofendeu.
Esse é exactamente o
ensinamento de Cristo: Orai pelos que vos maltratam e perseguem (Mt 5, 44).
Todos nos comovemos quando
lemos as histórias dos mártires que, a exemplo de Cristo, rezavam
fervorosamente pelos seus algozes. Mas, por que achamos que isso não é conosco?
A esposa, o marido, os
filhos, podem ser difíceis, mas não são – normalmente – os nossos algozes.
Quantas vezes rezamos por
eles?
Mais concretamente,
lembramo-nos de rezar por eles – depois do primeiro sufoco, mesmo que o ânimo
continue a ferver – todas as vezes que nos ofendem ou nos tratam com
desconsideração?
Será que isso nos parece
esquisito ou impossível?
Seria uma pena se fosse
assim, porque é um ponto básico do espírito cristão.
É preciso decidir-nos a
lutar por vivê-lo.
NÃO APENAS ESQUECER, MAS
ESQUECER-SE
E agora vejamos a
humildade.
É mais uma virtude que São
Paulo cita como arma de paz, e não poderia deixar de ser assim, uma vez que,
como vimos acima, o orgulho é o principal inimigo da paz.
Há uma manifestação de
humildade que deveríamos pedir insistentemente a Deus, pois favorece a paz: é a
graça de não sermos suscetíveis.
O orgulhoso é muito
sensível, é desconfiado, magoa-se por tudo e por nada.
Têm que se medir as
palavras para falar com ele: – “Cuidado com o que dizes, cuidado com o modo de
olhá-lo, porque pode interpretar mal!”
“A maioria dos conflitos
em que se debate a vida interior de muita gente – dizia Mons. Escrivá – é
fabricada pela imaginação: é que disseram..., é que podem pensar..., é que não
me consideram... E essa pobre alma sofre, pela sua triste fatuidade, com
suspeitas que não são reais. Nessa aventura infeliz, a sua amargura é contínua,
e procura produzir desassossego nos outros: porque não sabe ser humilde, porque
não aprendeu a esquecer-se de si própria para se dar generosamente ao serviço
dos outros por amor a Deus” 16.
Nestas palavras, ao lado
do diagnóstico da susceptibilidade, indicam-se os dois principais remédios:
aprender a esquecer-nos de nós mesmos; e dar-nos generosamente ao serviço dos
outros.
São dois aspectos da
humildade que têm a maior relevância para a paz familiar.
Faz alguns anos, veio-me
às mãos, não sei dizer como, o texto de uma mensagem que a rainha Fabíola
dirigiu ao povo belga por ocasião dos trinta anos do seu casamento com o rei
Balduíno.
A data era de 15 de Dezembro
de 1990 e o texto da mensagem era o seguinte:
“Eu vos direi,
simplesmente, que estes têm sido anos de felicidade, devido em grande parte à
gentileza do meu marido, às suas atenções, a um constante esquecimento de si
mesmo que jamais ficou desmentido. Ele tem para comigo uma paciência a toda a
prova: foi a paciência que permitiu ao nosso amor crescer e expandir-se. Esse
esquecimento de si, em favor do outro, é a verdadeira chave do casamento”.
Esquecer-se: palavra
maravilhosa.
São Paulo aplica-a a
Cristo, dizendo que se esqueceu de si, que se aniquilou a si mesmo, assumindo a
condição de servo... (Fil 2, 7).
O esquecimento é a face
oculta do amor, aquilo que nos facilita amar libertos da carga do “eu”.
Assim o fez Cristo:
esqueceu-se de Si até fazer-se “nada” – aniquilando-se –, para dar-se totalmente
a nós. E dEle, entregue e esquecido, afirmará São Paulo que é a nossa paz (Ef
2, 14).
Em que pensamos
habitualmente?
Em quem pensamos?
Já é hora de deixar de preocupar-nos
tanto por nós mesmos, de deixar de avaliar tudo o que os outros fazem – “é bom,
é ruim” – pelos reflexos que projeta no espelho do nosso “eu”.
Somente quem se esquece
humildemente de si é capaz de se doar.
“Oxalá te habitues a
ocupar-te diariamente dos outros, com tanta entrega que te esqueças de que
existes!” 17
(cont.)
________________________________________
Notas:
(16)
Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, Quadrante, São Paulo, 1979, n. 101;
(17)
Josemaría Escrivá, Sulco, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 947;
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