26/06/2014

Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (A paz na familia 7)


Tempo comum XII Semana

São Josemaria Escrivá

Evangelho: Mt 7, 21-29

21 «Nem todo o que Me diz: “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos Céus, mas só o que faz a vontade de Meu Pai que está nos céus. 22 Muitos Me dirão naquele dia: “Senhor, Senhor, não profetizámos nós em Teu nome, e em Teu nome expulsámos os demónios, e em Teu nome fizemos muitos milagres?”. 23 E então Eu lhes direi bem alto: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade”. 24 «Todo aquele, pois, que ouve estas Minhas palavras e as observa será semelhante ao homem prudente que edificou a sua casa sobre rocha. 25 Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram e investiram os ventos contra aquela casa, mas ela não caiu, porque estava fundada sobre rocha. 26 Todo aquele que ouve estas Minhas palavras e não as pratica será semelhante a um homem insensato que edificou a sua casa sobre areia. 27 Caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram e investiram os ventos contra aquela casa, e ela caiu, e foi grande a sua ruína». 28 Quando Jesus acabou estes discursos, estavam as multidões admiradas com a Sua doutrina, 29 porque os ensinava como quem tinha autoridade, e não como os seus escribas.


Comentário:


Atentemos neste texto – que pode parecer controverso – e veremos com meridiana clareza o que se passa em tantas partes do mundo, talvez hoje mais que nunca, com pessoas, organizações e grupos que fazem e actuam em nome de Cristo quando, na verdade, o que pretendem, na maior parte dos casos, é encontrar uma “forma de ganhar a vida” à custa de outros. Procuram os incautos, pouco cultos ou formação, para inculcarem as suas ideias dando aos que os ouvem e seguem uma falsa impressão de que actuam com autoridade concedida por Deus e, não poucas vezes, até com poderes extraordinários.


Na terra, esta terra em que vivemos, existe uma única entidade que pode actuar em nome de Jesus Cristo: A Santa Igreja Católica Apostólica Romana que Ele próprio instituiu e cuja cabeça visível é o Papa.

(ama, comentário sobre Mt 7, 21-29, 2013.12.05)


Leitura espiritual



Temas

A PAZ NA FAMÍLIA
…/7

O CUME DA MISERICÓRDIA

O cume da misericórdia, como ensina Cristo, é o perdão. Mas, na vida em família, o perdão, muitas vezes é o cúmulo da dificuldade. Como custa perdoar no lar! E, no entanto, é muito mais daninho para a paz familiar guardar rancores, curtir ressentimentos e andar com revides, do que explodir momentaneamente, dando vazão à ira, ao grito e ao sopapo.

Creio que todos nós experimentamos um estremecimento quando encaramos de frente duas declarações de Cristo:

– depois de ensinar-nos a rezar: perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido, Jesus acrescenta: Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará (Mt 6, 12.15).

Já imaginamos o que seria, para nós, o dia do Juízo, se Deus nos perdoasse só como nós perdoamos os outros?

– o segundo ensinamento deixa-nos pensativos e um tanto perturbados.

Repetindo de certa forma o anterior, introduz um novo matiz. Cristo acaba de narrar a parábola do servo cruel, que tendo sido perdoado de uma grande dívida pelo seu senhor, não perdoa um companheiro que lhe deve uma insignificância. O senhor do servo castiga-o severamente e, como moral da parábola, Cristo conclui: Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um não perdoar a seu irmão de todo o coração (Mt 18, 35).

Há pessoas que parecem ter no coração um computador com capacidade de muitos gigas, em cuja memória se vão guardando todas as mágoas, perfeitamente contabilizadas:
“Não se lembrou do meu aniversário”,
“Faz dez anos que não me traz flores nem bombons”,
“Ela não aceitou a minha explicação «verdadeira» sobre os meus atrasos à noite e acusa-me de infidelidade”,
“Quando éramos namorados, no dia tantos de tantos de mil novecentos e tantos, às dezoito e trinta e cinco horas, na esquina das ruas tal e qual, ele me ofendeu dizendo xis ou ípsilon”,
“Ela passa o dia na casa da sua mãe, como se não tivesse marido e filhos”,
“Ele não quis ir ao casamento do meu sobrinho, sabendo que magoava toda a minha família”,
“Você disse isso porque meus pais são pobres”, e assim por diante.

Basta que qualquer faísca provoque uma irritação, basta uma má interpretação, uma crítica, uma zombaria ou um protesto, para que a pessoa que se sente ofendida “clique” no seu computador invisível e apareça no vídeo o arquivo dos “agravos”, com uma lista interminável.
Essa enxurrada de reminiscências negativas cai então como um raio sobre o outro, reacende a fogueira das acusações mútuas e aumenta o círculo vicioso dos rancores e das recriminações.
Adeus à paz!

São Paulo sabia bem de que massa estamos feitos e, por isso, pensando no amor que gera a paz, dizia, como víamos acima:
Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se um tiver contra outro motivo de queixa. Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós (Ef 3, 13).

Como são importantes os pequenos perdões no lar!

Esforcemo-nos, pelo menos, por calar-nos: não retruquemos, não firamos sensibilidades.
Façamos um propósito espiritual altamente recomendável:
“Nas discussões, lá em casa, eu faço questão de dizer a penúltima palavra”.
Quem se obstina em dizer a última, inevitavelmente atiça a chama da discussão.

Mas calar-se não é carneirismo?
Será que tenho que aceitar todas as injustiças e humilhações?

Não.

Às vezes, pode-se – e deve-se – cortar energicamente e na hora um despropósito, mas não há necessidade de cair numa interminável discussão, nem de ficar remoendo horas e dias.

Outras vezes, convirá calar e esperar, e mais tarde, tentar um diálogo sereno e esclarecedor ou fazer uma correção tranquila; em outras ocasiões, nada facilitará tanto o arrependimento do outro como mostrar-lhe – sem humilhá-lo – grandeza de alma.
Uma pessoa ofendida que trata bem, com coração magnânimo, aquele que o ofendeu, é moralmente “superior”, não pelo orgulho, mas pela bondade. Com isso, desarma o agressor, que pode perceber a sua tola mesquinhez em contraste com esse amor maior.

PERDOAR DE TODO O CORAÇÃO

“Certo – pode dizer alguém –, eu perdoo, gostaria de perdoar, mas não consigo esquecer.
Portanto, o meu perdão não vale nada, pois Cristo manda perdoar de todo o coração”.

Quantos não sofrem, angustiados, por essa incapacidade que têm de esquecer mágoas e ofensas!
“Eu tento – dizem –, eu quereria esquecer, eu me esforço, mas continuo lembrando-me e, de cada vez que lembro, vem-me aquela fervura, sinto raiva, sinto antipatia, não agüento ver a pessoa na minha frente”.

Deus não nos pede impossíveis, e mudar sentimentos involuntários, muitas vezes, é um impossível.
Então, o que é que Deus pede quando nos fala de perdoar de todo o coração? Com muita clareza no-lo diz o Catecismo da Igreja Católica:
 “Não está em nosso poder não mais sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo transforma a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão” (n. 2843).

É um jato de luz e um conforto, porque é algo que uma pessoa de boa vontade sempre pode fazer.

Primeiro, transformar “a ferida em compaixão”.
Não, naturalmente, na compaixão que despreza, olhando o “coitado” de cima para baixo.
Mas na compaixão verdadeira que, sabendo passar por alto a mágoa pessoal – ainda que essa continue como um sentimento que não conseguimos eliminar –, percebe que a atitude errada do outro é uma ferida que ele próprio infligiu a si mesmo.
Como é lógico, a “compaixão” vivida conscientemente – com autêntico esforço de compreensão – deixa cada vez menos espaço no nosso coração para o rancor.

Depois, o Catecismo fala de “purificar a memória, transformando a ofensa em intercessão”, isto é, em oração, pedindo a Deus por aquele que nos ofendeu.
Esse é exactamente o ensinamento de Cristo: Orai pelos que vos maltratam e perseguem (Mt 5, 44).

Todos nos comovemos quando lemos as histórias dos mártires que, a exemplo de Cristo, rezavam fervorosamente pelos seus algozes. Mas, por que achamos que isso não é conosco?

A esposa, o marido, os filhos, podem ser difíceis, mas não são – normalmente – os nossos algozes.
Quantas vezes rezamos por eles?
Mais concretamente, lembramo-nos de rezar por eles – depois do primeiro sufoco, mesmo que o ânimo continue a ferver – todas as vezes que nos ofendem ou nos tratam com desconsideração?
Será que isso nos parece esquisito ou impossível?
Seria uma pena se fosse assim, porque é um ponto básico do espírito cristão.
É preciso decidir-nos a lutar por vivê-lo.

NÃO APENAS ESQUECER, MAS ESQUECER-SE

E agora vejamos a humildade.

É mais uma virtude que São Paulo cita como arma de paz, e não poderia deixar de ser assim, uma vez que, como vimos acima, o orgulho é o principal inimigo da paz.

Há uma manifestação de humildade que deveríamos pedir insistentemente a Deus, pois favorece a paz: é a graça de não sermos suscetíveis.
O orgulhoso é muito sensível, é desconfiado, magoa-se por tudo e por nada.
Têm que se medir as palavras para falar com ele: – “Cuidado com o que dizes, cuidado com o modo de olhá-lo, porque pode interpretar mal!”

“A maioria dos conflitos em que se debate a vida interior de muita gente – dizia Mons. Escrivá – é fabricada pela imaginação: é que disseram..., é que podem pensar..., é que não me consideram... E essa pobre alma sofre, pela sua triste fatuidade, com suspeitas que não são reais. Nessa aventura infeliz, a sua amargura é contínua, e procura produzir desassossego nos outros: porque não sabe ser humilde, porque não aprendeu a esquecer-se de si própria para se dar generosamente ao serviço dos outros por amor a Deus” 16.

Nestas palavras, ao lado do diagnóstico da susceptibilidade, indicam-se os dois principais remédios: aprender a esquecer-nos de nós mesmos; e dar-nos generosamente ao serviço dos outros.
São dois aspectos da humildade que têm a maior relevância para a paz familiar.

Faz alguns anos, veio-me às mãos, não sei dizer como, o texto de uma mensagem que a rainha Fabíola dirigiu ao povo belga por ocasião dos trinta anos do seu casamento com o rei Balduíno.
A data era de 15 de Dezembro de 1990 e o texto da mensagem era o seguinte:
“Eu vos direi, simplesmente, que estes têm sido anos de felicidade, devido em grande parte à gentileza do meu marido, às suas atenções, a um constante esquecimento de si mesmo que jamais ficou desmentido. Ele tem para comigo uma paciência a toda a prova: foi a paciência que permitiu ao nosso amor crescer e expandir-se. Esse esquecimento de si, em favor do outro, é a verdadeira chave do casamento”.

Esquecer-se: palavra maravilhosa.

São Paulo aplica-a a Cristo, dizendo que se esqueceu de si, que se aniquilou a si mesmo, assumindo a condição de servo... (Fil 2, 7).
O esquecimento é a face oculta do amor, aquilo que nos facilita amar libertos da carga do “eu”.

Assim o fez Cristo: esqueceu-se de Si até fazer-se “nada” – aniquilando-se –, para dar-se totalmente a nós. E dEle, entregue e esquecido, afirmará São Paulo que é a nossa paz (Ef 2, 14).

Em que pensamos habitualmente?
Em quem pensamos?
Já é hora de deixar de preocupar-nos tanto por nós mesmos, de deixar de avaliar tudo o que os outros fazem – “é bom, é ruim” – pelos reflexos que projeta no espelho do nosso “eu”.

Somente quem se esquece humildemente de si é capaz de se doar.

“Oxalá te habitues a ocupar-te diariamente dos outros, com tanta entrega que te esqueças de que existes!” 17

(cont.)
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Notas:
(16) Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, Quadrante, São Paulo, 1979, n. 101;
(17) Josemaría Escrivá, Sulco, Quadrante, São Paulo, 1987, n. 947;






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